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quinta-feira, 10 de maio de 2018

O companheiro Gilmar Mendes


Com Lula na cadeia, o gabinete de Gilmar Mendes, no Supremo, virou ponto de romaria dos petistas. Para o ministro, as chances de o ex-presidente reconquistar a liberdade só vão aumentar quando ele se declarar fora do páreo presidencial

GUILHERME EVELIN E CATARINA ALENCASTRO,
 26/04/2018, www.época.com.br



Em público, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), não poupa ataques ao PT. Já responsabilizou os petistas pelo “germe ruim da violência”, pela desinstitucionalização do país, pela sindicalização e excesso de poderes do Ministério Público Federal e por más escolhas para o Supremo, baseadas em critérios “de ligações com os movimentos MST, LGBT, basistas”. Nos bastidores, porém, Mendes e dirigentes do partido, que no passado distribuíram uma cartilha em que acusavam o ministro do Supremo de “manobras e declarações antipetistas incompatíveis com o recato e a imparcialidade de um juiz”, estão de namoro firme. O gabinete de Mendes, crítico mais veemente dos métodos da Operação Lava Jato no Supremo, virou centro de romaria de petistas.
Com o ex-presidente Lula encarcerado em Curitiba, Mendes, desde que mudou de opinião e passou a se manifestar contra o cumprimento imediato de pena por condenados em segunda instância (votou a favor num julgamento do Supremo em 2016), tornou-se uma espécie de oráculo para os petistas que querem tirar o ex-presidente da cadeia. Quem tem batido ponto no gabinete de Mendes, quase semanalmente, é o ex-ministro Gilberto Carvalho, uma das pessoas mais próximas ao ex-presidente. “O Gilmar é a grande esperança dos petistas para o Lula ganhar a liberdade. Nos corredores do Supremo, ele já é conhecido como Gilmar, guerreiro do povo brasileiro”, disse à ÉPOCA, em tom de troça, um ministro do tribunal. Na terça-feira dia 24, Mendes ajudou a dar uma vitória à defesa de Lula. Ele foi um dos três ministros, junto com Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, a votar, na Segunda Turma do STF, pela retirada de trechos das delações da Odebrecht dos processos sobre a reforma do sítio em Atibaia e da compra de um terreno do Instituto Lula que estão nas mãos do juiz Sergio Moro, em Curitiba. Para os três ministros, esses casos não têm relação com a corrupção na Petrobras investigada pela Lava Jato.
Segundo Mendes, suas conversas com os petistas são institucionais e tratam de soluções para o quadro, na visão do ministro, de “hiperativismo” do Judiciário, que faz com que os juízes e o Supremo decidam muito — e frequentemente mal —, por causa da pressão da opinião pública, e invadam áreas alheias a sua competência, como a política. “Ele tem sido de uma lealdade impressionante. Não se exime de criticar o PT e dá muita porrada na gente nas conversas. Mas ele acha que não tem cabimento o que está acontecendo no Ministério Público e no próprio Supremo”, disse um petista que tem se encontrado com Mendes. De acordo com os petistas, o diálogo com o ministro do Supremo não fica, porém, só nisso. Avança também para a discussão de cenários sobre a libertação de Lula.
Nas conversas, Mendes tem dito que as possibilidades de o ex-presidente deixar a cadeia só vão melhorar quando ele se declarar fora do páreo presidencial. Com Lula fora da eleição, prevê Mendes, é possível que a pena do ex-presidente, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região a 12 anos e um mês de detenção por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, seja diminuída pelo Supremo. Mendes tem alardeado sua tese de que o Supremo deve rever a pena por lavagem de dinheiro aplicada a Lula, crime que, na visão de alguns juristas, não estaria caracterizado no caso do tríplex. “É preciso discutir se os dois crimes pelos quais ele foi condenado são realmente dois crimes”, disse o ministro, na terça-feira dia 24.
Os petistas têm corrido também ao gabinete de Mendes para municiá-lo com informações na guerra que ele trava com o Ministério Público Federal. No dia 11 de abril, no julgamento do pedido de habeas corpus do ex-ministro Antônio Palocci, Mendes elevou suas críticas ao Ministério Público e disse que o Supremo pode se tornar “cúmplice de grandes patifarias que estão a ocorrer”. “A corrupção já entrou no Ministério Público, na Lava Jato”, disse Mendes. Ele citou o caso do advogado do marqueteiro João Santana e irmão do procurador Diogo Castor de Mattos, Rodrigo Castor de Mattos, integrante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Segundo disse o ministro, havia exigência por parte dos investigadores de que vários processos passassem pelo escritório do irmão do procurador.
Uma semana depois, os deputados Wadih Damous (PT-RJ), Paulo Pimenta (PT-RS) e Paulo Teixeira (PT-SP) foram a uma audiência com Mendes para abastecê-lo de informações repassadas pelo ex-advogado da Odebrecht Rodrigo Tacla Durán, acusado pela Lava Jato de operar propinas e um esquema de lavagem de dinheiro para a empreiteira. Em depoimento à CPI da JBS, Tacla Durán também fez acusações de conluio entre procuradores da Lava Jato e escritórios de advocacia em Curitiba. “Quem vai botar a boca no trombone para apurar as denúncias? É o Gilmar Mendes. Então, assim, nós temos que aprender a perceber o jogo de xadrez e a fazer política. O Gilmar hoje é nosso aliado, amanhã volta a ser nosso inimigo, mas hoje ele é nosso aliado. E nós somos aliados dele”, disse o deputado Wadih Damous num encontro filmado com militantes do PT, um dia depois da audiência, cujo vídeo circulou via WhatsApp. Em nota, a Força-Tarefa da Lava Jato disse que as declarações de Mendes sobre Castor desbordam o “desequilíbrio “é são baseadas em imputações falsas, já que o procurador nunca atuou em processos ligados a João Santana. Para a Lava Jato, Tacla Durán é um criminoso foragido — ele está vivendo na Espanha, país onde tem cidadania — que não apresentou provas de suas acusações e cuja palavra não merece credibilidade.
O casamento de Mendes com o PT é de conveniência — e as duas partes sabem disso. Se os petistas veem no ministro do Supremo um aliado precioso no momento em que Lula está na cadeia, Mendes ganha, com o apoio do PT, um instrumento para dar eco a suas teses garantistas, que privilegiam os direitos dos cidadãos diante da ação punitiva do Estado, hoje em minoria no tribunal. Natural de Mato Grosso, fã dos empreendedores do agronegócio, Mendes tem aversão pelas ideias petistas — e vice-versa. “Ele merece respeito pela coragem que tem demonstrado nesse processo. Mas a gente lembra que ele tem uma posição política muito clara contra o PT, e ele faz questão de repetir isso a todo momento”, disse o líder da minoria no Senado, Humberto Costa (PT-PE).
Desde o começo, a relação de Mendes com o PT é marcada por muitos altos e baixos. Quando Mendes era advogado-geral da União do governo Fernando Henrique Cardoso e foi indicado em 2002 para o Supremo, os então senadores petistas José Eduardo Dutra e Eduardo Suplicy estiveram na linha de frente da resistência à aprovação de seu nome pelo Senado. Quando Lula ganhou a Presidência pela primeira vez e Mendes já estava na Corte, o advogado brasiliense Sigmaringa Seixas, amigo do petista, costurou uma aproximação dos dois. O argumento usado por Sigmaringa foi que Mendes, apesar de seu estilo tonitruante, tinha “cabeça de Estado” e seria um aliado importante do governo quando as causas da União fossem à votação no Supremo.
Mendes passou a frequentar o Palácio da Alvorada de Lula — e as mulheres dos dois, Marisa Letícia e Guiomar Mendes, tornaram-se amigas. A relação sofreu um abalo com a história, em 2008, de um grampo ilegal de uma conversa entre Mendes e o então senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O ministro atribuía o grampo, cujo áudio nunca se tornou público, a uma espionagem da Abin, no curso da Operação Satiagraha, que investigava denúncias contra o banqueiro Daniel Dantas. A agência era comandada pelo delegado da Polícia Federal Paulo Lacerda. Na ocasião, Mendes conseguiu que Lula entregasse a cabeça de Lacerda, exonerado da Abin e despachado para ser adido da PF em Lisboa.
O ex-ministro Gilberto Carvalho, um dos mais próximos interlocutores de Lula, visita Mendes semanalmente

