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sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O LOBO E O VÍCIO – Collor contesta Janot, acusa irregularidade em contratação de empresa pela PGR e xinga procurador de “filho da p”…



Por Reinaldo Azevedo, 06/08/2015,
 www.com.br
Ai, ai…
“Lúpus pilum mutat, non mentem” O lobo muda de pelo, mas não de idéia, de caráter, de personalidade. Em português, já escrevi aqui, outra versão se popularizou: “O lobo muda de pelo, mas não de vício”.
O senador Fernando Collor (PTB-AL), um dos investigados da operação Lava-Jato, fez nesta quarta um discurso de 18 minutos na tribuna do Senado contra Rodrigo Janot, procurador-geral da República — que certamente lhe será grato, já digo por quê. Apontou o que considerou desmandos dos procuradores — duas vezes se referiu à força-tarefa como “grupelho”, defendeu-se das acusações que lhe faz a turma, discursando com aparente serenidade, de forma pausada.
Mas sabem como é a natureza do escorpião — ou, sei lá, do lobo. Ao sustentar que os carros apreendidos em sua casa pertencem a suas empresas e têm origem lícita, fez uma pausa, não se conteve e, entredentes, mas de forma muito clara, disparou contra Janot: “Filho da puta!”. Vejam aí. O palavrão é pronunciado aos 5min04s.
Transcrevo o trecho:
“As empresas têm contrato social, estão devidamente registradas na Junta Comercial, têm atividades de acordo com o que define a legislação. Se existem parcelas em atraso, é uma questão comercial que diz respeito a mim e ao credor, não podendo jamais, em tempo algum, sob risco de uma grave penalização judicial a quem afirma, que tal atraso se deva ao não recebimento de recursos escusos. Afirmações caluniosas e infames! Filho da puta”.
Pois é…
Não se pode cassar de ninguém, nem de Collor, o direito de se defender também politicamente, que é o que ele faz na tribuna do Senado. Mas é aceitável que se manifeste desse modo? Ele reclama, por exemplo, de uma indústria de vazamentos de informações que teriam origem na Procuradoria. Que exponha lá, afinal, os seus motivos. Mas, ao partir para a baixaria, fala mais de si do que de seus desafetos. É lamentável!
O senador reclama, por exemplo, que, nesta terça, seus assessores receberam telefonemas de jornalistas às 10 da manhã para saber se ele diria alguma coisa sobre parecer de Janot, que se opunha à devolução dos carros, que ele, Collor, havia solicitado ao Supremo. Emenda, então, o senador:
“Às 15 horas de ontem, meu advogado foi recebido pelo Ministro Teori Zavascki, a quem deveria ser dirigido o parecer e dado conhecimento exclusivo. Disse o ministro que, até aquele momento, não havia recebido nenhuma comunicação do procurador-geral”.
E então conclui o senador: “Portanto, vejam os senhores que informações que correm sob ‘segredo de justiça’ foram vazadas seletivamente, de forma criminosa, pelo procurador-geral da República aos meios, antes mesmo que o ministro relator do Supremo Tribunal Federal tomasse delas conhecimento!”.
Collor acusa a existência de um conluio entre a Procuradoria e veículos de imprensa e diz que Janot contratou uma empresa de comunicação, a Oficina da Palavra, para organizar os vazamentos. Ele diz haver irregularidade na contratação dessa empresa e afirma que a imprensa se nega a apurá-las. Em socorro de sua tese, lê trechos de uma carta que servidores da Secretaria de Comunicação Social do Ministério Público Federal encaminharam, no dia 6 de março deste ano, a Janot (leiam o trecho citado por Collor no pé deste post). De fato, há lá uma serie de acusações contra a Oficina da Palavra.
Collor não escondeu o objetivo de sua intervenção. Quer que seus pares rejeitem o nome de Rodrigo Janot. Afirmou:
“Pois bem, senhor presidente, volto então a perguntar, como tenho feito há meses desta mesma tribuna: há ou não há uma sórdida estratégia midiática promovida pela Procuradoria-Geral da República? Por tudo isso, a responsabilidade institucional do Senado Federal, quando da apreciação do nome indicado pela presidente da República ao cargo de procurador-geral da República, será ainda maior. É preciso que todos, parlamentares, mídia e população, abram os olhos para muitos dos aspectos que estão por trás dessas investigações.”
Desde quando era presidente da República, Collor é um de seus principais inimigos. A questão é saber se, com o discurso desta quarta, arranjou mais aliados ou mais adversários para a sua causa. A resposta, depois da grosseria inaceitável, me parece óbvia.
Trecho da carta que servidores da Secretaria de Comunicação Social do Ministério Público Federal enviaram a Janot, em que reclamam da atuação da empresa “Oficina da Palavra”, reproduzido por Collor em seu discurso.

