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terça-feira, 30 de maio de 2017

A BARBÁRIE ENTRE NÓS



Por Rogério Mendelski, 27/02/2013,
 www.correiodopovo.com.br

Não sei se é correto dizer que a barbárie é filha da impunidade, pois barbárie sempre é um sinal de regressão comportamental, mas aplicada a nós, nos dias de hoje, o parentesco com a impunidade vigente é inevitável.
Há quem diga com humor ferino que se o Brasil continuar do jeito que está; nas três ou quatro próximas eleições iremos eleger bugios como nossos representantes parlamentares.
Na verdade, o que ocorreu nesta semana na frente do Mercado Público com a morte de um morador de rua a golpes de socos, chutes e culminando com o esfacelamento da cabeça da vítima, revela o parentesco da barbárie com a impunidade.
Basta que se busque o motivo da violência inominável contra o morador de rua. Ele acabara de assaltar um dos linchadores que pediu socorro a outras pessoas nas proximidades.
O grupo que assassinou o morador de rua poderia tê-lo imobilizado e chamado a polícia para prendê-lo. É aí, nesse quadro (não é diferente do que ocorre todos os dias na nossa cidade) que a impunidade se apresenta com seu sorriso maroto, como a serpente tentando Adão no paraíso, sugerindo “por que não apagar esse bandido?”
Quem pode garantir que o assaltado, no calor de seu ódio, não teve alguns segundos de projeção de cenas que mostram assaltantes permanecendo por um tempo menor na delegacia do que suas vítimas que foram registrar a ocorrência?
Quem já foi vítima dessa impunidade legal esquece que só a lei pode punir o crime e a isso se chama de justiça e nada pode estar acima da lei. Mas que lei é essa que estabelece a diferença maior entre povos civilizados e povos em busca de civilidade?
Nas civilizações mais adiantadas, os bandidos, os assassinos, os ladrões do dinheiro público, os pedófilos, os estupradores vão para a cadeia. Nós, contemporâneos da barbárie nacional, na maioria das vezes elegemos os nossos bandidos para nos representar nos parlamentos e em outros cargos importantes.
E assim como “não dá em nada roubar e ser bandido no Brasil,” será que os assassinos do pobre morador de rua não agiram baseados nessa lógica perversa? Confiantes numa impunidade que também poderia ser estendida a eles?
No Mercado Público tivemos um linchamento que é apenas o crime de justiça com as próprias mãos, ou ainda, justiça desprovida de inteligência, ou brutalidade e barbárie. O velho oeste começa a se projetar em nós, não como um filme, mas como um sinal de embrutecimento da sociedade que já está cansada de tanta impunidade.


 “Quanto àquele “filho” (Gil Rugai) que matou o pai e a madrasta, foi condenado com mais de trinta anos de cadeia e saiu livre do Tribunal do Júri, vamos colocar os pingos nos is. Ele saiu livre, afrontando o Tribunal do Júri e rindo moralmente da sociedade, porque o juiz não quis prendê-lo. A condenação pelo Tribunal do Júri constituía fato novo superveniente à liminar do STF. E fato relevantíssimo, pois só é possível desconstituir a decisão dos jurados se houve alguma nulidade, o que não foi alegado, ou se ela foi proferida manifestamente contra a prova dos autos, o que é muito difícil acontecer”.


“Recorrer em liberdade de decisão do Tribunal do Júri não é direito do réu, mas faculdade que o juiz, interpretando a lei a favor do réu lhe confere. Fui juiz criminal e fiz dezenas e dezenas de júris. Todos os réus condenados saíram presos e algemados. É hora de a sociedade acordar para essas interpretações do Judiciário boazinhas com a bandidagem.”

Com a exceção dos títulos dos dois tópicos acima, os textos sobre o tratamento que a bandidagem deve ter por parte do Poder Judiciário são de autoria do desembargador Irineu Mariani, do nosso Tribunal de Justiça.  Se o desembargador Mariani vivesse no século 18 estaria atuando na defesa do moleiro de Sans-Souci, na corte judicial de Berlim.

domingo, 28 de maio de 2017

Uma elite sem caráter



Por Marco Antonio Villa, 10/02/2017,
 www.istoé.com.br

Lula é um homem sem caráter. Aproveitou o velório da esposa para discursar. Transformou o ato em comício. O que era da esfera privada – a morte da esposa – foi utilizado por ele para fazer política. E fazer política no sentido mais baixo da expressão. Não respeitou o sofrimento da esposa. Pelo contrário. Viu na doença e morte de dona Marisa a possibilidade de atacar a Lava Jato e transformar as graves acusações de corrupção que pesam sobre ele em motivos que levaram ao falecimento da esposa. Pura falácia. Ele sabe. Mas Lula tem por princípio não ter princípio.