Recosturada com a ajuda do então advogado-geral da União, Dias Toffoli, hoje ministro do Supremo, a relação de Gilmar com o Lula e o PT desandou de vez com o julgamento do mensalão pelo Supremo. Em 2012, Mendes vazou para a imprensa a história de um encontro com Lula no escritório do ex-ministro Nelson Jobim, amigo de ambos. No encontro, o ex-presidente o teria pressionado a trabalhar pelo adiamento do julgamento por razões eleitorais — aquele ano foi de disputa de eleições municipais no país. “É inconveniente julgar esse processo agora”, disse Lula, segundo Mendes. O vazamento da conversa provocou escândalo, e Lula e Mendes se afastaram — como efeito colateral, houve também um rompimento da relação do ministro com Jobim, grande patrocinador da indicação de Mendes para a Suprema Corte. Por causa desse episódio, os dois ficaram por cinco anos sem se falar. No julgamento do mensalão, Mendes foi duro na condenação dos petistas.
Em 2016, num caso em que poderia ser facilmente classificado de “hiperativismo do Judiciário”, Mendes, em decisão liminar, suspendeu a nomeação de Lula para o ministério de Dilma Rousseff, fato crucial para que o impeachment da ex-presidente fosse aprovado pelo Congresso. Na ocasião, o ministro enxergou na nomeação uma tentativa de obstrução da Justiça e dos trabalhos do juiz Sergio Moro na Lava Jato. “Ele sempre foi um garantista e muito preparado do ponto de vista jurídico. Teve um hiato entre o mensalão e o impeachment da Dilma. Nesse período, ele tinha muito ódio do PT e tomou decisões que nos arrebentou”, disse um ex-ministro petista. “Na época da Dilma, ele dizia: ‘Fala para ela renunciar. Como vocês vão terminar esse governo? Tem de mandar todo mundo embora’.” Segundo esse ex-ministro, após o impeachment, o ministro voltou ao “curso normal e a ser o velho Gilmar”. Na morte de dona Marisa Letícia, em fevereiro de 2017, ele ligou para Lula para transmitir condolências e passou o telefone para a mulher, Guiomar, que falou com o ex-presidente aos prantos.
Com petistas a seu lado, Gilmar Mendes ganha aliados para intensificar a divulgação de suas teses “garantistas” no Supremo