“Em dezembro de 2014, em conversa com o Procurador-Geral da República, manifestamos nossa preocupação com o cenário que se projetava com a contratação da Oficina da Palavra e com a forma como as mudanças vinham sendo implementadas, mas julgamos que era possível dar um voto de confiança à Administração. Contudo, nossas expectativas foram frustradas.
(…)
A análise que fazemos é de que a estratégia adotada tem redundado em uma série de ações questionáveis, que prejudicam a imagem e a reputação institucional. Essas ações também se revelam contrárias aos princípios constitucionais, como o da impessoalidade e da publicidade; aos preceitos da comunicação pública; e às diretrizes institucionais, em especial da transparência e do profissionalismo.
É perceptível, e nos causa perplexidade, o descontrole sobre as informações decorrentes da Operação Lava Jato, que redundaram em vazamentos e, segundo a imprensa, colocam em dúvida a legitimidade da atuação institucional e dão margem a questionamentos acerca do tratamento diferenciado que se tem concedido a determinadas empresas de comunicação.
(…)
Mesmo nos mais diversos círculos de convivência, a instituição tem sido ridicularizada e sua isenção questionada, por conta de declarações e imagens consideradas demagógicas e personalistas.
Este não é o primeiro período turbulento e de grande repercussão pública que assola a instituição. Podemos lembrar os acontecimentos decorridos durante os trabalhos do mensalão. Naquela ocasião não ocorreram vazamentos nem a imagem institucional foi denegrida como está acontecendo no momento presente.
(…)
Não podemos esquecer que o Ministério Público Federal é uma instituição pública e fundamental para a democracia e a cidadania. Portanto, suas ações não podem prescindir de uma comunicação pública baseada na ética, na transparência e na verdade. Portanto, gostaríamos de saber se é estratégia:
A: dar acesso a informações extremamente sensíveis para uma empresa privada cuja finalidade precípua é obter lucro?;
B: vazar informações para os grandes veículos de comunicação?;
C: fornecer informações em off e privilegiar determinados veículos de comunicação?;
D: não divulgar antes nos canais de comunicação do próprio Ministério Púbico Federal informações de grande interesse público, como o envio ao Supremo Tribunal Federal a lista dos ocupantes de cargos públicos suspeitos de envolvimento na Lava-Jato?;
E: é correto priorizar a quantidade em detrimento da qualidade da exposição?;
F: é correto desprestigiar a comunicação pública e substituí-la por barganhas e estratégias próprias da comunicação mercadológica a fim de conseguir “capas de jornais e destaques em jornais televisivos”?

O que está em investigação — e em desmoronamento — é uma forma de conquista do Estado. E uma fala de Gilmar Mendes



Por Reinaldo Azevedo, 04/08/2015,
www.veja.com.br

Em tempos em que alguns tontos — e a desocupação é a morada do capeta! — se arvoram em intérpretes do que penso, nada como recorrer ao que eu mesmo escrevi, confrontando com a realidade, com as evidências que vêm à luz. Eu sei o que penso, não os 171 da vida… No dia 5 de fevereiro, publiquei aqui um post em que se lia isto:
“Desde sempre, afirmo neste blog que tratar o escândalo do petrolão como mera formação de cartel de empreiteiras corresponde a ignorar a natureza do jogo. Um ente de razão, um partido, tomou de assalto o estado brasileiro. É possível que ladrões sem ideologia tenham se imiscuído no sistema, mas que não se perca de vista o principal: a safadeza alimentava e alimenta um projeto de poder.
(…)
Por que eu tendo a resistir, senhores leitores, à tese do cartel de empreiteiras atuando na Petrobras? Porque isso embute a idéia de que a roubalheira se concentrava na estatal; porque sobra a sugestão de que meliantes morais incrustrados na empresa partiram para a delinqüência. Que o tenham feito, não duvido. Mas será só ali?
As mesmas empreiteiras que trabalham para a Petrobras atuam em outras áreas do governo. São elas, afinal de contas, que prestam os serviços na área de infraestrutura. Então será diferente nos outros setores da administração pública? A moralidade vigente na Petrobras não será a regra? E noto que a empresa dispõe de mecanismos de controle mais severos do que os das demais estatais e os dos ministérios.
O Brasil está na pindaíba. Incompetência e ladroagem se juntaram contra os cofres públicos. E então cabe a pergunta: onde está Luiz Inácio Lula da Silva, aquele que recomendou que os petistas andassem, orgulhosos, de cabeça erguida?”

