Total de visualizações de página

sábado, 29 de outubro de 2016

A política pode ser diferente



Se o governo deixar claro que não faz negócios, e sim política, haverá razoável chance de que os parlamentares comecem a pensar no verdadeiro interesse de seus eleitores

Por Augusto Nunes, 14/08/2016,
 www.veja.com.br

Editorial do Estadão

Já houve um tempo, não tão distante, em que as forças do Congresso Nacional se organizavam em blocos governista e oposicionista com base em considerações programáticas. Isso significa que o toma lá dá cá, a transformação de cada deputado em partido de si mesmo, sem qualquer vínculo com ideias e propostas para o País, não são uma fatalidade. O abastardamento da política, infelizmente visto hoje quase como algo natural, é na verdade resultado da meticulosa engenharia dos artesãos lulopetistas, cuja pretensão de permanecer para sempre no poder jamais foi compatível com o funcionamento normal das instituições democráticas, a começar pelo Congresso. A defenestração do PT, portanto, deveria sinalizar a reversão desse processo de desmoralização da democracia, restabelecendo o princípio das alianças em torno de projetos, e não de verbas, sinecuras ou coisa pior. Mas o atual governo não parece suficientemente disposto a romper a terrível lógica do fisiologismo – e tal hesitação cobra seu preço na forma de incerteza permanente sobre o apoio político a medidas essenciais para a recuperação econômica do País.

Um exemplo disso foi dado na terça-feira passada, quando a Câmara votou o projeto que renegocia a dívida dos Estados com a União em troca da imposição de um teto para os gastos estaduais, primeiro grande passo do governo do presidente em exercício Michel Temer na direção do urgente ajuste fiscal. Apesar da aprovação, 55 deputados que supostamente integram a base de sustentação de Temer votaram contra o projeto. Com os ausentes e os que se abstiveram de votar, conforme mostrou o jornal O Globo, chegou a 133 o número de deputados governistas que não deram seu apoio – cerca de um terço da bancada de 380 deputados que deveriam ser fiéis ao governo.

A traição ficou particularmente explícita no caso do PSC, partido do líder do governo na Câmara, deputado André Moura (SE). Dos 8 deputados da legenda, nada menos que 5 votaram contra o projeto encaminhado por Temer.

O próprio partido do presidente em exercício não foi um primor de fidelidade. Dos 52 parlamentares do PMDB que compareceram à votação, 5 votaram contra e outros 14 correligionários de Temer nem sequer apareceram para votar. A desculpa é a esfarrapada de sempre: os ausentes estavam envolvidos com as eleições municipais, e os que votaram contra assim o fizeram para não melindrar suas bases em ano eleitoral. Considerando-se que esses políticos não fazem outra coisa senão pensar na eleição seguinte, é o caso de perguntar se em algum momento o governo poderá contar com eles para aprovar medidas relevantes para o País.

Esse cenário incômodo para o governo prova que as alianças costuradas com promessas de vantagens para partidos e políticos não são garantia de apoio. Muito pelo contrário: o governo nada pode fazer caso seja passado para trás, e é essa certeza que torna os oportunistas tão ousados – a ponto de votarem contra o governo mesmo depois que este lhes fez todas as concessões exigidas, como aconteceu na votação do projeto sobre as dívidas estaduais.

Um exemplo escandaloso é o do Solidariedade, partido de Paulinho da Força. Noticiou-se recentemente que Temer vai ressuscitar o Ministério do Desenvolvimento Agrário somente para agradar àquele partido. No entanto, eis que 4 dos 11 deputados do Solidariedade presentes à sessão de terça-feira passada votaram contra o projeto do governo, e outros 3 correligionários de Paulinho nem deram as caras.

Temer e seus experientes operadores no Congresso decerto sabem que os políticos se acomodam às circunstâncias. Se o governo deixar claro que não faz negócios, e sim política, haverá razoável chance de que os parlamentares, uma vez convencidos de que o Executivo deixou de ser franqueado aos parasitas, comecem a pensar no verdadeiro interesse de seus eleitores, ou seja, no interesse público. No entanto, se o governo seguir acreditando que as únicas alianças possíveis são as fisiológicas, não terá direito de se queixar dos tropeços que fatalmente sofrerá.

O Bozo de Higgs



A pérola mais recente do pensamento imbecil é exigir carteira de motorista de quem tem microempresa

Por Augusto Nunes, 24/10/2016,
www.veja.com.br

Texto de Vlady Oliver

Já que minha querida amiga Tina Boots faz uma radiografia minuciosa da educação capenga deste país de Rousseaus, que tal incluirmos no balaio nossa produção tecnológica e científica? Podemos começar com a maldita tomada de três pinos, símbolo acabado da nossa propensão ao ridículo. Percebam que, por trás de toda grande invenção, há sempre um pleonástico grande inventor: um I-phone e seu Steve Jobs, uma lâmpada e seu Thomas Edison. Mas quem é o pai dessa vigarice tupiniquim? É bastarda. Ninguém assume a pilantragem que pariu e pregou nas paredes deste Brasil varonil e imbecil, que não tem coragem de voltar ao bom senso.

