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sábado, 30 de abril de 2016

O golpe como estratégia fatal



Por Juremir Machado da Silva, 21/04/2016,
 www.correiodopovo.com.br

O francês Jean Baudrillard refletiu sobre as estratégias fatais da transparência do mal.

O golpe, dissimulado de impeachment, embaralha as cartas e transforma a norma em trapaça.

O Supremo Tribunal Federal participa do jogo.

Quem conhece os critérios dos STF para julgar ou deixar de julgar alguma coisa?

Desde dezembro de 2015, o STF senta-se em cima de um pedido de afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados. Por quê? O que leva a corte a não se interessar por esse tema?

Celso de Mello, decano dos ministros do STF, considera ruim para a imagem do Brasil no exterior a presidente da República contar na ONU que se sente vítima de um golpe de Estado. Por que não se incomoda com a imagem do país no estrangeiro quando um deputado chama Eduardo Cunha, ao vivo, diante dos olhos estarrecidos dos cidadãos brasileiros, de ladrão ou de gângster?

A desculpa do STF para não agir é a não intromissão em outro poder.

O STF foi rápido, através do militante tucano Gilmar Mendes, líder da oposição na corte, para impedir Lula de ser ministro. E não tem a menor pressa em julgar o caso. Interfere no executivo.

Dois pesos, duas medidas!

O STF torna-se parte do golpe?

A mídia ouve os ministros do golpe – Gilmar Mendes, Celso de Mello, Dias Tóffoli –, mas não ouve os que a ele se opõem, com Marco Aurélio Mello, que não foi nomeado por Dilma ou Lula, na frente.

O STF está dividido.

Uma parte grita que não há golpe. Mas não se refere à prova do crime de responsabilidade.

A outra parte é deixada de lado.

Acontece que a mídia internacional acha que o Brasil está às vésperas de um golpe.

Especialista em comunicação política, Gaspard Estrada, diretor do Observatório Político da América Latina,  deu entrevista ao jornal francês Libération desta quinta-feira, 21 de abril. Ele resumiu a trama em curso no Brasil com precisão. A estratégia fatal da oposição é desnudada com um simples puxão: partidos e políticos querem conservar seus privilégios e manter tudo como sempre foi. Literalmente: “A classe política está, acima de tudo, preocupada em manter seus interesses”.

Mais fatal é o jogo para silenciar a presidente.

A oposição queria impedi-la de falar na ONU.

Afinal, a mídia estrangeira não é amiga.

No último domingo, o que era chamado de clichê, mostrou-se realidade: o poder da elite branca. A Câmara dos Deputados tem 80% de homens, de brancos e de ricos. Machos brancos ricos mandam.

E mandam contra o que foi um pouco de social-democracia, depois social-liberalismo, que confundem com comunismo. O governo merece cair por seus erros, mas não merece ser derrubado por quem sempre cometeu os mesmos erros e quer apenas exterminar o fantasma de comunismo saído das cinzas.

A mídia estrangeira não consegue entender como o Brasil têm políticos tão atrasados.

Nem como a corte suprema pode ser tão pouco transparente.

Ela vê o executivo de mãos amarradas.

Vê o legislativo dominado por uma gangue.

E o STF conduzido pelo humor e pela ideologia dos seus membros.

Uma estratégia é fatal quando transforma o mal numa transparência que se apaga por excesso de luz.

A presidente precisa contar tudo ao mundo na ONU.

Nunca é bom morrer de boca fechada.


Só restou a truculência



Sem argumentos legais ou políticos para derrubar o impeachment, já que o afastamento de Dilma é consenso entre os brasileiros e segue estritamente a previsão constitucional, Lula deixou de lado o pouco que lhe restava de responsabilidade e partiu para o ataque frontal às instituições

Por Augusto Nunes, 27/04/2016,
www.veja.com.br

Editorial do Estadão:

A presidente Dilma Rousseff sofreu mais uma significativa derrota na tramitação do processo de impeachment no Congresso. A comissão do Senado que avalia o caso escolheu como relator o tucano Antonio Anastasia (MG), ligado ao presidente do PSDB, Aécio Neves. Os governistas tentaram de todas as formas impedir que Anastasia fosse eleito, mas o colegiado foi implacável: seu nome foi avalizado com apenas 5 votos contrários entre os 21 membros titulares, placar que reitera a galopante desvantagem de Dilma na luta contra o impeachment.