Retomo

Será que isso alivia a situação de alguém? Não! Isso agrava! Há uma diferença para pior em recorrer ao roubo para assaltar o estado de direito e em fazê-lo com o fito de encher as burras de dinheiro. É tudo bandido. Mas são bandidagens distintas.
Nesta terça, o ministro Gilmar Mendes, do STF e também membro do TSE, afirmou o seguinte:
“Me parece que há uma mesma raiz tanto para o fenômeno do mensalão quanto este do chamado petrolão, e agora eletrolão, e quantos ‘ãos’ venham ainda. Parece-me que há uma mesma matriz, é uma forma de governar, é um modelo de governança. E isso que é problemático nessa história toda. Acho algo realmente de proporções inimagináveis. A corrupção como sistema de governo, como forma de organizar a administração, realmente é algo impensável”.
O ministro afirmou, informa a Folha, que o Ministério Público Federal, “por alguma razão”, não levou à frente a recomendação da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Correios, que investigou o mensalão, para apurar fraudes nos fundos de pensão.
Disse ele: “A CPI recomendou, só que, por alguma razão, na Procuradoria, isso não teve desfecho, não teve seguimento. Felizmente, esse tema andou. Então, quando a gente fala que o mensalão ficou limitado, é claro que a gente sabe que, se tivesse havido uma investigação, talvez já se tivesse detectado essas conexões”.
Em suma, meus caros: o que está em investigação, e isso tem de ficar claro, é algo muito mais grave do que formação de cartel e pagamento de comissão para larápios. O que está em investigação e em desmoronamento é uma forma de conquista do estado.

A ANATOMIA DO PETISMO: COMO SE CRIOU O MONSTRO. Um texto de 11 anos, não uma ofensa de cinco minutos. Ou: A vespa e a joaninha



Por Reinaldo Azevedo, 05/08/2015, www.veja.com.br

Vespa inocula seu ovo na joaninha, que passará a abrigar um estranho em seu ventre…

Eu escrevo para quem gosta de ler. Se preciso, textos longos. Estou nessa faz tempo. Não descobri anteontem os males do petismo. Minha crítica aos companheiros antecede a sua chegada ao poder. E, bem…, ouso dizer que eu estava certo, não é? Quando criei o termo “petralha”, os petistas nem haviam chegado ainda ao poder. Mas eu entendia a sua natureza.
Na seqüência, eu vou republicar um texto que saiu, pela primeira vez, no nº 31 da revista Primeira Leitura, de que eu era diretor de redação, em setembro de 2004. Lula estava, então, no poder havia apenas um ano e nove meses. O artigo integrava um conjunto de textos em que eu criticava o comportamento tímido das oposições, que evitavam o confronto com o PT, preferindo parabenizar Antônio Palocci, então ministro da Fazenda, porque ele seguia o caminho da racionalidade econômica.
O que sinto ao reler o texto abaixo? Desagrada-me que muitos dos meus temores estejam aí, como realidade palpável. Mas também, confesso, sinto satisfação intelectual. Poucos viam o que estava em curso. Eu era um deles. À época, algumas pessoas me disseram: “Não seja apocalíptico”. Nunca sou! Considero-me apenas realista. E continuarei na batalha, com os mesmos valores que me animavam então e que me animam ainda hoje.
É fácil atacar um partido ou um grupo político rejeitados por quase 80% da população. A dificuldade é apontar as suas mazelas quando aprovados por quase 80%… Releiam o artigo de setembro de 2004, em que recorro a uma situação da natureza para expor o que estava em curso. Os eventos históricos, claro! Estão datados, mas não as idéias e a leitura que dão suporte ao artigo.
O mensalão só explodiria em junho do ano seguinte. Em setembro de 2004, Delúbio Soares já era personagem do artigo. Não é tão fácil escrever um texto que dure 11 anos. Mas é certo que qualquer bilioso cretino consegue escrever uma ofensa que dure cinco minutos. Observem: etá tudo ali, inclusive o uso abusado do dinheiro público para fazer proselitismo. Não! Não vou lhes pedir que a gente se encontre daqui a 11 anos para debater 2015. Espero estar cuidando dos meus netinhos. Não me seduz tanto assim estar certo nem me constrange o erro. O que me mobiliza, aí sim, é assegurar a eficiência de um método.