E a “começão da verdade”, cuja “verdade” só tem um lado? Quantos pais e mães a pariram, com o nosso dinheiro na parada? O Marco Civil da Internet é outra bobagem, um manual de instruções de um eletrodoméstico que não é produzido aqui, que não é operado ou desenvolvido aqui e, mesmo assim, os caras acham que podem enquadrá-lo como um Trabant genuinamente nacional. A lista é interminável.

O esporte predileto desses cretinos é o “tiro ao facebuco”, modalidade que exibe bastante musculatura em cidades do interior nordestino. Temos ainda o acelerador de Bozós de Campinas, capitaneados por ninguém menos que o caçador de Savonarolas, Cerquinha Leite. É o irmão bastardo da Claudinha, que também pegou uma grana fácil da viúva para provocar umas dancinhas esquisitas em seus liderados.

Que tal o extintor que não é extinto nem com marafa? Esse é da laia daquele acepipe indigesto, o Kassabe – não confundir com aquela pasta verde comida pelos japoneses, que mais parece uma cocaína num sushi – que também nos brindou com Controlares, tabuletas minúsculas em estabelecimentos comerciais de Sampa e pracinhas de farinha, onde um cadeirante poderia se especializar em cadeirocross.

Aliás, essa vertente do conhecimento manco é do tempo em que todo tucano ou simpatizante começava sua administração enfiando uma dificuldade na pauta, para vender alguma facilidade depois; lembram? Das sacolinhas plásticas confiscadas ao capacete de moto proibido em postos de gasolina, a tucanaiada foi pródiga em inventar a máfia do asfalto regurgitado na via – com duração de um ano de uso -, a máfia dos semáforos, das lombadas e por aí vai. Tecnologia bronca e marreta é o que não falta neste país, para nos encher o saco e esvaziar nossos bolsos, sempre que possível.

Creio que a mais nova pérola do pensamento imbecil é exigir carteira de motorista de quem tem microempresa. Nessa os caras foram fundo que é raso. Nem eu captei vossa mensagem, amado mestre. Manda uma luz, seu Thomas Edison. Pode ser ou tá difícil?

Os 'savonarolas' queimam bandidos e leis na mesma fogueira das vaidades



Por Reinaldo Azevedo, 28/10/2016,
www.folhadesãopaulo.com.br


No dia 24 de setembro, André Singer, colunista deste jornal, publicou um artigo intitulado "É hora de barrar o arbítrio", em que aponta o que considera escalada autoritária na Lava Jato. Referindo-se a uma crítica que fiz à prisão-relâmpago do ex-ministro Guido Mantega, escreve: "Não sou eu quem o diz, mas o insuspeito de petismo Reinaldo Azevedo. 'Força-tarefa e juiz quiseram dar um recado: 'Mandamos soltar e prender quando nos der na telha'". Mais adiante, Singer considera: "Agora parece que Moro ultrapassou o limite do aceitável, mesmo para corações liberais e conservadores." 

Este coração não esperou que Moro e outros ultrapassassem os limites para reagir. Eu nunca espero. Minhas vertigens visionárias não carecem de seguidores (Caetano Veloso). Antes que Rogério Cézar de Cerqueira Leite, de quem costumo discordar absolutamente, associasse o magistrado a Savonarola, eu mesmo o fiz nesta coluna, no dia 17 de julho de 2015. 

Lá está: "Os filhos do PT comem seus pais. Chegou à hora de a companheirada se tornar vítima de seus religiosos fanáticos, formados nas escolas de direito contaminadas por doutrinadores do partido e esquerdistas ainda mais obtusos. (...). O PT de 2015 está experimentando a fúria dos 'savonarolas' que criou". 

Trata-se de história das mentalidades. Eu aponto o caráter esquerdizante de membros da Lava Jato, com seu pronunciado e reiterado ódio ao capitalismo, expresso em múltiplas petições. O fato de que estejam fazendo um trabalho meritório e necessário para caçar bandidos não esconde sua matriz intelectual, que apelido, fazendo uma ironia, de "TFPT", juntando, se me permitem a graça, "psyché" e "physique du rôle". 

Quando é dado a seus protagonistas fazer digressões sobre a ordem legal, ouve-se o alarido do "Direito Achado na Rua", do "neoconstitucionalismo", das "constituições vivas". Em que tipo de solo moral vicejam propostas como aceitação em juízo de prova ilegal (desde que colhida de boa-fé...), teste de honestidade e a quase extinção do habeas corpus? Corações liberais e conservadores, como o meu, gostam do direito achado nas leis, do literalismo, das constituições mortas. 

O mesmo PT que denuncia a um órgão da ONU a suposta agressão aos direitos fundamentais de Lula promove uma invasão homicida de escolas no Paraná, por exemplo, e declara que, nos prédios invadidos, a decisão de uma assembléia de 20 pessoas vale mais do que a Constituição e o direito de milhões de alunos.

