Justiça tem 27 varas específicas
para esses casos
Por Cássio
Bruno, 27/07/2015,
www.oglobo.com.br
RIO — O avanço da Operação Lava-Jato é
recorrentemente atribuído ao juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos
processos que levam corruptos e corruptores envolvidos num esquema que drenou
bilhões de reais da Petrobras para o banco dos réus. O magistrado se destaca
pelas decisões técnicas e bem fundamentadas que têm resistido à estratégia dos
advogados de defesa recrutados nas bancas mais bem pagas do país, mas é apenas
a ponta mais visível da evolução da especialização da Justiça brasileira no
julgamento de crimes financeiros. Desde 2003, varas federais como a de Moro na
Justiça Federal do Paraná são criadas em todo o país dedicadas a crimes como os
de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, muitas vezes acompanhados de
corrupção e desvio de dinheiro público. Levantamento feito pelo GLOBO mostra
que, atualmente, tramitam no país 5.861 processos relativos a crimes
financeiros somente na primeira instância, parte em varas federais
especializadas.
Hoje no Brasil já são 27 varas federais
especializadas em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou
ocultação de bens. Elas estão em 14 estados e no Distrito Federal. Em outros
12, os casos denunciados pelo Ministério Público ainda são distribuídos entre
varas criminais comuns. São Paulo é o estado que concentra a maior parte dos
processos desse tipo em andamento: 2.968. Em seguida, vêm Mato Grosso do Sul,
com 613, e Paraná, onde o juiz Sérgio Moro toma as decisões da Lava-Jato: 331
ações. O Ceará tem 314 e o Rio possui 302 processos tramitando. O DF tem 91
processos.
O desembargador Abel Gomes, do Tribunal Regional
Federal do Rio, foi um dos primeiros magistrados a se especializar na área. Ele
conta que a idéia das varas especializadas veio de uma pesquisa do Conselho da
Justiça Federal, em 2000, com juízes, procuradores e delegados que apontou como
maior dificuldade para as investigações a quebra do sigilo bancário de
suspeitos, um recurso que atualmente é um dos mais usados pelas investigações.
— As quebras de sigilo bancário eram muito
difíceis, complexas. Em regra, vinham em papéis. Não havia sequer um cadastro
de correntistas único. Era difícil fazer uma quebra de sigilo de imediato e
chegar a uma pessoa por trás de contas investigadas — conta Gomes, que é autor
junto com Sérgio Moro do livro “Lavagem de dinheiro: comentários à lei pelos
juízes das varas especializadas”.
O divisor
de águas no combate à lavagem de dinheiro ocorreu em 1998, quando foi sancionada
a Lei 9.613, que criminalizou a atividade. No mesmo ano, surgiu o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda que
identifica movimentações bancárias suspeitas. Muitas investigações, como a
própria Lava-Jato, nasceram de notificações do Coaf. Outro marco foi à
aprovação, em 2012, da Lei 12.683, que tornou mais rigorosa as penas de crimes
de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores.
O objetivo de quem comete o crime de lavagem
financeira são ocultar a origem de recursos ilegais, principalmente frutos de
corrupção, tráfico de drogas, contrabandos e outros delitos. Como se trata de
um crime sofisticado, que tem como intenção encobrir outros, acaba replicando
mecanismos parecidos em diferentes grupos criminosos. Quase sempre são
utilizadas contas bancárias e transações no exterior envolvendo câmbio, como se
vê no emaranhado de contas e cruzamentos societários rastreados pelos
investigadores da Lava-Jato no Brasil e no exterior para fundamentar os pedidos
de prisão e de condenação submetidos ao juiz Sérgio Moro. Para o desembargador
Abel Gomes, a especialização de magistrados ajudou o país a avançar na
investigação dos crimes de colarinho branco.
— Encaro a Lava-Jato como uma conseqüência lógica
de um trabalho feito pela Justiça Federal em torno da especialização dessas
varas — diz Gomes.
A preparação de juízes como Moro requer
treinamentos constantes e a troca de informações entre magistrados no Brasil e
no exterior. No Rio Grande do Sul, no Paraná e em Santa Catarina, oito juízes
de varas especializadas em lavagem de dinheiro participam de cursos de formação
e capacitação continuados de no mínimo 40 horas de aulas por ano. Em abril
deste ano, o tema foi sobre Direito Penal e abordou transparência e combate a
fraudes. Em maio, vários juízes foram a Washington, nos Estados Unidos, para
conhecer o sistema legal de combate à corrupção e à fraude pública
norte-americano. A colaboração com autoridades de outros países, como a da
Suíça na Lava-Jato, é outro fator decisivo em processos desse tipo.
As varas especializadas acabaram forçando também a
capacitação de servidores técnicos da Justiça, do MP e da Polícia Federal. As
investigações passaram a contar cada vez mais com dados de outros órgãos
estatais que atuam no combate à corrupção e tiveram suas estruturas e corpos
técnicos aperfeiçoados nos últimos anos, como o Coaf, a Receita Federal, o
Tribunal de Contas da União (TCU), a Corregedoria-Geral da União (CGU), a
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e outros.
Não há dados consolidados sobre o tempo médio dos
processos e nem do crescimento das ações protocoladas em varas especializadas
em crimes financeiros desde a criação da primeira, em 2003, no Rio Grande do
Sul. Mas a abertura de novas ações a cada ano em alguns estados revela uma
evolução rápida. Em Minas Gerais, os processos de crimes financeiros saltaram
de 57 para 710 em apenas cinco anos, entre 2003 e 2008. Com a solução dos
casos, esse número agora está em 181.
São Paulo lidera o número de processos nessa área.
A 2ª Vara Criminal, uma das seis da Justiça Federal paulista dedicadas apenas
aos crimes financeiros, é responsável hoje pelos processos que apuram suspeitas
de fraudes no Banco Cruzeiro do Sul. As ações são fruto de uma operação
desencadeada pela PF em outubro de 2012. Dezessete pessoas foram denunciadas.
Auditorias identificaram as irregularidades nas operações e atividades das
pessoas jurídicas pertencentes ao conglomerado financeiro. Segundos as
investigações da PF, o rombo contábil teria sido de R$ 3,1 bilhões. Os réus são
acusados de crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro,
manipulação de mercado de valores mobiliários e contra a paz pública.
Para o desembargador Fausto de Santis, da Justiça
Federal paulista, as varas especializadas em lavagem de dinheiro foram a
“grande virada do Judiciário”, mas houve muita resistência:
— Até a criação das varas especializadas, estava
tudo difuso. Os casos estavam em varas cumulativas e não tinham o tratamento
devido ao choque entre a burocracia e a complexidade dos casos.
Professor de Direito Penal da Fundação Getulio
Vargas (FGV), Thiago Bottino discorda:
— A especialização funcionou de forma diferente em
cada estado. A Lava-Jato está relacionada com essa mudança legislativa, a
partir de 2013, com o surgimento da colaboração premiada, que diminui a pena do
acusado em troca da delação.
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