Joaninha carrega a larva, que vai se alimentar de suas entranhas até matá-la

A reforma da Previdência do governo FHC era criminosa; uma ainda mais severa no governo do PT foi virtuosa. Um superávit primário de 3,75% sob o comando do “neoliberal” FHC era criminoso; o de oficiais 4,25%, chegando a quase 6%, sob o comando de um “operário”, foi virtuoso. Com FHC na Presidência, o Ministério Público era a antítese virtuosa; com Lula lá, passou a ser a antítese criminosa. CPIs contra tucanos denunciavam crimes contra o povo; CPIs contra petistas é que são crimes contra o povo. Juros altos, sob o tucanato, faziam a vontade criminosa dos banqueiros; guiados pela estrela, passaram a ser um distintivo de suas virtudes. Foro especial para autoridades, quando o poder estava com o príncipe dos sociólogos, era crime de lesa-democracia; com a entronização do Moderno Príncipe, até uma MP para beneficiar um só virou encarnação da virtude. Privatizações com regras na gestão anterior eram privataria; “parcerias” do Estado com a iniciativa privada, num mar de desregramento, provaram a adesão virtuosa do PT à economia de mercado.
Verá o leitor que há um propósito em tantas vezes se repetirem acima as palavras “criminoso” e “virtuoso” e outras de mesma raiz. À beira de completar um quarto de século, período em que cresceu encabrestando ou aparelhando todos os Poderes e instâncias da República, fossem as organizações do Estado, fossem as da sociedade civil, o PT se organiza para ficar no poder – se possível, para sempre. Fantasmagoria? Obviedade? Afinal, não será mesmo esta a vocação de qualquer partido: a permanência? Não se estaria aqui lendo como negativo o que é uma virtude? Respondo com um sonoro “depende”. Depende de quais instrumentos acatamos como legítimos na disputa política. Depende de considerarmos ou não aceitável que um partido construa, ao longo de mais de duas décadas, um patrimônio de luta política, com um conjunto claro de proposições (por mais doidivanas e irrealistas que fossem), para, por razões tão táticas quanto estratégicas, repudiá-lo uma vez eleito.
E, neste ponto, inicio uma anotação central para o entendimento do que está em curso: o PT foi tático quando aderiu ao conjunto de soluções que antes satanizara: temia, afinal, ser colhido pela voragem dos mercados. E foi também estratégico: essa “adesão” serviu para mascarar a sua essência autoritária, desarmando o espírito dos adversários, que então se deram por satisfeitos e consideraram um avanço que o partido tivesse renunciado a seu ideário esquerdista. Noto que, com efeito, procurar no petismo sinais de socialismo à cubana é tolice e perda de tempo – ainda existem brotoejas, mas irrelevantes. O que o PT conserva da herança esquerdista é o dirigismo, a vocação autoritária, o entendimento de que a sociedade deva ser conduzida por um ente de razão que é, a um só tempo, supra-histórico e encarnação da própria história.
A crítica ao estelionato eleitoral não pode e não deve se esgotar nas muitas vezes em que o partido nega seu passado. Eis uma acusação a que a cúpula partidária responde com conforto: ora evoca a sua maturidade, ora confessa as “bravatas”, ora atribui suas ações à herança maldita.
Atrevo-me a propor um ponto de vista e uma consideração que me parecem novos: para o PT, “trair” o seu ideário era parte do jogo. Até porque não havia propriamente um ideário, mas a determinação de construir o partido como ente de razão.
Nem o PT nem o Partido Comunista Chinês são incompatíveis com a economia de mercado, com a globalização ou com o capitalismo.
A aposta de ambos, cada um respondendo a necessidades particulares, é a de que a “desordem capitalista” é passível de comando. E esse comando é incompatível com as melhores conquistas da sociedade democrática e do Estado de Direito. O que é esse tal Estado de Direito senão aquele em que nenhum ente a outro se sobrepõe como absoluto? O que é o Estado de Direito senão a impossibilidade de haver uma instância que, por absoluta, possa regular-se a si mesma?
Haver hoje no Brasil um sólido apoio de boa parte do empresariado ao governo do PT é, em vez de contradição, prova inequívoca de que, bem-sucedido na tática, o partido também logra os benefícios de uma bem-urdida estratégia de convencimento e inserção. A realidade se impõe como piada explícita: depois de ter conquistado a hegemonia nos sindicatos de trabalhadores, o partido finca a sua bandeira na FIESP. É perfeitamente possível emascular a democracia de suas defesas antiautoritárias sem, no entanto, afrontar a lógica de mercado – a rigor, dada a construção atual, o petismo se mostra tão mais tentado ao stalinismo político quanto mais se dá ao mercadismo.

