Por Paulo Moreira Leite, www.istoe.com.br.
Se o futuro aguarda por outros
desafios da Ação Penal 470, o presente oferece bons motivos para comemorar. Há
novo oxigênio em Brasília
Aprovada por 6 votos a 5, a
aceitação dos embargos infringentes para 12 réus da ação penal 470 trará os
benefícios saudáveis de uma vitória da democracia. Ninguém sabe, agora, como o
STF irá examinar os pleitos de cada um dos condenados nem quantos poderão
receber benefícios que podem ser considerados legais.
Mas o debate sobre os embargos
não era uma decisão corriqueira do tribunal. Continha um risco político que não
pode ser desprezado.
A simples hipótese do Supremo se
recusar a aplicar um direito legal garantido pelo Congresso em deliberação de
1998 iria criar uma situação esdrúxula. Num país onde a Constituição reserva
aos parlamentares o direito de elaborar as leis, e à Justiça a missão de
aplicar o que os legisladores aprovaram, teríamos um Supremo capaz de se considerar
no direito de seguir essa regra apenas quando optasse por fazer isso. Em outras
ocasiões, se dedicariam a reelaborar os ordenamentos do país, mesmo sem dispor
de mandato popular para tanto.
O nome disso nem é mais
judicialização. Equivaleria a uma agressão direta à democracia, capaz de criar
uma situação instável e perigosa, ainda que pudesse ter aparência de
normalidade porque resolvida por senhores de togas negras, senhos franzidos e
linguagem que nem todo mundo entende.
O último voto foi dado pelo
ministro Celso de Mello e é preocupante que o saldo final tenha sido marcado
por uma diferença tão estreita. Assuntos mais polêmicos, que tinham menos
impacto direito como as garantias fundamentais, e que geravam compreensível
polêmica em vários setores da vida social, como cotas raciais e as uniões
homoafetivas, foram aprovadas por unanimidade.
Até o último dia, era possível
ler apelos nos meios de comunicação para que o ministro ignorasse a legislação
em vigor. Confundindo a realidade com seus desejos, colunistas ameaçavam com
“as ruas” e “o monstro.” Nem os cidadãos foram mobilizados. Nem o ministro
ficou acovardado, como se pretendia.
Como o próprio Celso de Mello fez
questão de demonstrar, nenhum dos argumentos levantados contra os embargos
poderia sobreviver a uma análise serena e consistente. Ele respondeu à tese da
“multidão” ao lembrar que a imparcialidade, a isenção e independência de um
juiz dependem de sua capacidade para distanciar-se dessas pressões para tomar
decisões de acordo com sua consciência e suas convicções, exclusivamente. A
tese de que havia um vazio jurídico perdeu sentido quando se verificou que o
assunto fora debatido e resolvido pelo Congresso há mais de uma década e nunca
mais se falou disso. A visão de que os embargos seriam uma porta aberta para a
impunidade dos condenados comprovou-se puro absurdo. O ministro recordou que os
condenados não terão direito a um segundo grau de jurisdição – garantia
elementar não só das leis brasileiras, mas também da jurisprudência da Corte de
Costa Rica, à qual nossa Constituição está subordinada, por decisão do próprio
Congresso Nacional.
Numa intervenção precisa, em que
se dirigiu de forma explícita ou implícita a cada um de seus adversários,
naquele tom de quem tem autoridade para olhar no olho de cada integrante do
plenário, Celso de Mello foi simples e profundo quando recordou: “Nada se perde
quando se respeitam e se cumprem as leis da Constituição da República”.
O país perderia muito caso o dia
tivesse terminado com um ato de desrespeito à democracia. Se o futuro aguarda
por outros desafios da Ação Penal 470, o presente oferece bons motivos para
comemorar. Há novo oxigênio em Brasília.
Comentários:
Gildo Araújo, em 22/09/2013.
Segundo
Eloisa Machado, professora de Direito da GV, não é possível conciliar direito
de recorrer com foro privilegiado, "O foro privilegiado não se harmoniza
com o direito de recorrer: ou se acaba com o foro privilegiado ou com o direito
de recorrer para quem o tem". Simples assim.