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quinta-feira, 18 de abril de 2019

O fosso que nos separa da boa educação


Por Carlos José Marques. 12/04/2019,
 www.isoé.com.br
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VIVIANE E VÉLEZ. Ele deveria ter aprendido com ela o que fazer na educação

São abissais as diferenças entre o que se pode chamar de gestão técnica e ideológica no campo nevrálgico da Educação. E ainda mais deletérios são os efeitos que esse ensino doutrinário, dirigido e obscurantista pode causar sobre a formação de nossos jovens. A experiência negativa está posta. Em menos de 100 dias de gestão, o MEC foi tomado pelo caos, com o risco de alienação completa dos corpos docente e discente das instituições públicas em especial. O Brasil assistiu ao descalabro do agora ex-ministro Ricardo Vélez Rodriguez com o seu despreparo administrativo e quase nenhum conhecimento de causa para tocar uma área tão complexa. O que lhe faltava em tarimba e bom senso sobrava em trapalhadas e aberrações verbais — para não dizer ignorância, no sentido mais literal da palavra. O colombiano de nascimento Vélez, que mal e parcamente fala o português e que tachou os brasileiros de “canibais” por roubarem hotéis e aviões (na sua concepção), é o mesmo que desejava mudar o entendimento do golpe militar nas apostilas escolares e que chegou a exigir a filmagem de alunos perfilados entoando, no primeiro dia de ano letivo, o lema de campanha do chefe Bolsonaro — “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” —, em uma clara e ilegal invasão de privacidade dos jovens para fins abjetos de propaganda política. Ainda bem que foi desautorizado ao menos nessa patacoada. O sainte notabilizou-se por demissões em série (14 auxiliares diretos banidos em 27 dias), desorganização das repartições de aprendizado e paralisia do esquema de distribuição de material didático, repasse de verbas e estruturação de equipes. Desgovernou tudo e levou o MEC ao quase colapso em tempo recorde. Restaram disputas intestinas de grupos rivais: os “olavistas”, de assessores despreparados vinculados ao guru oficial Olavo de Carvalho, radicado na Virgínia (EUA), contra os militares. Ideias fundamentalistas converteram-se em padrão de referência em ambas as direções. As duas correntes estão motivadas a aparelhar o sistema de maneira lamentável. Intrigas, discussões e brigas desses guerreiros culturais, que formam alas da modelação ideológica bolsonarista, podem desembocar numa perigosa partidarização ética do ensino. Será um retrocesso sem precedentes. Não é possível que prevaleça no setor o intento dessas falanges de arrivistas. Precisamos passar uma borracha nos erros de orientação pedagógica. O que se observou nos últimos tempos com a pavorosa temporada do demitido Vélez encontra, no extremo oposto, uma experiência extraordinariamente bem-sucedida (e que deveria servir de modelo) no trabalho daquela que é talvez a mais aguerrida defensora da educação de qualidade no Brasil, Viviane Senna, à frente do Instituto Ayrton Senna – uma ONG que desde o nascedouro vem apresentando resultados promissores no resgate de jovens em todos os níveis do ensino. Há de se perguntar por que as autoridades competentes não se miram, e até copiam, o exemplo louvável do Instituto? Justamente no dia que Vélez ficou sabendo que levaria o bilhete azul, na sexta-feira 5, ele e Viviane — por uma dessas coincidências da vida — estiveram juntos em um seminário voltado para empresários no qual foi possível notar, pelas falas subsequentes de ambos, a distância de patrimônio intelectual e bagagem de ensino que carregavam. Viviane, em sua apresentação àquela