O “comandante máximo da organização criminosa”, no dizer do Ministério Público Federal sobre o seu papel no petrolão, não é caso único na política brasileira contemporânea. Triste política, vale ressaltar. Não ter caráter, não ter princípios, virou qualidade, símbolo de esperteza. Lula é somente um deles. E a agonia e morte de dona Marisa serviram para reforçar esse comportamento. Velhos adversários foram procurá-lo e trocaram juras de amizade. Como se a troca de críticas e ofensas no passado tão recente fossem só para enganar os cidadãos, uma obrigação de ofício, sem nenhuma convicção do que escreveram ou falaram. Foi pura hipocrisia – no sentido mais lato da expressão.

Lula é apenas um exemplo dessa hipocrisia. Representa o que há de pior, é verdade. Bom seria se fosse o único. Mas não é

A elite política – com raríssimas exceções – não tem caráter, não tem pudor, não tem princípios. Faz política como negócio. Eventualmente incorpora alguma demanda popular, mas sempre para tirar algum proveito. São farsantes convictos. Ficam incomodados quando vigiados. E quando são atingidos pela ação – sempre tímida – do Estado democrático de Direito, reagem e buscam a proteção da estrutura político-jurídica que blinda a elite, criando inúmeros obstáculos para a aplicação da lei. Há um confronto entre a elite e o povo. Os poderosos divergem, atacam, criticam, mas todos fazem parte de um mesmo clube. Sabem que podem – em caso extremo – contar com a solidariedade dos seus, como numa sociedade de celerados. Acreditam que o comportamento político macunaímico é a forma de fazer política – quando não é. Política é o terreno da disputa ideológica, de princípios, de visões de mundo, tudo que a “nossa” elite não gosta e não pratica.

Lula é apenas um exemplo dessa hipocrisia. Representa o que há de pior, é verdade. Bom seria se fosse o único. Mas não é.

sábado, 27 de maio de 2017

“Se morrer faz parte”



Os golpes contra o eleitor e o contribuinte mostram o pânico que se abateu sobre a classe política

Por Ruth de Aquino, 17/03/2017,


A frase lapidar é de Romero Jucá, um dos homens fortes do governo Temer, aquele que queria “estancar a sangria da Lava Jato”. Foi uma reação à “lista de Janot”, o procurador-geral da República que pediu ao Supremo Tribunal Federal a abertura de 83 inquéritos. A lista atinge cinco ministros do governo, o Legislativo e ex-presidentes. “Estamos na guerra”, disse Jucá, o Congresso “não pode ficar paralisado, tremendo”. 

Nessa guerra, não são os políticos que costumam morrer – embora alguns estejam presos. Eles dão crias, ressuscitam, fazem conchavos, comem, riem e bebem juntos, criam leis para obrigar você a pagar a campanha deles. Criam leis para aumentar sua própria remuneração. Criam leis para manter seus privilégios. Criam leis para aumentar impostos e cobrir assim os rombos milionários no Orçamento, derivados de roubos e incompetência na gestão deles. Criam cargos para adular o amigo influente.

Não passarão. Os golpes ensaiados contra o eleitor e o contribuinte demonstram o pânico que se abateu sobre nossa classe política. Aí vai uma lista, mais uma.

A auto-anistia.

Como os políticos ainda acreditam conseguir aprovar uma lei que os anistie de crimes delatados na Lava Jato? No aniversário de três anos da operação, “falar em anistia é um suicídio coletivo do Congresso, seria um desastre”, afirmou o deputado do PMDB Jarbas Vasconcelos, de 74 anos. “A auto-anistia é absolutamente inconstitucional”, afirmou o procurador regional da República Douglas Fischer. Ninguém pode anistiar a si mesmo.

O caixa dois inocente.

O ministro do Supremo Gilmar Mendes afirmou: “Temos o caixa dois que é defeituoso do ponto de vista jurídico, mas nada tem de corrupção”. Dois outros luminares da Justiça discordam. O ex-presidente do STF Ayres Britto declarou: “Caixa dois é um atentado à Constituição. Uma desfaçatez”. A atual presidente do STF, Cármen Lúcia, afirmou: “Caixa dois é crime, é uma agressão à sociedade brasileira”. A população está paralisada e tremendo, à espera de uma definição que pode melar as investigações de propina.

O “Fundão” partidário.