GRAMSCI E DISTOPIA

Um pouco de teoria ilumina o caminho. Mais de uma vez, já aludi a uma assustadora formulação de Antonio Gramsci, teórico comunista italiano, sobre o papel que reservava ao “partido”. Ele não estava se referindo, bem entendido, a um partido (que ele chama de “Moderno Príncipe”) empenhado em promover a conquista do poder por meio da luta armada, à moda russa. A “revolução” gramsciana se dá por intermédio do poder tentacular do Moderno Príncipe, que se utiliza das fissuras do “Estado burguês” e da tolerância política para cultivar os seus valores divergentes – mais ou menos à feição de certa vespa que põe o ovo no ventre de uma joaninha: a coitada passa à condição de hospedeira de um alien, que dela se alimenta enquanto a destrói. A vinda da larva da vespa à luz coincide com a morte da joaninha.
A guerra gramsciana tem como território as consciências. Deixemos que ele mesmo fale:
“O Moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que seu desenvolvimento significa, de fato, que todo ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio Moderno Príncipe e serve ou para aumentar o seu poder ou para opor-se a ele. O Moderno Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume”.
Nem George Orwell sintetizou como distopia o horror que Gramsci resume como utopia. Há ali, de fato, os prolegômenos da ditadura perfeita. Reparem que não será o conteúdo dessa ou daquela proposições a determinar clivagens políticas ou sociais. “Crime” e “virtude”, palavras que nos devolvem lá ao primeiro parágrafo, se definirão segundo a necessidade, o interesse e a construção do Moderno Príncipe.
Não estranha que os comunistas, ao longo da história, tenham feito tanta lambança (sempre em nome de causas ditas “progressistas”…), justificando, aqui e alhures, os atos os mais pusilânimes e cruéis, desde que pudessem evocar em seu favor uma causa humanista.
Tal prática, a rigor, antecede as formulações de Gramsci. Este, em verdade, é fruto dessa vivência e dessa visão de mundo e passou, depois, a ser um dos doutores dessa religião sem deus, desse “laicismo moderno”. Aos leitores recomendo a peça As Mãos Sujas, de Sartre, que trata de um assassinato político em nome da causa. É uma denúncia contundente desse mecanismo de pensamento. Mais tarde, o próprio autor cairia vítima do que havia denunciado, o que só serve de advertência para o poder insidioso do Moderno Príncipe.

TEORIA CONSPIRATÓRIA?

Aqui, uma outra porta importante se abre ao entendimento. A primeira (e talvez principal) tarefa do Moderno Príncipe consiste em alterar o DNA dos valores ideológicos, fazendo com que os adversários passem a duvidar das suas próprias certezas e valores, tornando-os, tanto quanto possível, hospedeiros da ideologia destinada a eliminá-los. No mês passado, num intervalo de três semanas, viu-se “O Partido”:

- 1) dar à luz o projeto dirigista da Ancinav, a agência de cultura que pretendia ser uma espécie de Conselho Inferior de Censura para artes e espetáculos;
- 2) enviar ao Congresso o projeto de lei criando o Conselho Federal de Jornalismo;
- 3) tentar instituir a Lei do Silêncio ao funcionalismo público;
- 4) ameaçar com o compartilhamento, entre todos os órgãos da administração federal, dos dados de quebra de sigilo fiscal e bancário;
- 5) cobrir o país com a sombra da ameaça em razão de mais de 1,7 mil sigilos bancários quebrados pela CPI do Banestado.

A simples sugestão de que tais ações possam estar coordenadas num propósito, de que todas elas têm, em comum, a ameaça do dirigismo e da criação de um Estado mais policial do que democrático, de que há método por trás dessa aparente bagunça, leva, inevitavelmente, o crítico a ser considerado uma pobre vítima das teorias conspiratórias. É claro que o PT, nessa hora, se aproveita do fato de que a análise política, no Brasil, é chinfrim, desinformada e carente de leitura. Soa antipático perguntar, mas eu não teria chegado até aqui se quisesse só granjear simpatias: quantos conhecem a teoria gramsciana? O que o jornalismo e boa parte da academia realmente leram sobre a trajetória da esquerda e suas estratégias de poder?
Forçar o observador a duvidar daquilo que vê, levando-o a apontar nuances de virtude numa prática obviamente autoritária, é parte do jogo, é parte da “subversão e todo o sistema de relações intelectuais”. No ponto extremo dessa atitude, ridiculariza-se o crítico, acusando-o de lunático, como se estivesse a denunciar a abdução de humanos por extraterrestres.

