As investigações apontam pagamentos em dinheiro, depósitos
bancários e imóveis – para o ex-presidente e para parentes
Por Diego Escosteguey, 05/05/2017,
www.época.com.br
AS PROVAS
CONTRA LULA
ÉPOCA analisou cerca de 3 mil evidências contra o ex-presidente. Elas indicam que o petista recebeu mais de R$ 80 milhões do cartel do petrolão, em dinheiro, depósitos bancários e imóveis – para si e para parentes
No fim da tarde de uma segunda-feira
recente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu ao palco de um evento
organizado pelo PT em Brasília. Empunhou sua melhor arma: o microfone. Aos
profissionais da imprensa que cobriam o evento, um seminário para discutir os
rumos da economia brasileira, o ex-presidente dispensou uma ironia: “Essa
imprensa tão democrática, que me trata maravilhosamente bem e, por isso, eu os
amos, de coração”. Lula estava a fim de debochar. Não demorou para começar a
troça sobre os cinco processos criminais a que responde na Justiça. Disse que
há três anos ouve acusações sem o direito de se defender, como se não tivesse
advogados. “Eu acho que está chegando a hora de parar com o falatório e mostrar
prova. Eu acho que está chegando a hora em que a prova tem de aparecer em cima
do papel”, disse, alterado. Lula repetia, mais uma vez, sua tática diante dos
casos em que é réu: sempre negar e nunca se explicar. E prosseguiu: “Eu quero
que eles mostrem R$ 1 numa conta minha fora desse país ou indevida. Não precisa
falar que me deu 100 milhões, 500 milhões, 800 milhões.... Prove um. Não estou
pedindo dois. Um desvio de conduta quando eu era presidente ou depois da
Presidência”. Encerrou o discurso aplaudido, aos gritos de “Brasil urgente,
Lula presidente!”.
A alma mais honesta do Brasil, como o
ex-presidente já se definiu, sem vestígio de fina ironia, talvez precise
consultar seus advogados – ou seus processos. Há, sim, provas abundantes contra
Lula, espalhadas em investigações que correm em Brasília e em Curitiba. Estão
em processos no Supremo Tribunal Federal, em duas Varas da Justiça Federal em
Brasília e na 13ª Vara Federal em Curitiba, aos cuidados do juiz Sergio
Moro. Envolvem uma ampla e formidável gama de crimes:
corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, crime contra a
Administração Pública, fraude em licitações, cartel, tráfico de influência e
obstrução da Justiça. O Ministério Público Federal, a Polícia Federal, além
de órgãos como a Receita e o Tribunal de Contas da União, com a ajuda
prestimosa de investigadores suíços e americanos, produziu, desde o começo da
Lava Jato, terabytes de evidências que implicam direta e indiretamente Lula no
cometimento de crimes graves. Não é fortuito que, mesmo antes da delação da
Odebrecht, Lula já fosse réu em cinco processos – três em Brasília e dois em
Curitiba. Também não é fortuito que os procuradores da força-tarefa da Lava
Jato, após anos de investigação, acusem Lula
de ser o “comandante máximo” da
propinocracia que definiu os mandatos presidenciais
do petista, desfalcando os cofres públicos em bilhões de reais e arruinando
estatais, em especial a Petrobras.
A estratégia de Lula é clara e simples.
Transformar processos jurídicos em campanhas políticas – e transformar
procuradores, policiais e juízes em atores políticos desejosos de abater o
maior líder popular do país. Lula não discute as provas, os fatos ou as
questões jurídicas dos crimes que lhe são imputados. Discute narrativas e
movimentos políticos. Nesta quarta-feira, dia 10, quando estiver diante de Moro
pela primeira vez, depondo no processo em que é réu por corrupção e lavagem de
dinheiro, acusado de receber propina da OAS por meio do tríplex em Guarujá,
Lula tentará converter um ato processual (um depoimento) num ato político (um
comício).
Se não conseguir desviar a atenção,
saindo pela tangente política, Lula terá imensa dificuldade para lidar com as
provas – sim, com elas. Nesses processos e em algumas investigações ainda
iniciais, todos robustecidos pela recente delação da Odebrecht, existem, por
baixo, cerca de 3 mil evidências contra Lula. Elas foram analisadas por ÉPOCA.
