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quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O baile da magistocracia


Por Conrado Hübner Mendes, 16/11/2018, www.época.com.br


Um Judiciário democrático não depende só do que juízes fazem e decidem. Importa quem os juízes são

O baile da irresponsabilidade fiscal promovido pela magistocracia acaba de conceder um aumento de 16% aos juízes de todo o país. Na melhor tradição da baixa política, o Judiciário mais caro do mundo não recebeu o polpudo acréscimo num contexto qualquer, mas em meio a uma das maiores crises econômicas da história. No javanês judicial, seus salários estavam “defasados”. Preserva, assim, sua morada no 0,1% mais alto da pirâmide social brasileira e dá mais uma contribuição à crise. O patrocínio veio dos partidos que sustentam a “nova ordem” para “limpar” a política.

A vocação rentista não teve disfarces nem meias palavras. Enquanto o aumento não vinha, o STF resolveu se autoconceder, em 2014, o auxílio-moradia por meio de liminar monocrática e passou a pagar o benefício ilegal de quase R$ 5 mil por mês a todo juiz. Livre de impostos. A torpeza corporativa retorceu a letra da lei para afirmar que a prática estava dentro da legalidade.

Consolidada dias atrás a vitória do aumento, o presidente do STF foi sincero: “Agora poderemos enfrentar o problema do auxílio-moradia”. Prometeu conversar com o ministro relator que, por mais de quatro anos, impediu o plenário do tribunal de decidir a respeito. Vamos acompanhar quanto tempo o tribunal precisará para cumprir a promessa. Não se anime, pois, o diabo mora nas finanças: o gasto anual com auxílio-moradia é de R$ 1,5 bilhão; o impacto orçamentário do aumento salarial se aproxima dos R$ 5 bilhões. Não se assuste ainda, pois associações de juízes demandam a volta do adicional por tempo de serviço e ameaçam convocar greve. A sociologia dá nome para essa prática, e esse nome leva multidões às ruas para derrubar presidentes.

Temos urgência por um Judiciário democrático, mas contra ele luta a magistocracia. A magistocracia é a fração da magistratura que hegemoniza a cultura e arquitetura judiciais e exibe cinco vocações: é autoritária (pois viola direitos), autocrática (pois patrulha juízes ideologicamente), autárquica (pois se isenta de controle e prestação de contas), rentista (dispensa explicações) e dinástica (porque quer incluir a família no baile).

Como disse a juíza Susanne Baer, do Tribunal Constitucional Alemão, em palestra na Faculdade de Direito da USP, Cortes “devem ser desenhadas para a diversidade” e assim representar os pontos de vista de uma sociedade plural. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou semanas atrás o Perfil sociodemográfico dos magistrados brasileiros, que quantifica os padrões demográficos, sociais e profissionais da corporação. Uma radiografia não surpreendente: a magistratura é também predominantemente branca (80,3%), masculina (mulheres correspondem a 38%, desembargadoras a 23%) e oriunda de estratos sociais privilegiados (mais da metade tem pai ou mãe com diploma universitário).

O relatório é valioso por dar números ao que o senso comum intui e oferecer um diagnóstico a partir do qual reformas podem ser imaginadas. O retrato é indispensável, mas ainda insuficiente. Democratizar o judiciário passa por enfrentar a magistocracia e, entre outras coisas, pelo reconhecimento de que há privilégios injustificáveis e que privilégios não são direitos fundamentais, mesmo quando embrulhados para presente nessa nobre linguagem.

A liderança poderia vir do STF e do CNJ, mas precisam ter coragem de se emancipar dos laços magistocráticos. Se o príncipe da magistocracia, o juiz Sergio Moro, que assume seu primeiro cargo político depois das férias, recebeu gratuitamente da sociedade brasileira o manto da infalibilidade, os barões da magistocracia alcançaram o inverso: entre obstruções, arquivamentos e prescrições, após anos de desgoverno institucional e de soberba individual, o mais generoso sentimento que ministros do STF despertam tem sido a desconfiança. Para se fazer respeitar nesta nova era que se inicia, em que nossas liberdades estão sob a mais aguda ameaça dos últimos 30 anos, resta-lhes rejuntar os cacos da autoridade moral perdida. Precisam parar de bailar.

Conrado Hübner Mendes é doutor em Direito e Professor da USP.




terça-feira, 13 de novembro de 2018

Quem acredita no PT paz e amor?



Por Mario Vitor Rodrigues, 11/10/2018, 
www.istoé.com.br

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Enquanto preparo esse texto, o ziriguidum do momento fala na composição de uma “frente democrática” para impedir a vitória de Jair Bolsonaro. A ideia é a de juntar no mesmo palanque candidatos derrotados do naipe de Ciro Gomes, Marina Silva e Geraldo Alckmin. As conversas, costuradas por Jaques Wagner, incluem até mesmo Fernando Henrique Cardoso.

Do ponto de vista de quem precisa reverter quase dezoito milhões de votos em três semanas, sem dúvida se trata de uma estratégia interessante. A alarmante postura do adversário e de seus seguidores justifica com sobras o discurso de que a democracia corre perigo. A união de forças que tornem o espectro de uma candidatura mais plural também é alvissareira. Todas são iniciativas que teriam grandes chances de funcionar, não fossem capitaneadas justamente pelo PT.

A verdade é que se o Brasil se vê em um beco sem saída, e se o eleitor moderado encontra dificuldades para assumir uma posição diante de um embate tão polarizado, a culpa é mesmo do Partido dos Trabalhadores.

Não é razoável nutrir confiança por petistas graúdos que passaram anos achincalhando, sem dó, quem fosse contrário ao seu projeto de poder. Foram anos, insisto, rotulando adversários políticos e até mesmo eleitores de “fascistas”, “golpistas”, “coxinhas” e “elite branca”. Anos adotando discursos que, se não impressionam tanto quanto o de Bolsonaro pela crueza, igualmente causam espécie pelo viés autoritário, com destaque para o apoio formal à ditadura venezuelana.

Como levar fé, então, na ingenuidade dessa tentativa em formar um bloco a favor da democracia? Acima de tudo, como é possível acreditar que Lula, Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e grande elenco estão arrependidos de tantos desmandos, de tanta corrupção e de tantos posicionamentos implacáveis no que diz respeito ao enfrentamento democrático, se até hoje foram incapazes de dar um mísero passo atrás?

Desconfio bastante de quem enxerga uma nesga que seja de normalidade democrática na fala de Jair Bolsonaro. O seu discurso, assim como o de seus filhos e o do seu vice, me assusta e deveria assustar qualquer um que preze por valores bem acima da disputa eleitoral.

Contudo, e arde dizer isso, esse não é um problema meu. Cabe ao PT, e somente ao PT, refazer o caminho que trilhou até hoje. É assim na vida. Confiança a gente demora a construir, mas perde rápido. E, convenhamos, no caso do PT, até demorou.

Confiança a gente demora a construir, mas perde rápido.
E, convenhamos, no caso do PT, até demorou