A reaproximação de agora se dá num vácuo. Os petistas acumulam decepções com os ministros indicados para o Supremo por Lula e Dilma. No julgamento, no dia 4 de abril, em que o Supremo selou a ida do ex-presidente para a cadeia, cinco dos seis ministros que votaram contra o habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente foram indicados para o tribunal nas gestões petistas: Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. O sexto voto contra o habeas corpus foi dado por Alexandre de Moraes, indicado por Temer.
O maior alvo das mágoas dos petistas é o ministro Fachin. O relator da Lava Jato chegou ao Supremo com o apoio ostensivo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por quem ele declarava simpatias, e de petistas graduados, como a presidente do partido, a senadora Gleisi Hoffmann, e Gilberto Carvalho, ambos paranaenses como Fachin. Mas há flechas envenenadas na direção de todos os outros. A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, queixam-se os petistas, recusou-se a pautar as ações de constitucionalidade que poderiam mudar a jurisprudência do tribunal sobre a prisão em segunda instância. Além disso, demorou quase duas semanas para responder a um pedido de audiência do advogado de Lula, o ex-ministro Sepúlveda Pertence, que deu a opinião decisiva para que ela fosse nomeada em 2006 pelo ex-presidente para a Suprema Corte. Na ocasião, petistas influentes defendiam outra mulher, a tributarista mineira Misabel Derzi, para a mesma vaga.
Indicada para o Supremo por Dilma, com o apoio de Carlos Araújo, ex-marido da então presidente, Rosa Weber, que deu o voto decisivo para a rejeição do habeas corpus de Lula, foi a única integrante do tribunal que não recebeu o jurista Celso Bandeira de Mello para falar sobre a ação de constitucionalidade preparada por ele, em nome do PCdoB, contra as prisões em segunda instância. Alegou falta de agenda. Com a mesma amargura, os petistas reclamam do ministro Luís Roberto Barroso, também indicado por Dilma. Pesou na indicação o fato de que ele, como advogado, assumira com coragem bandeiras polêmicas como a defesa do italiano Cesare Battisti — acusado de terrorismo — no pedido de sua extradição para a Itália, as pesquisas com células-tronco embrionárias e o aborto para fetos anencéfalos. O governo Dilma avaliou que Barroso, com sua postura, contrabalançaria o antipetismo de Gilmar Mendes no STF. De fato, Barroso virou o grande contraponto a Mendes no Supremo, mas não do jeito que os petistas imaginavam.
Enquanto esteve no Planalto, Lula não comprou a ideia das indicações de Fachin e Fux para o Supremo. No caso de Fachin, estranhou as pressões do MST pela indicação do advogado paranaense. “Para que o MST quer ter ministro no Supremo? Eu já represento os movimentos sociais”, dizia, segundo aliados. Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Fux, durante o governo Lula, fez campanha para chegar ao STF, arregimentando apoios que iam do ex-ministro Delfim Netto ao MST, o que provocou estranheza em Lula. O ex-presidente se irritou com a campanha de Fux pelo Supremo quando o viu num palanque em Nova Iguaçu, ao lado do então governador do Rio, Sérgio Cabral, e do hoje senador Lindbergh Farias (PT).
Fachin e Fux só chegaram ao Supremo pelas mãos de Dilma. No caso de Fachin, depois de ele ter subido num palanque para declarar apoio à reeleição da ex-presidente em 2010. Fux foi nomeado por Dilma graças ao lobby dos ex-ministros José Dirceu e Antônio Palocci. Dirceu esperava que Fux o absolvesse no caso do mensalão, mas não foi correspondido em suas expectativas. Palocci pode dizer que foi igualmente frustrado. Neste mês, Fux votou para que o habeas corpus apresentado pela defesa do ex-ministro da Fazenda para tirá-lo da cadeia em Curitiba não fosse sequer analisado pelo Supremo.
Como presidente, Lula dizia, em tom de brincadeira, que o melhor ministro que ele nomeou para o Supremo foi o “Direitão”. Ele se referia ao ex-ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que ficou no STF por menos de dois anos, mas deu votos marcantes, como a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Conservador, ligado à Igreja Católica, Direito chegou ao STF em 2007 com o apoio de Jobim e Gilmar Mendes e enfrentando a oposição velada do PT. Morreu em setembro de 2009.


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