Algumas provas são fracas – palavrórios, diria Lula. Mas a vasta maioria
corrobora ou comprova os crimes imputados ao petista pelos procuradores. Dito
de outro modo: existe “prova em cima de papel” à beça. Há, como o leitor pode
imaginar, toda sorte de evidência: extratos bancários, documentos fiscais,
comprovantes de pagamento no Brasil e no exterior, contratos fajutos, notas
fiscais frias, e-mails, trocas de mensagens, planilhas, vídeos, fotos,
registros de encontros clandestinos, depoimentos incriminadores da maioria dos
empresários que pagavam Lula. E isso até o momento. As investigações prosseguem
em variadas direções. Aguardem-se, apesar de alguns percalços, delações de
homens próximos a Lula, como Antônio Palocci e Léo Pinheiro, da OAS. Renato
Duque, ex-executivo da Petrobras, deu um depoimento na sexta-feira, dia 5, em
que afirma que Lula demonstrava conhecer profundamente os esquemas do petrolão.
Existem outras colaborações decisivas em estágio inicial de negociação.
Envolvem crimes no BNDES, na Sete Brasil e nos fundos de pensão. Haja prova em
cima de papel.
Trata-se até agora de um conjunto
probatório, como gostam de dizer os investigadores, para lá de formidável.
Individualmente e isoladas, as provas podem – apenas – impressionar.
Coletivamente, organizadas em função do que pretendem provar, são destruidoras;
em alguns casos, aparentemente irrefutáveis. Nesses, podem ser suficientes para
afastar qualquer dúvida razoável e, portanto, convencer juízes a condenar Lula
por crimes cometidos, sempre se respeitando o direito ao contraditório e à
ampla defesa – e ao direito a recorrer de possíveis condenações, como qualquer
brasileiro. Não é possível saber o desfecho de nenhum desses processos.
Ainda assim, os milhares de fatos
presentes neles, na forma de provas judiciais, revelam um Lula bem diferente
daquele que encanta ao microfone. As provas jogam nova luz sobre a trajetória
de Lula desde que assumiu o Planalto. Assoma um político que conheceu três
momentos distintos.
O primeiro momento deu-se como um presidente da República
que decidiu testar os limites do fisiologismo e clientelismo da política
brasileira. A partir de 2003, e com mais força em 2004, Lula começou a agir
para beneficiar, em atos sucessivos, empreiteiras e grandes grupos
empresariais, por meio de homens de confiança em postos-chave no governo. Era,
naquele momento, um político cujas campanhas e base aliada eram financiadas,
comprovadamente, com dinheiro de propina desses mesmos empresários – entre
outros. Era um político que caíra nas graças do cartel de empreiteiras que
rapinava a Petrobras e comprava leis no Congresso.
O segundo momento sobreveio entre 2009 e 2010, conforme o tempo dele no
poder se aproximava do fim – e, com Dilma
Rousseff como
sucessora, todos, em tese, continuariam a prosperar. Nesse ponto, assomou um
político que, pelo que as provas e depoimentos indicam, passaria a viver às
custas das propinas geradas pelo cartel que ajudara a criar. Entre 2009 e 2010,
o cartel, em especial Odebrecht e OAS, passou a se movimentar para assegurar
que Lula e sua família tivessem uma vida confortável. Faziam isso porque, como
já explicaram, deviam propina ao ex-presidente e, não menos importante, pela expectativa
de que ele usasse sua influência junto a Dilma Rousseff para manter o dinheiro
do governo entrando nas empresas – como fez, de fato, em algumas ocasiões.
Nesse período de final de mandato, houve
uma série de operações fraudulentas e clandestinas, comandadas pelo cartel, que
resultaram na multiplicação do patrimônio de Lula. Usaram-se laranjas e
intrincadas transações financeiras para esconder a origem do dinheiro dos novos
bens do ex-presidente. Mas, hoje, esses estratagemas foram descobertos, com
fartura de provas, pelos investigadores. Da Odebrecht, Lula ganhou o prédio
para abrigar seu instituto, um apartamento em São Bernardo do Campo, onde mora
até hoje, e a reforma de um sítio em Atibaia que, todas as provas demonstram,
pertence ao petista, e não é somente “frequentado” por ele. Da OAS, ganhou o
famoso tríplex em Guarujá, assim como as reformas pedidas por ele – o
apartamento só ficou pronto após a Lava Jato, de modo que não houve tempo para
que Lula e família se mudassem para lá. A mesma OAS passou a bancar o
armazenamento do acervo presidencial do petista. Todas essas operações – todas
– foram feitas clandestinamente, para ocultar o vínculo entre Lula e as
empreiteiras. Todas foram debitadas do caixa de propinas que Lula mantinha
junto às empreiteiras.