Essa desvantagem tende a crescer, porque o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em quem o Palácio do Planalto depositava a esperança de manipular o processo em seu favor, demonstrou indisposição para interferir nas escolhas da comissão e no prazo para a conclusão dos trabalhos, que a maioria oposicionista pretende encurtar.

Os seguidos reveses de Dilma e do PT no campo institucional – na Câmara, no Senado e no Supremo Tribunal Federal, que avalizou todo o processo de impeachment até aqui – certamente explicam o destempero do chefão petista Luiz Inácio Lula da Silva, que chamou sua tropa para ir às ruas e desestabilizar um eventual governo de Michel Temer.

Sem argumentos legais ou políticos para derrubar o impeachment, já que o afastamento de Dilma é consenso entre os brasileiros e segue estritamente a previsão constitucional, Lula deixou de lado o pouco que lhe restava de responsabilidade e partiu para o ataque frontal às instituições.

Em encontro da Aliança Progressista, que reúne partidos de esquerda de várias partes do mundo, Lula disse que Dilma é vítima de “uma aliança oportunista entre a grande imprensa, os partidos de oposição e uma verdadeira quadrilha legislativa, que implantou a agenda do caos”. Essa frase – que estava num discurso escrito, ou seja, não foi dita de forma impensada – resume o atentado que Lula da Silva e seus comparsas estão dispostos a cometer contra a democracia no Brasil.

Incapaz de reunir os votos necessários para impedir o impeachment, nem mesmo depois de tentar comprar deputados num quarto de hotel em Brasília, Lula agora desqualifica o mesmo Congresso que lhe foi tão útil nesses anos todos – e que, acima de qualquer consideração sobre sua qualidade, foi eleito pelo voto direto e, portanto, é legítima representação popular.

No discurso, Lula disse também que o impeachment é uma “farsa” que “envergonha o Brasil aos olhos do mundo”, como se a grande vergonha brasileira não fosse a devastadora corrupção capitaneada pelo PT e seus acólitos, que gangrenou as estruturas do Estado, arruinou a Petrobrás e rebaixou a política nacional a um ordinário balcão de negócios.

O que se vê é Lula fazendo o possível para ampliar essa vergonha, lançando no exterior sua campanha para desacreditar as instituições democráticas. Àqueles dirigentes partidários estrangeiros, o chefão petista disse que “em todo o mundo há vozes responsáveis alertando para os riscos de um golpe de Estado no Brasil” e pediu aos colegas que “levem a seus países a mensagem de que a sociedade brasileira vai resistir ao golpe do impeachment”.

O problema, para Lula, é que sua voz já não tem o vigor dos tempos em que se julgava um grande líder mundial. A campanha movida por ele e por Dilma para sensibilizar governos e entidades mundo afora contra o tal “golpe” tem sido um completo fracasso.

Nem mesmo a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), bloco de inspiração bolivariana, conseguiu aprovar alguma moção de repúdio ao impeachment.

Mas Lula não parece se importar com o vexame. “As ameaças à democracia no Brasil e na América Latina dizem respeito a toda a comunidade mundial. Dizem respeito à luta entre civilização e barbárie”, disse o líder da tigrada. Ele tem razão: hoje, mais do que nunca, é preciso defender a civilização, calçada no respeito às leis, contra a barbárie, representada pela truculência daqueles que, por não terem mais um pingo de dignidade, não sabem perder.

