Por Carlos José Marques. 12/04/2019,
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VIVIANE E VÉLEZ. Ele deveria ter aprendido com ela o que fazer na educação
São abissais as
diferenças entre o que se pode chamar de gestão técnica e ideológica no campo
nevrálgico da Educação. E ainda mais deletérios são os efeitos que esse ensino
doutrinário, dirigido e obscurantista pode causar sobre a formação de nossos
jovens. A experiência negativa está posta. Em menos de 100 dias de gestão, o
MEC foi tomado pelo caos, com o risco de alienação completa dos corpos docente
e discente das instituições públicas em especial. O Brasil assistiu ao
descalabro do agora ex-ministro Ricardo Vélez Rodriguez com o seu despreparo
administrativo e quase nenhum conhecimento de causa para tocar uma área tão
complexa. O que lhe faltava em tarimba e bom senso sobrava em trapalhadas e
aberrações verbais — para não dizer ignorância, no sentido mais literal da
palavra. O colombiano de nascimento Vélez, que mal e parcamente fala o
português e que tachou os brasileiros de “canibais” por roubarem hotéis e
aviões (na sua concepção), é o mesmo que desejava mudar o entendimento do golpe
militar nas apostilas escolares e que chegou a exigir a filmagem de alunos
perfilados entoando, no primeiro dia de ano letivo, o lema de campanha do chefe
Bolsonaro — “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” —, em uma clara e
ilegal invasão de privacidade dos jovens para fins abjetos de propaganda
política. Ainda bem que foi desautorizado ao menos nessa patacoada. O sainte
notabilizou-se por demissões em série (14 auxiliares diretos banidos em 27
dias), desorganização das repartições de aprendizado e paralisia do esquema de
distribuição de material didático, repasse de verbas e estruturação de equipes.
Desgovernou tudo e levou o MEC ao quase colapso em tempo recorde. Restaram
disputas intestinas de grupos rivais: os “olavistas”, de assessores
despreparados vinculados ao guru oficial Olavo de Carvalho, radicado na
Virgínia (EUA), contra os militares. Ideias fundamentalistas converteram-se em
padrão de referência em ambas as direções. As duas correntes estão motivadas a
aparelhar o sistema de maneira lamentável. Intrigas, discussões e brigas desses
guerreiros culturais, que formam alas da modelação ideológica bolsonarista,
podem desembocar numa perigosa partidarização ética do ensino. Será um
retrocesso sem precedentes. Não é possível que prevaleça no setor o intento
dessas falanges de arrivistas. Precisamos passar uma borracha nos erros de
orientação pedagógica. O que se observou nos últimos tempos com a pavorosa
temporada do demitido Vélez encontra, no extremo oposto, uma experiência
extraordinariamente bem-sucedida (e que deveria servir de modelo) no trabalho
daquela que é talvez a mais aguerrida defensora da educação de qualidade no
Brasil, Viviane Senna, à frente do Instituto Ayrton Senna – uma ONG que desde o
nascedouro vem apresentando resultados promissores no resgate de jovens em
todos os níveis do ensino. Há de se perguntar por que as autoridades
competentes não se miram, e até copiam, o exemplo louvável do Instituto?
Justamente no dia que Vélez ficou sabendo que levaria o bilhete azul, na
sexta-feira 5, ele e Viviane — por uma dessas coincidências da vida — estiveram
juntos em um seminário voltado para empresários no qual foi possível notar,
pelas falas subsequentes de ambos, a distância de patrimônio intelectual e
bagagem de ensino que carregavam. Viviane, em sua apresentação àquela plateia
de empreendedores, deu um diagnóstico preciso. Mostrou que o Brasil tem 50
milhões de alunos no sistema – uma Espanha de crianças só na escola. Nesse
universo, apenas cinco em cada dez concluem o ensino médio, levando o País a
perder metade do seu potencial de formação pelo caminho do ciclo básico. Dos
que chegam lá, e concluem essa fase, apenas três sabem se expressar na língua
portuguesa e apenas um domina a matemática como deveriam. Em outras palavras:
para 90% dos jovens brasileiros o modelo preconizado pelo MEC não funciona. E
não é por falta de recursos. Ao contrário. O País gasta hoje R$ 1 bilhão a cada
dia na área, incluindo sábados e domingos, ou algo próximo a 6% do PIB
nacional. Em Educação investimos muito (mais do dobro da Saúde) e entregamos
pouco. Há tempo é assim. O custo econômico e de produtividade — uma vez que
esses futuros profissionais saem despreparados da banca escolar para o trabalho
— é imensurável. Como alerta Viviane, não se consegue transformar investimento em
produtividade: há 30 anos o nível de produtividade brasileira segue mais ou
menos nos mesmos patamares, muito embora a linha do tempo dos jovens na escola
tenha sido significativamente ampliada. É necessária uma mudança gigante e
Viviane tinha encaminhado ao presidente Bolsonaro, desde a sua posse, uma
trilha com quatro sugestões baseadas em dados científicos para se alcançar esse
objetivo. Quais sejam: maior concentração de esforços na alfabetização,
investimento no professor (responsável por 70% do aprendizado), gestão eficaz e
políticas públicas voltadas para o aprimoramento técnico. É bom nesse aspecto
distinguir os modismos de ensino ou conveniências partidárias do que realmente
se entende como qualificação da base didática. As mudanças movidas a convicções
ideológicas tendem a naufragar. Para efeito comparativo à exposição de Viviane,
é curioso observar o que Vélez tem a dizer a respeito. Dirigindo-se a mesma
plateia, para o estupor da maioria, ele tirou do bolso e leu um discurso
pré-elaborado, repleto de platitudes sobre a missão da sociedade, e concluiu
com promessas burocráticas de abertura de uma secretaria especial de
alfabetização para tratar das carências — leia-se, novo cabide de empregos. Não
entendeu mesmo nada. Estava ali, de maneira cristalina, a distância que nos
separa de um bom gestor para o MEC. Velez caiu, mas o novo titular da pasta,
Abraham Weintraub, não parece ter um tino muito diferente do dele. Compartilha
da matriz de pensamento do antecessor, embora se mostre menos caricato. Economista
por formação, com experiência na área financeira, egresso da equipe do ministro
da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, não é definitivamente do ramo. Weintraub chegou
a declarar tempos atrás que os “comunistas” estão no topo das organizações
financeiras, no comando da mídia e das grandes empresas. Por essa reflexão
enviesada ele inventou uma jabuticaba: banqueiros e empreendedores adeptos do
marxismo cultural. Uma contradição em si. O apostolado teórico que impõe
princípios radicais, conservadores e repletos de preconceitos, avança como um
mal que pode corroer os sustentáculos da educação moderna. Não é evangelizando
hordas de estudantes que se trilha um caminho virtuoso nesse campo. A
catequização pretendida por Bolsonaro, que chegou a declarar na semana passada
que os jovens não podem ficar aprendendo política no colégio, vai contra os
princípios basilares da democracia. Como irão votar direito essas futuras
gerações caso pautem seu aprendizado única e exclusivamente pela cartilha de
crenças pessoais do mandatário, em muitos aspectos distantes da realidade?
Educar não é doutrinar.