Ainda me lembro das saliências da PF, sob o comando de Paulo Lacerda, e da reação do então presidente Lula. Segundo dizia, os corruptos e bandidos tinham mais era de perder o sono... Hoje, partidários seus fazem vigília à sua porta. 

A destrambelhada e ilegal Operação Métis, no Senado, evidencia que os "savonarolas" não se importam de queimar, na mesma fogueira das vaidades, os bandidos e a ordem legal. Reagi aos arreganhos autoritários do petismo. Reajo agora. Nota: há ainda quem não tenha entendido que os equipamentos do Senado nada podiam contra eventuais escutas legais. 

É pena eu não ter tido a oportunidade de escrever, no primeiro e no segundo mandatos de Lula, que até André Singer, "insuspeito de conservadorismo", com seu "coração progressista", lamentava que PF e ABIN pudessem ser usados a serviço de um governo e de um partido. E foram, como se sabe. 

Que tamanho tem o meu exército? O tamanho de uma convicção. Para os meus propósitos, basta.

O Roda Viva com Monica de Bolle: Dilma Rousseff deixou um legado de destruição econômica



Os temas abordados incluíram as causas da crise econômica e as medidas necessárias para tirar o Brasil do atoleiro

Por Augusto Nunes, 25/10/2016,
 www.veja.com.br

A convidada do Roda Viva desta segunda-feira foi a economista Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins. Autora do livro “Como matar a borboleta-azul: Uma crônica da era Dilma”, ela examinou as causas da crise econômica brasileira e as medidas necessárias para tirar o país do atoleiro. Confira alguns trechos da entrevista:

Falar sobre a PEC do Teto pode soar um pouco abstrato para a população. Esse tipo de comunicação deve se dar de maneira simples: “olha, passamos por um momento complicado, houve um desmonte da economia e, diante disso, temos duas opções, podemos cortar gastos, aumentar impostos ou fazer uma combinação das duas coisas. Como aumentar impostos terá um impacto no seu bolso, estamos tentando evitar essa situação de imediato”.

A partir de 2011 houve uma tentativa de manter o país crescendo numa taxa que já não era condizente com a realidade. E vários artifícios foram utilizados, mas principalmente dois: o uso do crédito público subsidiado, sobretudo do BNDES, e a queda dos juros de uma forma um tanto atabalhoada.

Dilma Rousseff deixou uma porta arrombada sem nada dentro. Foi um legado de destruição.

O processo de reconstrução da economia é árduo, lento e vai exigir muita paciência. E o pior é que, diferente da época de Itamar Franco, quando o Plano Real levou dinheiro ao bolso da população, hoje não há nada que se possa fazer para dar um alento às pessoas.

Existe atualmente no Brasil uma situação esquisita. Se você foi a favor do impeachment de Dilma Rousseff, precisa necessariamente ser a favor do governo Temer. Eu entendo aqueles que apoiaram o impeachment, mas olham com desconfiança o atual governo. São coisas diferentes.

O problema maior não é fazer a PEC 401 ser aprovada no Congresso, mas ter pulso firme para agüentar a pressão de todos os grupos de interesse que querem um pedaço desse latifúndio.

O governo Dilma, principalmente no final, estava completamente sem direção, o que tem um impacto grande sobre o mercado financeiro. As pessoas estão mais otimistas. Mas tanto eu quanto parte dos investidores estrangeiros que pensam a longo prazo estão preocupados, porque a situação que vivemos hoje tende a mudar em 2017, quando já estaremos vivendo uma realidade pré-eleitoral.

Países onde houve uma queda muito forte do PIB per capita normalmente demoram uma década para se recuperar.

Nos primeiros anos do governo Lula havia um equilíbrio grande entre ideologia e pragmatismo, além de um quadro internacional positivo. No segundo mandato, principalmente depois de 2008, esse equilíbrio começou a se desvirtuar. No final, predominou a ideia de que o que importava era manter o crescimento, a renda subindo e os níveis de emprego, mesmo que isso não estivesse mais em conformidade com o processo que o Brasil estava vivendo naquele momento. Se Dilma tivesse retomado o equilíbrio, talvez revertesse essa descida ladeira abaixo. Em vez disso, ela acelerou.

Enquanto nossos vizinhos estavam fazendo diversos acordos bilaterais, nós simplesmente ignoramos por completo o que acorria ao nosso redor. É uma infelicidade que o Brasil esteja se abrindo somente agora, num momento em que o mundo quer se fechar.

A bancada de entrevistadores reuniu os jornalistas André Lahóz (Exame), Bruna Lencioni (revista América Economia Brasil), Samantha Pearson (Financial Times), Alvaro Gribel (O Globo) e Márcio Kroehn (Istoé Dinheiro). Com desenhos em tempo real do cartunista Paulo Caruso, o programa foi apresentado, excepcionalmente, pelo diretor de Jornalismo da TV Cultura, Willian Corrêa.