plateia de empreendedores, deu um diagnóstico preciso. Mostrou que o Brasil tem 50 milhões de alunos no sistema – uma Espanha de crianças só na escola. Nesse universo, apenas cinco em cada dez concluem o ensino médio, levando o País a perder metade do seu potencial de formação pelo caminho do ciclo básico. Dos que chegam lá, e concluem essa fase, apenas três sabem se expressar na língua portuguesa e apenas um domina a matemática como deveriam. Em outras palavras: para 90% dos jovens brasileiros o modelo preconizado pelo MEC não funciona. E não é por falta de recursos. Ao contrário. O País gasta hoje R$ 1 bilhão a cada dia na área, incluindo sábados e domingos, ou algo próximo a 6% do PIB nacional. Em Educação investimos muito (mais do dobro da Saúde) e entregamos pouco. Há tempo é assim. O custo econômico e de produtividade — uma vez que esses futuros profissionais saem despreparados da banca escolar para o trabalho — é imensurável. Como alerta Viviane, não se consegue transformar investimento em produtividade: há 30 anos o nível de produtividade brasileira segue mais ou menos nos mesmos patamares, muito embora a linha do tempo dos jovens na escola tenha sido significativamente ampliada. É necessária uma mudança gigante e Viviane tinha encaminhado ao presidente Bolsonaro, desde a sua posse, uma trilha com quatro sugestões baseadas em dados científicos para se alcançar esse objetivo. Quais sejam: maior concentração de esforços na alfabetização, investimento no professor (responsável por 70% do aprendizado), gestão eficaz e políticas públicas voltadas para o aprimoramento técnico. É bom nesse aspecto distinguir os modismos de ensino ou conveniências partidárias do que realmente se entende como qualificação da base didática. As mudanças movidas a convicções ideológicas tendem a naufragar. Para efeito comparativo à exposição de Viviane, é curioso observar o que Vélez tem a dizer a respeito. Dirigindo-se a mesma plateia, para o estupor da maioria, ele tirou do bolso e leu um discurso pré-elaborado, repleto de platitudes sobre a missão da sociedade, e concluiu com promessas burocráticas de abertura de uma secretaria especial de alfabetização para tratar das carências — leia-se, novo cabide de empregos. Não entendeu mesmo nada. Estava ali, de maneira cristalina, a distância que nos separa de um bom gestor para o MEC. Velez caiu, mas o novo titular da pasta, Abraham Weintraub, não parece ter um tino muito diferente do dele. Compartilha da matriz de pensamento do antecessor, embora se mostre menos caricato. Economista por formação, com experiência na área financeira, egresso da equipe do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, não é definitivamente do ramo. Weintraub chegou a declarar tempos atrás que os “comunistas” estão no topo das organizações financeiras, no comando da mídia e das grandes empresas. Por essa reflexão enviesada ele inventou uma jabuticaba: banqueiros e empreendedores adeptos do marxismo cultural. Uma contradição em si. O apostolado teórico que impõe princípios radicais, conservadores e repletos de preconceitos, avança como um mal que pode corroer os sustentáculos da educação moderna. Não é evangelizando hordas de estudantes que se trilha um caminho virtuoso nesse campo. A catequização pretendida por Bolsonaro, que chegou a declarar na semana passada que os jovens não podem ficar aprendendo política no colégio, vai contra os princípios basilares da democracia. Como irão votar direito essas futuras gerações caso pautem seu aprendizado única e exclusivamente pela cartilha de crenças pessoais do mandatário, em muitos aspectos distantes da realidade? Educar não é doutrinar.