Além de dar moradia a Lula, as
empreiteiras passaram a bancar o ex-presidente e sua família, além de pessoas
próximas. Havia, segundo as provas disponíveis, pagamentos de propina da
Odebrecht a um dos filhos do presidente, a um irmão dele, a um sobrinho e a
Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula e um dos assessores mais próximos
de Lula. Havia pagamentos em dinheiro vivo e, em alguns, casos, por meio de
empresas – como a de um filho e a de um sobrinho. Havia, ainda, os pagamentos à
empresa de palestras de Lula e ao próprio Instituto Lula. Na maioria dos casos,
segundo as evidências, não se tratava de doação ou contratação para palestras,
embora essas tenham acontecido em alguns casos. Trata-se de propina disfarçada
de doação. Até que a Lava Jato mudasse tudo, Lula e seus familiares
receberam, de acordo com as evidências disponíveis e se obedecendo a um cálculo
conservador, cerca de R$ 82 milhões em vantagens indevidas – bens ou pagamentos
ilegais.
O terceiro momento de Lula, aquele que as provas revelam com mais nitidez,
precipita-se em março de 2014, quando irrompe a Lava Jato. O petista, que sabia
o que fizera e intuía o potencial da operação, preocupou-se. É esse Lula
preocupado – quiçá desesperado – que aparece nos processos de obstrução da
Justiça. Que, segundo depoimentos e documentos, tenta destruir provas. Tenta,
em verdade, destruir a Lava Jato, para por ela não ser destruído. Há semanas,
dias antes do discurso de Lula em Brasília, a voz rouca de Léo Pinheiro
sacudira Curitiba. Diante do juiz Sergio Moro, Léo Pinheiro expunha segredos
guardados por anos. “Eu tive um encontro com o presidente, em junho... bom,
isso tem anotado na minha agenda, foram vários encontros.” Era 20 de abril e
Léo falava de um encontro mantido há quase três anos, em maio de 2014, quando a
Lava Jato começava a preocupar. “O presidente, textualmente, me fez a seguinte
pergunta: ‘Léo’, e eu notei até que ele estava um pouco irritado, ‘você fez
algum pagamento a João Vaccari no exterior?’. Eu disse: ‘Não, presidente, nunca
fiz nenhum pagamento dessas contas que nós temos com Vaccari no exterior’.
‘Como é que você está procedendo os pagamentos para o PT?’. ‘Através do João
Vaccari. Estou pagando, estamos fazendo os pagamentos através de orientação do
Vaccari, caixa dois e doações diversas que nós fizemos a diretórios e tal’.
‘Você tem algum registro de algum encontro, de conta, de alguma coisa feita com
o João Vaccari com você? Se tiver, destrua. Ponto. Acho que quanto a isso não
tem dúvida’.
Lula, como Renato Duque confirmou em
depoimento a Moro na sexta-feira, estava se mexendo para descobrir quanto
estava sob risco. No depoimento, Duque, que fora indicado pelo PT e pelo
próprio Lula à Diretoria de Serviços da Petrobras, destruiu o antigo chefe.
Disse, como Léo Pinheiro, que Lula “tinha o pleno conhecimento de tudo, tinha o
comando”. Referia-se ao petrolão. Nas últimas semanas, Duque e o ex-ministro
Palocci disputavam quem fecharia antes um acordo de delação premiada, em busca
de pena menor. Ambos pretendiam entregar informações sobre Lula, pois suas defesas
detectaram que a Lava Jato queria mais elementos para cravar que o então
presidente não só sabia da existência, como comandava o esquema de corrupção na
Petrobras. Palocci recuou duas ou três casas em sua negociação, após a
libertação do ex-ministro José Dirceu. Duque aproveitou para avançar. Disse que
encontrou Lula pessoalmente três vezes. “Nessas três vezes ficou claro, muito
claro para mim, que ele tinha pleno conhecimento de tudo, tinha o comando”,
disse Duque. No último encontro, em 2014, segundo Duque, Lula perguntou se ele
tinha recebido dinheiro na Suíça da holandesa SBM, fornecedora da Petrobras.