O DINHEIRO PÚBLICO

As cinco ações citadas como evidências recentes de arreganho autoritário podem ser implementadas sem uma afronta formal ao sistema democrático. O PT é mestre na prática de usar a democracia para solapá-la, sobressaindo o sistema de contribuição de filiados ao partido como a mais escandalosa prova de que já não se distinguem partidos, governo, Estado e sociedade. A lógica é elementar: se o partido terá menos dinheiro ou mais a depender da quantidade de filiados que nomeie, está em suas mãos decidir que parcela de recursos públicos vai diretamente para ao caixa administrado por Delúbio Soares. O partido se torna o único regulador dessa relação, infenso a qualquer outra mediação, controle ou fiscalização.
O partido sabe-se, vive do que o onipresente Delúbio consegue arrecadar lá à sua maneira e da tal contribuição de filiados. Os petistas que trabalham na iniciativa privada doam ou não uma parte de sua renda à Igreja Pentecostal do Petismo a depender dos “direitos” que pretendem ter como militantes. Ocupar um cargo público é, digamos, uma honraria na hierarquia dessa teologia. Se não contribui, não tem cargo. E isso escancara uma evidência: o PT se considera o dono natural e original dos recursos que pagam os eleitos e nomeados. Estes seriam meros intermediários dessa posse.
A presunção é a de que a bufunfa sairia do caixa do Estado com ou sem a contribuição obrigatória. É verdade. Mas é uma verdade que esconde um embuste milionário. Ser a decisão do partido de nomear mais filiados ou menos uma âncora de ajuste de seu próprio caixa já expõe, por si, a natureza do problema. “Não é ilegal”, muitos dirão. Mais ou menos, já que há uma cláusula branca de exclusão na nomeação, que pode ser entendida como chantagem (“Ou dá o dinheiro ou não é indicado”), não regulada por qualquer código. O fato de que a ilegalidade essencial jamais vai se encontrar com a prova material não muda a substância imoral do problema.

TÁ TUDO DOMINADO?

Enganam-se os que acreditam que estou aqui a concluir, a exemplo de certo refrão popular, que “tá tudo dominado”, como se a fantasmagoria gramsciana já  tivesse sido perfeitamente realizada. Eu, não! Nem pretendo superestimar o petismo nem creio, à diferença de algumas estrelas do partido que já estão por aí desenhando cenários para o Brasil de 2022!!! Que seu modelo já seja vitorioso.
Também aposto, a exemplo de muitos, nas virtudes das instituições brasileiras. Evito apenas tomar por corriqueiro, com olhos de déjà-vu, isto que já é mais do que um projeto de poder (porque em parte realizado) e que, na sua versão presente, conjuga economia de mercado com vocação dirigista, submetendo à mesma influência e ao mesmo ente de razão tanto o ultra-esquerdismo do MST como o, vá lá, liberalismo da FIESP. Mais ainda: parte da consecução desse poder se alimenta, de forma parasitária, das gorduras e das proteínas da sociedade livre, como aquela larva da vespa incrustada no abdômen da joaninha.
A novidade desse arranjo em relação a tudo o que já se viu no país está – e seria bom que cientistas sociais e mesmo jornalistas tentassem demonstrar que assim não é, o que teria a virtude de estabelecer o debate – num partido que limita a sua própria história e a do país ao presente eterno (definindo, pois, o criminoso e o virtuoso segundo a necessidade da hora) e que se aproveita da enorme porosidade do sistema político e intelectual da democracia às investidas do discurso de esquerda para reescrever o passado, substituindo os fatos idos pela permanente mistificação do presente.
A prova escancarada viu-se quando o governo transformou, com a ajuda de parte da imprensa, em mérito seu a balança comercial de 2003, de US$ 24,8 bilhões.  Como Lula não é o Midas da soja ou dos manufaturados, tampouco o cristo da multiplicação da lavoura e da produção industrial, aquele desempenho era resultado, ora vejam! Da dita “herança maldita” de FHC.
Sim, a política, e só ela, mais do que a economia, pode abalar essa construção, redefinindo estratégias. A política, em suma, não morreu. Não ainda. Nem tudo o que não é vespa é joaninha.