Sem financiamento de empresas, proibido pelo Supremo há dois anos, e com dificuldade óbvia para recorrer ao caixa dois, os políticos pensaram, pensaram, pensaram. E decidiram. A melhor fórmula para financiar suas campanhas é aumentar o Fundo Partidário, que já foi aumentado de R$ 300 milhões para R$ 800 milhões. Gilmar Mendes, na qualidade de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, revelou que apenas as campanhas para deputado federal em 2014 consumiram, oficialmente, R$ 5 bilhões (sem medir o caixa dois, claro). Repetindo: só deputado federal. Repetindo: R$ 5 bilhões. O Brasil é um país rico. O que você acha de aumentar a verba pública, a vaquinha para os candidatos? O eleitor está paralisado e está tremendo.

A lista fechada de candidatos.

Sob o argumento oficial de fortalecer os partidos e reduzir o personalismo, os parlamentares ensaiam um golpe à autonomia e ao livre-arbítrio do eleitor. Querem alterar regras eleitorais para ressuscitar o voto em lista fechada e, dessa forma, não só conseguir o dinheiro direto para o Partido, mas também esconder os delatados pela Lava Jato. Lista fechada, na prática, funciona assim: o eleitor só tem como opção votar numa lista de candidatos a senador, deputado e vereador previamente armada pela direção de cada partido. Assim, você não vota mais no seu candidato, mas numa lista do partido. A mudança nas regras precisa ser regulamentada até setembro. Câmara e Senado estão correndo. E nós estamos paralisados e tremendo.

A alta de impostos.

Não adianta mostrar por A + B que o Brasil é um dos países com maior carga tributária no mundo. Prefeitos, governadores e presidentes sabem onde pegar dinheiro para saldar suas dívidas ou disfarçar a incompetência na gestão. A União tem um rombo de R$ 65 bilhões no Orçamento. Como a União, devido ao voto do Supremo, deixará de arrecadar o dinheiro do ICMS e pode vir a perder também o do ISS, os economistas do Planalto já fazem contas para elevar alíquotas de outros impostos. Não se fala em cortar despesas nunca. De onde tirar dinheiro para pagar mais impostos? O contribuinte está paralisado e está tremendo.

E é por isso – não só pelo conteúdo impopular – que a reforma da Previdência leva multidões às ruas. Não se dá crédito a uma casta com tantos crimes nas costas e tantos privilégios fiscais e vitalícios. Manifestos e manifestações já exigiram redução de 81 senadores para 54 e de 513 deputados para 386. Um projeto sem chance de ir a plenário, mesmo com nome, sobrenome e endereço do autor.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Um ministro republicano



Por Marco Antonio Villa, 27/01/2017,
 www.istoé.com.br

O STF foi uma criação da República. Desde seus primeiros tempos não esteve sintonizado com a cidadania. Foi um instrumento do Estado contra a sociedade civil. Na República Velha silenciou frente às arbitrariedades do florianismo. Basta recordar as violações aos direitos humanos cometidas no sul do País durante a Revolução Federalista. Os que recorreram ao STF em busca de proteção constitucional receberam o silêncio como resposta. Líderes operários deportados no início do século XX também não encontraram no tribunal qualquer forma de guarida.

Veio a Revolução de 1930 – que cassou diversos ministros do STF – e o tribunal manteve a sua triste sina. Fechou os olhos frente à barbárie do Estado Novo que, na prática, começou em 1935 após a derrota da rebelião comunista de novembro. Milhares de presos sem processos, torturas, assassinatos, e o STF não deu nem um pio. Foi obediente frente à ditadura mais sanguinária da nossa história.

Com a redemocratização de 1945 esperava-se um tribunal mais atuante em defesa da Constituição – recordando que, em 1946, foi promulgada a Carta Magna mais avançada da nossa história até aquele momento. Ledo engano. Continuou a marcha de servilismo. Quando acionado, como na crise de novembro de 1955, se omitiu.

O STF foi uma criação da República, mas desde seus primeiros tempos não esteve sintonizado com a cidadania

Durante boa parte do regime militar, o STF foi amestrado pelo Executivo. A exceção foi a crise que levou ao Ato Institucional nº5. No início de 1969 três ministros foram cassados (Victor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva e Hermes Lima). Dois acabaram se aposentando em protesto e os outros ficaram obedientemente servindo o regime – vale lembrar que tinha sido ampliado o número de ministros para dezesseis, o que permitiu ao governo ter o controle da Corte. As trágicas violações aos direitos humanos no período foram ignoradas pelo STF. Nada disse também contra a absurda Emenda Constitucional nº 1, de 1969.

Veio a Constituição de 1988. O STF teve amplas garantias para o exercício das suas atribuições, como nunca na nossa história. Mas nada mudou. Boas partes dos ministros que lá chegaram não estavam à altura da importância do cargo. Méritos? Nada disso. A maioria alcançou o posto pelo caminho da política – no pior sentido da expressão – e não do saber jurídico. Agora, Michel Temer tem a oportunidade de designar um ministro comprometido com os valores republicanos. Terá coragem para fazê-lo?