Lula sempre ganhou mensalinho da OAS, diz empreiteiro



Engenheiro Zuleido Veras, preso em 2007 por pagar propina para obter contratos com o governo, conta que o ex-presidente recebia dinheiro da construtora desde a década de 80 e que cartel de empreiteiras foi montado para eleger Dilma Rousseff

Por Hugo Marques, 29/04/2016,
www.veja.com.br

Zuleido Veras: o dinheiro era para garantir “a sobrevivência” de Lula. Em troca, o PT ajudava a empresa

O engenheiro Zuleido Veras conhece bem o ambiente de promiscuidade que existe entre o mundo político e as empreiteiras de obras públicas. Em 2007, Veras foi preso em uma operação da Polícia Federal, acusado de pagar propina em troca de contratos milionários no governo - um roteiro de corrupção muito similar ao do hoje famoso petrolão. Dono da construtora Gautama, o empreiteiro ficou doze dias na cadeia, respondeu ao processo em liberdade e, neste ano, o Supremo Tribunal Federal considerou nulas as provas contra ele. Na década de 80, antes de abrir o próprio negócio, Veras ocupou durante dez anos um cargo importante na OAS, uma das empreiteiras envolvidas no escândalo de pagamentos de suborno da Petrobras. Trabalhou ao lado de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS e hoje um dos condenados no esquema de fraudes na estatal. Nesse período, Veras testemunhou o início de um relacionamento que pode explicar muito sobre alguns eventos ainda em apuração na Operação Lava-Jato.

Além dos golpes contra a Petrobras, Léo Pinheiro está sendo investigado por ter pago propina a políticos importantes, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, suspeito de ter recebido de presente da empreiteira um tríplex numa praia do Guarujá e a reforma de um sítio em Atibaia, ambos no Estado de São Paulo. Em entrevista a VEJA, Zuleido Veras conta que as relações financeiras entre Lula e a OAS reveladas pela Lava-Jato não o surpreenderam: elas existiam desde que o ex-presidente ainda era apenas um político promissor. O empresário afirma que Léo Pinheiro sempre deu dinheiro a Lula para "sua sobrevivência", valores que hoje ficariam entre "30.000, 20.000, 10.000 reais", e também ajudava "por fora" nas campanhas políticas do ex-­presidente. Em troca, os petistas estendiam a mão aos interesses da OAS. Veras também diz que o petrolão foi criado no governo Lula com a missão de garantir recursos para eleger Dilma.

A mulher que se achava filha de Getúlio, o pai do Brasil Maravilha e a órfã do golpe que não houve



A doida mansa de Taquaritinga que se dizia herdeira do Banco do Brasil era mais sensata que o fundador de um país inexistente e a alma penada que uiva no Palácio do Planalto

Por Augusto Nunes, 29/04/2016,
 www.veja.com.br

Já contei aqui a história da doida mansa que, no começo dos anos 60, apareceu no portão da minha casa em Taquaritinga para buscar a chave do Banco do Brasil. Ouvi a campainha, vi pela janela da sala de jantar uma mulher negra, franzina e maltrapilha e saí para atendê-la. Ela quis saber se eu era filho do prefeito. Disse que sim. Ela informou que era filha de Getúlio Vargas. Achei que aquilo era assunto para gente grande e fui chamar minha mãe.

Antes que dona Biloca dissesse alguma coisa, ela se identificou novamente e revelou que o pai lhe deixara como herança o Banco do Brasil. Com o suicídio, tornara-se dona da instituição financeira, incluídos bens imóveis e funcionários ─ além do mundaréu de dinheiro, naturalmente. O doutor Getúlio avisara que a chave de cada agência ficava sob a guarda do prefeito. Quando quisesse ou precisasse, bastaria solicitá-la ao chefe do Executivo municipal.

Era por isso que estava lá, repetiu ao fim da exposição. Meu pai estava na prefeitura, entrei na conversa. A herdeira do banco disse que esperaria no portão. Dona Biloca percebeu que aquela maluquice iria longe, decidiu passar a pendência adiante e transferiu-a para o primogênito ─ que, para sorte de ambas, trabalhava no Banco do Brasil de Taquaritinga. Depois de ensinar o caminho mais curto, recomendou-lhe que fosse até a agência, procurasse um moço chamado Flávio e transmitisse o recado: “Diga que a mãe dele mandou dar um jeito no problema da senhora”.