OS CRIMES DE CAIXA DOIS NA JUSTIÇA COMUM


Entre requerimentos e projetos de lei, Moro e a PGR - estrelas da Lava Jato -  tentam evitar que as investigações parem na Justiça Eleitoral


Por Machado da Costa, 26/03/2019, 
www.época.com.br


Sergio Moro defende a mudança na lei para levar de volta à Justiça comum todos os crimes de caixa dois

Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de mandar os processos envolvendo crimes de caixa dois relacionados a campanhas políticas para a Justiça Eleitoral, membros do governo ligados à Operação Lava Jato trabalham nas possíveis manobras para impedir que isso aconteça na prática. Primeiramente, Raquel Dodge pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que juízes federais possam atuar nas varas eleitorais. Agora, o ministro da Justiça, Sergio Moro, defende a mudança na lei para levar de volta à Justiça comum todos os crimes de caixa dois. A proposta já consta no pacote anticrime, encaminhado à Câmara. 

Na segunda-feira, Dodge entregou um requerimento que pode driblar a decisão do STF. Caso o TSE aceite, os juízes federais poderiam ser requisitados para assumir os processos, em vez dos juízes estaduais, como é a prática do Judiciário em crimes eleitorais. Essa mudança de jurisdição permite que o mesmo Ministério Público — o federal — continue no caso, em vez de entregar para os MPs estaduais. Ou seja, um caso relacionado à Lava Jato continuaria sendo investigado pela força-tarefa.  

A medida, no entanto, já está sendo questionada. Alguns especialistas a consideram inconstitucional. Paula Salgado Brasil, professora de Direito Constitucional da Escola de Direito do Brasil (EDB), entende que Dodge deseja fazer uma ampla reestruturação na Justiça Eleitoral que “não é tão simples nem tão singela quanto parece”. 

“O Ministério Público Federal tinha a expectativa de que o entendimento do STF fosse alterado e que se privilegiasse o processamento dos crimes comuns [ocorridos em eleições] em separado dos crimes eleitorais”, diz Brasil. “O STF realizou um julgamento técnico, entendendo que esses crimes comuns são conexos com os crimes eleitorais. Assim, devem permanecer com os juízes eleitorais — os estaduais.”

Marilda Silveira, especialista em Direito Eleitoral e professora da Escola de Direito do Brasil, concorda e cita decisões administrativas que corroboram a jurisprudência dos juízes estaduais. “A pretensão de atribuir competência eleitoral aos juízes federais não é nova e já foi enfrentada pelo TSE em algumas oportunidades”, diz.

Silveira cita a Petição 33.275, de 2011, julgada pelo STF. Nela, o plenário determina que os juízes federais não deverão atuar na Justiça Eleitoral até outro julgamento pela Corte. “O TSE sempre entendeu que juízes de Direito são juízes estaduais e que, portanto, seriam os competentes para exercer as funções de juízes eleitorais na primeira instância da Justiça Eleitoral.” 

Requerimento feito por Raquel Dodge, para que juízes federais julguem crimes de Caixa 2 na primeira instância, é considerado inconstitucional por especialistas.

A polêmica aumenta ao se perceber que a Justiça Eleitoral não possui estrutura no momento para investigar casos tão complexos de corrupção. Não à toa, o juiz da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, fez questão de apontar no mandado de prisão contra o ex-presidente Michel Temer que a denúncia — propina paga por meio de caixa dois na campanha de 2014 — não se tratava de um delito eleitoral.  

O Globo mostrou que a Justiça e o Ministério Público Eleitoral ainda planejam se fortalecer diante da decisão do STF, uma vez que o suporte de pessoal é fundamental para o sucesso das investigações. No Rio de Janeiro, por exemplo, a força-tarefa da Lava Jato conta com 11 procuradores e quase 40 assessores. Em Curitiba, há 15 procuradores, 11 policiais federais e 30 assessores, quase todos exclusivos da Lava Jato. 

Em contraponto, na capital paranaense, a promotoria eleitoral da maior zona da cidade possui apenas quatro servidores concursados, além de um estagiário e dois outros funcionários. No Rio, cada promotor conta com um assessor e poucos servidores. 

SAÍDA PELO SENADO 

Com o pacote anticrime travado na Câmara, uma vez que o presidente da Casa, Rodrigo Maia, não aceita levá-lo à frente antes da proposta da nova Previdência, o ministro Moro recebeu uma dica útil: tramitá-lo pelo Senado. Quem levou a sugestão ao ex-juiz foi a senadora Eliziane Gama (PPS-MA), segundo o jornal O Estado de S. Paulo . Assim, Moro poderia monopolizar o debate no Senado, enquanto que a Previdência é discutida na Câmara. 

Moro tem pressa para que saia do papel seu pacote. Um dos motivos é que o projeto estabelece a competência da Justiça comum para todos os crimes de caixa dois. “Como foi interpretação legislativa, o que se pode fazer é tentar mudar via legislativa. No âmbito do projeto anticrime, nós temos um projeto, o PLP 38/2019, que pode ser apreciado”, disse em entrevista à rádio  Bandnews , nesta terça-feira, 26.  

De quebra, ele se livraria do imbróglio com Maia e tiraria o bode da sala que causa tanto estresse nas discussões do Executivo com o presidente da Câmara.