Por Reinaldo Azevedo, 27/10/2014,
www.veja.com.br.
Dilma Rousseff, do PT, que vai fazer 67
anos no dia 14 de dezembro próximo, reelegeu-se presidente da República. Com a
apuração concluída, ela conquistou 51,64% dos votos, contra 48,36% de seu
oponente, Aécio Neves, do PSDB. Em números absolutos: 54.501.118 contra
51.041.155, uma diferença de 3.459.963. Dilma conquista o segundo mandato de
forma legítima, segundo as regras do jogo, mas é importante destacar um aspecto
importante. O eleitorado brasileiro é composto, neste 2014, de 142.821.348
pessoas. Logo, ela foi eleita por apenas 38% dos eleitores. Votaram em branco
1.921.819 pessoas (1,71%), e preferiram anular outros 5.219.787 (4,63%). Ocorre
que um contingente gigantesco de 30.137.479 (21,1% do total) preferiu não
comparecer às urnas. Vale dizer: 37.279.085 pessoas — quase a população da
Argentina — preferiu não votar em ninguém. Estamos falando de mais de um quarto
do eleitorado: 27,44%. E assim é com o absurdo instituto do voto
obrigatório. Um presidente é ungido, note-se, com o voto da minoria do
eleitorado. Parece-me que um dos deveres de Dilma é tentar atrair a adesão
daqueles que preferiram outro caminho. E é nesse ponto que as coisas podem se
complicar para ela.
Vamos
ser claros? O PT não se caracteriza exatamente por fazer campanhas limpas.
Gosta de dossiês e de montar bunkers para destruir reputações; adere com
impressionante presteza às práticas mais odientas da política; transforma
adversários em inimigos; não distingue a divergência legítima da sabotagem e o
oponente de um alvo a ser destruído; julga-se dotado de um exclusivismo moral
que lhe confere o suposto direito de enlamear a vida das pessoas. Não foi
diferente desta vez. Ou foi: a violência retórica e as agressões assumiram
proporções inéditas. Nunca se viram tanta baixaria, tanta sordidez e tanta
mentira numa campanha.
Vejam
de novo o placar: Dilma venceu Aécio por uma pequena diferença. Quantos desses
votos são a expressão do terror, do medo, do clientelismo mais nefasto? Não!
Não se trata, é evidente, de tachar os eleitores de Dilma de “desinformados” —
até porque, felizmente, a democracia ainda não inventou um mecanismo que
distinga os “bons” dos “maus” votos. Mas é preciso ser um pilantra para ignorar
que pessoas economicamente vulneráveis, que estão à mercê do Bolsa Família,
acabam decidindo não exatamente com menos informação, mas com menos liberdade.
Multiplicaram-se
aos milhares as denúncias de chantagens aplicadas contra as pessoas que recebem
benefícios sociais do Estado brasileiro. Cadastrados do Bolsa Família e do
Minha Casa Minha Vida passaram a receber torpedos e a ser bombardeados com
panfletos afirmando que Aécio extinguiria os programas, como se estes
pertencessem ao PT, não ao Brasil. De própria voz, Dilma chamou os tucanos de
inimigos do salário mínimo — que teve ganho real acima de 85% no governo FHC,
superior, proporcionalmente, aos reajustes concedidos pela própria presidente
reeleita. E daí? As mentiras sobre o passado foram constrangedoras: FHC teria
entregado o país com uma inflação maior do que a que recebeu; tucanos teriam
proibido a construção de escolas técnicas; o governo peessedebista teria sido
socialmente perverso… E vai por aí. Sobre o futuro do Brasil, não disse uma
miserável palavra a não ser um daqueles miraculosos programas — agora é a vez
do “Mais Especialidades”…
Quantos
dos 3.459.963 votos que Dilma obteve a mais do que Aécio se consolidaram
justamente no terror? Ora, esbarrei em São Paulo com peças verdadeiramente
sórdidas de agressão à honra pessoal do tucano. Estatais foram usadas de
maneira vergonhosa na eleição, como se viu no caso dos Correios. Em unidades de
bancos públicos, como CEF e BB, houve farta distribuição de panfletos contra o
candidato do PSDB.
É
claro que o medo, ainda que por margem estreita, venceu a esperança. Dilma
assumirá o novo mandato, no dia 1º de janeiro, com boa parte dos brasileiros
sentindo certo fastio de seu governo. Pior: o país parou de crescer, os juros
estão nas nuvens, e a inflação, raspando o teto da meta. Dilma também não tem
folga fiscal para prebendas, e o cenário internacional não é dos mais
hospitaleiros. Não será fácil atrair aqueles que a rejeitaram porque vão lhe
faltar os instrumentos de convencimento.
Petrolão
Mais:
Dilma já assumirá o novo mandato nas cordas. Além de todas as dificuldades com
as quais terá de lidar, há o estupefaciente escândalo do Petrolão. A ser
verdade o que disse sobre ela o doleiro Alberto Youssef, não vai terminar o
mandato; será impichada — e por boas razões.
O
escândalo não vai se desgrudar dela com tanta facilidade. Youssef pode estar
mentindo? Até pode. Mas ele deve conhecer as consequências de fazê-lo num
processo de delação premiada. Ele pode não servir para professor de Educação
Moral e Cívica, mas burro não é. E que se note: em meio a crises distintas e
combinadas, a governanta promete engatar uma reforma política, com apelo a
plebiscito. Vêm tempos turbulentos por aí, podem esperar.
Dilma
venceu por um triz porque o terrorismo funcionou. Sua campanha foi bem além do
limite do razoável. Seu governo já nasce velho, com parcela considerável do
eleitorado a lhe devotar franca hostilidade. E, por óbvio, seus “camaradas” à
esquerda não vão lhe dar folga. A petista assumirá o novo mandato no dia
1º de janeiro tendo à frente o fantasma do impeachment e a realidade de uma
economia estagnada.
O Brasil vai acabar? Não! Países não
acabam. Eles podem entrar em declínio permanente. Mas Dilma pode ficar
tranquila: nós nos encarregaremos de lembrar que ela foi eleita para governar
um país segundo regras que estão firmadas pelo Estado de Direito. Ela pode
contar com a nossa vigilância. Agora, mais do que nunca.