O jeito que deu confirmou que meu irmão mais velho era mesmo paciente e imaginoso. Ao saber com quem estava falando, dispensou a visitante as deferências devidas a uma filha do presidente da República, ouviu o caso com cara de quem está acreditando em tudo e, terminada a narrativa, pediu licença para falar com o gerente. Foi ao banheiro e voltou cinco minutos depois com a informação: a chave estava no cofre da agência, não na casa do prefeito. Mas só poderia entregá-la se a filha de Getúlio confirmasse a paternidade ilustre.

“A senhora precisa buscar a certidão de nascimento no cartório”, explicou Flávio. Ela pareceu feliz, levantou-se da cadeira e avisou que em meia hora estaria de volta com o papel. Ressurgiu três ou quatro meses mais tarde, mas de novo no portão da minha casa, outra vez atrás do prefeito. De novo foi encaminhada ao moço da agência, que liquidou a questão do mesmo jeito. O ritual teve quatro reprises em menos de dois anos. Até que um dia ela saiu em direção ao cartório e nunca mais voltou.

Lembrei-me da doida mansa que coloriu minha infância quando o presidente Lula registrou em cartório um Brasil inexistente. Conferi o calhamaço e fiquei pasmo. Tinha trem-bala, aviões que pousavam e decolavam com a pontualidade da rainha da Inglaterra, rodovias federais de humilhar motorista alemão, luz e moradia para todos, três refeições por dia para a nova classe média, formada pelos pobres dos tempos de FHC. Quem quisesse ver mendigo de perto que fosse até Paris e se contentasse com algum clochard.

A transposição das águas do São Francisco havia exterminado a seca e transformado o Nordeste numa formidável constelação de lagos, represas e piscinas. O sertão ficara melhor que o mar. Os morros do Rio viviam em paz, os barracos valiam mais que as coberturas do Leblon. E ainda nem começara a exploração do pré-sal, que promoveria o Brasil a presidente de honra da OPEP. Faltava pouco para que a potência sul-americana virasse uma Noruega ensolarada.

No país do cartório, o governo não roubava nem deixava roubar, o Mensalão nunca existira, os delinqüentes engravatados estavam todos na cadeia, os ministros e os parlamentares serviam à nação em tempo integral e o presidente da República cumpria e mandava cumprir cada um dos Dez Mandamentos. Lula fizera em oito anos o que os demais governantes não haviam sequer esboçado em 500.

Quando conheci aquela mistura de Pasárgada com emirado árabe, bateu-me a suspeita: daqui a alguns anos, é possível que um filho do prefeito de São Bernardo do Campo tenha de lidar com um homem gordo, de barba grisalha, voz roufenha e o olhar brilhante dos doidos de pedra, exigindo a devolução da maravilha que sumiu. A filha de Getúlio tropeçara na falta da certidão de nascimento. O pai do país imaginário estará sobraçando a papelada cheia de selos, carimbos, rubricas e garranchos.

Lembrei-me de novo da filha de Getúlio ao ver o que Dilma Rousseff anda fazendo para continuar no emprego que já perdeu. Depois do comício de todas as tardes, a alma penada atravessa a noite e a madrugada uivando o mantra: “É golpe”. É muito provável que, daqui a alguns anos, apareça na porta da casa do prefeito de Porto Alegre a mulher de terninho vermelho, calça preta e cara de desquitada de antigamente que, com aquele andar de John Wayne, zanza pelas ruas repetindo o grito de guerra: “Foi golpe!”

Apesar do juízo avariado, nem ela vai querer que lhe devolvam o Brasil que destruiu. Só exigirá as chaves do Palácio do Planalto e do Palácio da Alvorada. Os filhos do prefeito da capital gaúcha poderão livrar-se sem dificuldades da visitante. Bastará pedir-lhe que mostre o certificado de deposição arbitrária com as assinaturas de pelo menos três golpistas de alta patente — todas com firma reconhecida em cartório — e presenteá-la com um exemplar da Constituição.