Não são apenas os 43 centavos por litro, toda uma forma de governar está
em jogo.
Por Augusto
Nunes, 28/07/2017,
www.veja.com.br
Fernando Gabeira publicado no Estadão
Ao decretar o aumento do imposto da gasolina, Temer
rompeu com uma das mais importantes expectativas criadas pelo impeachment de
Dilma. Na época em que ela caiu não se discutiam apenas as pedaladas, razão
formal, mas todo o conjunto do movimento da bicicleta: uma dispendiosa máquina
de governo pesando insuportavelmente nas costas da Nação.
Verdade que Temer conseguiu aprovar a lei que impõe
limite aos gastos públicos. Mas a vida real está mostrando que uma simples lei
não resolve se não houver mudança no comportamento do governo. Temer, por
exemplo, decreta aumenta de impostos e libera verbas para deputados, algo que
não é essencial no Orçamento. Ele vive uma contradição paralisante: governar
para a sociedade ou para o Congresso?
Sua cabeça depende de ambos. Mas no momento ele
teme mais os deputados, que têm o poder de cortá-la, aceitando a denúncia de
corrupção passiva. A decisão de aumentar impostos não o enfraquece apenas na
sociedade, mas também no próprio Congresso, que está em recesso, portanto,
teoricamente mais próximo da vida real.
A escolha de usar um decreto, driblando uma decisão
congressual, vai desgastá-lo. Está implícito na escolha que nem o Congresso
aceitaria esse caminho. Mas as contradições não param aí. Embora não aceite o
aumento de imposto, o próprio Congresso, no jogo de trocas com Temer, não trabalha
com reduções nos gastos.
As contradições estendem-se ao projeto de demissões
voluntárias. É um movimento legítimo, mas toca funcionários concursados.
Economiza R$ 1 bilhão depois de aumento de salários que chegam a R$ 22 bilhões.
Os próprios procuradores, cujo trabalho apoiamos, querem mais 16% em 2018.
Aqui, na planície, quem tem a sorte de trabalhar se contenta apenas em não
perder para a inflação.
O departamento de cargos em comissão continua de
vento em popa. Em especial neste momento em que o Congresso tem o destino de
Temer nas mãos.
Ao dizer que o povo iria compreender o aumento do
imposto, Temer acabou expressando um desejo. Nesse campo prefiro a Dilma, com
seu desejo de não ter meta e dobrá-la ao atingir esse intraduzível marco.
Todo mundo sabe que paga imposto. Ainda mais quanto
incide sobre a gasolina. Mesmo os habitantes do interior do Nordeste que
trocaram os jegues por motocicletas compreenderam imediatamente que foram
atingidos.
O aumento de impostos tem força no imaginário
histórico brasileiro: luta pela independência, derramas coloniais, Tiradentes
esquartejado. Nos últimos anos os empresários acharam no pato amarelo uma
versão pop de sua luta contra a pesada carga tributária.
Depois de tantos escândalos de corrupção, do
espetáculo de políticos de costas para o povo, as pessoas começam a perceber
que tudo isso é financiado por seu trabalho. E para simbolizar a revolta quando
ela chega ao cotidiano, o pato é pinto. As coisas podem ser muito mais graves.
Temer arriscou tudo nesse aumento. Tenta o suicídio
numa hora em que sua energia está concentrada em sobreviver.
Não houve, depois do impeachment, um esforço sério
para conter os gastos da máquina. O déficit orçamentário previsto já era
generoso, em torno dos R$ 130 bilhões. Neste momento, muitos se perguntam: por
que financiar a máquina oficial, corrupta e incompetente na entrega dos
serviços essenciais?
Quem se lembra das manifestações de 2013 reconhece
nelas uma aspiração a serviços decentes em troca dos impostos pagos. Os serviços
pioraram de lá para cá. E os impostos aumentam. Isso não quer dizer que
estejamos às vésperas de manifestações do tipo de 2013. Mas quem autoriza os
estrategistas de Temer a supor que o decreto não trará sérias consequências?
Estrategistas podem até pensar em jogar todas as
cartas no Congresso, subestimando a reação da sociedade. Mas têm de levar em
conta que há um momento em que o próprio Congresso salta do barco se a pressão
social o empurrar.
É um exercício retórico falar em estrategistas. A
máquina tem uma lógica própria. Ele não pode mudar o rumo porque nela está
ancorado um sistema político-partidário.
O desdobramento da máquina é cruel para os que
pagam impostos e ao mesmo tempo é autodestrutivo. Temer apenas deu mais um
passo na direção do abismo, não necessariamente pessoal, mas do próprio sistema
político, em degradação. Mas é um passo que enfraquece as perspectivas de
soluções políticas com mudanças em 2018. E favorece a entrada numa zona de
turbulência perigosa para a própria retomada econômica.
Mas como definir outro caminho? A máquina tem seus
desígnios, ela se desloca como um iceberg que se desprende do continente. Temer
já era impopular. Pode-se tornar detestável. Como um iceberg que se respeita, a
máquina de governo quer fazer do Brasil o seu próprio Titanic.
Ultimamente, porém, o degelo é mais rápido. Um
aumento de impostos como o da gasolina terá poder pedagógico e vai aquecer
muito as aspirações por um reforma política que reflita diretamente nos rumos
da máquina de gastar.
Nunca se pagou tanto por espetáculo tão desolador.
Os atores contam com a tolerância da plateia, clichês como a cordialidade do
brasileiro. Creio que o futuro próximo vai desvendar a natureza da máquina. O
que funciona hoje como marcha da esperteza pode revelar-se amanhã a marcha da
estupidez: um sistema político em extinção.
A opção de aumentar impostos abriu uma nova
conjuntura, sem os lances sensacionais de uma delação premiada, mas com
potencial corrosivo tão ácido como ela. Piores dias levando a melhores dias:
está chegando a hora de a sociedade ajustar as contas não só com a máquina de
gastar, mas com o sistema político que a anima.
Não é apenas pelos 20 centavos, dizia-se nos
protestos de 2013. O aumento da gasolina representa R$ 11 bilhões por ano.
Ainda assim, não serão apenas 43 centavos por litro. É toda uma forma de
governar que está em jogo.
Comentários
Luis Roberto Ferreira
O dilema de Temer está entre aumentar a meta fiscal e obter
condições de governabilidade com benesses que agradem aos congressistas ou,
diante dos recursos cada vez mais insuficientes, tentar arrecadar com impostos
o suficiente para manter a meta e a credibilidade junto aos agentes econômicos.
Acredito que ele optará pela base parlamentar, já que, sem apoio do Congresso
terá que pegar o seu boné e ir responder na Justiça por corrupção passiva.
Alberto de Araujo
Acredito que, se tivesse aprovada a reforma da previdência,
não haveria a necessidade desse imposto. Infelizmente, “o governo agradou a
oposição”. “Quanto pior melhor”. Não sei como, mas deveria mudar a cabeça dos
políticos. O destino do país teria que ser prioritário. Hoje está desprezado. O
que vale é o interesse político. Há alguns políticos exceção. Poucos, para
influir na vontade da maioria. Agora mesmo vemos o governo Temer conseguir
sinais de recuperação econômica. Inflação, juros, desemprego sendo nocauteados.
Uma disposição de instituir reformas essenciais para resgatar o país do fundo
do poço. Herança maldita, dos diabos, legado dos governos petistas. Desejo que
o governo Temer complete o seu mandato tampão com as reformas realizadas.