Duque diz que negou. Lula, então, perguntou: “Olha, e das sondas? Tem alguma
coisa?”. Lula se referia a negócios da Sete Brasil, a estatal criada para turbinar
o petrolão. Duque afirma que mentiu a Lula ao dizer que não tinha. Ouviu do
então presidente, de saída do cargo: “Olha, presta atenção no que vou te dizer.
Se tiver alguma coisa, não pode ter, entendeu? Não pode ter nada no teu nome,
entendeu?”.
No ano seguinte, Lula prosseguiu em sua
tentativa desesperada de sabotar a Lava Jato. Em maio de 2015, o então
senador Delcídio
do Amaral foi à
sede do Instituto Lula, em São Paulo. Àquela altura, líder do governo no
Senado, Delcídio era um interlocutor frequente de Lula sobre a situação
precária do governo Dilma no Congresso, mas, principalmente, sobre o avanço da
Lava Jato em direção ao coração petista. Na conversa, Lula se disse preocupado
com a possibilidade de seu amigo, o pecuarista José Carlos Bumlai, ser
engolfado pela operação. Delcídio percebeu que fora convocado para discutir o
assunto. Avisou que Bumlai poderia ser preso devido às delações do lobista Fernando
Baiano e do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Delcídio também tinha medo
disso, pois recebera propina junto com Cerveró. Então, contou a Lula que,
quatro meses antes, recebera um pedido de ajuda financeira de Bernardo, filho
de Cerveró. Delcídio afirma que Lula determinou que era preciso ajudar Bumlai.
Assim, Delcídio passou a trabalhar. Dias
depois, encontrou-se com Maurício, filho de Bumlai, e “transmitiu o recado e as
preocupações de Lula”. Maurício topou a empreitada: era preciso bancar as despesas
com advogado e sustentar a família para “segurar” a delação de Cerveró e,
assim, tentar salvar o pai de Maurício. Nos meses seguintes, Maurício Bumlai
entregou R$ 250 mil em espécie a um assessor de Delcídio, em encontros em São
Paulo. O dinheiro era levado depois à família Cerveró. Quando, em setembro,
ÉPOCA publicou que Cerveró fechara um acordo de delação, Maurício interrompeu
os pagamentos. Em novembro de 2015, Delcídio foi preso, por ordem do Supremo,
por tentar obstruir a Lava Jato.
Por meio de nota, o Instituto Lula
afirma que “não há nenhum” ato ilegal nas delações dos executivos da Odebrecht
e que as delações não são provas, mas “informações prestadas por réus confessos
que apenas podem dar origem a uma investigação. Por enquanto, o que existe são
depoimentos feitos aos procuradores, a acusação, divulgados de forma
espetacular”. Sobre a “conta Amigo”, a nota afirma ser “a mais absurda de todas
as ilações no depoimento de Marcelo Odebrecht”. “Se for verdadeiro o
depoimento, Marcelo Odebrecht teria feito, na verdade, um aprovisionamento em
sua contabilidade para eventuais e futuras transferências ou pagamentos. A ser
verdadeira, trata-se, como está claro, de uma decisão interna da empresa. Uma ‘conta’ meramente virtual, que nunca se
materializou em benefícios diretos ou indiretos para Lula.” Sobre a ajuda da
Odebrecht a Luís Cláudio, um dos filhos de Lula, o Instituto Lula afirma que
“mesmo considerando real o relato de delatores que precisam de provas, Emílio
Odebrecht e Alexandrino Alencar relatam que a ajuda para o filho de Lula
iniciar um campeonato de futebol americano foi voluntária e após diversas
conversas e análises do projeto”. Sobre a mesada de R$ 5 mil que a Odebrecht
pagou por anos a Frei Chico, irmão do ex-presidente, a nota afirma que “não só
Lula não pediu, como não foi dito que Lula teria pedido”. Afirma que o
principal assessor de Lula, Paulo Okamotto, “negou ter recebido qualquer
‘mesada’ de Alexandrino Alencar”. O Instituto diz que a Odebrecht não inventou
Lula como palestrante e que “as palestras eram lícitas e legítimas”.
Procuração de Glauco da Costa Marques para
Roberto Teixeira representá-lo na compra de apartamento vizinho ao de lula.
Teixeira é advogado do ex-presidente e Lula e sua família ocupa o apartamento
de Costa Marques.