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terça-feira, 28 de julho de 2015

Brasil tem quase 6 mil processos relativos a crimes financeiros



Justiça tem 27 varas específicas para esses casos
Por Cássio Bruno, 27/07/2015,
 www.oglobo.com.br

 RIO — O avanço da Operação Lava-Jato é recorrentemente atribuído ao juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos que levam corruptos e corruptores envolvidos num esquema que drenou bilhões de reais da Petrobras para o banco dos réus. O magistrado se destaca pelas decisões técnicas e bem fundamentadas que têm resistido à estratégia dos advogados de defesa recrutados nas bancas mais bem pagas do país, mas é apenas a ponta mais visível da evolução da especialização da Justiça brasileira no julgamento de crimes financeiros. Desde 2003, varas federais como a de Moro na Justiça Federal do Paraná são criadas em todo o país dedicadas a crimes como os de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, muitas vezes acompanhados de corrupção e desvio de dinheiro público. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que, atualmente, tramitam no país 5.861 processos relativos a crimes financeiros somente na primeira instância, parte em varas federais especializadas.
Hoje no Brasil já são 27 varas federais especializadas em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens. Elas estão em 14 estados e no Distrito Federal. Em outros 12, os casos denunciados pelo Ministério Público ainda são distribuídos entre varas criminais comuns. São Paulo é o estado que concentra a maior parte dos processos desse tipo em andamento: 2.968. Em seguida, vêm Mato Grosso do Sul, com 613, e Paraná, onde o juiz Sérgio Moro toma as decisões da Lava-Jato: 331 ações. O Ceará tem 314 e o Rio possui 302 processos tramitando. O DF tem 91 processos.
O desembargador Abel Gomes, do Tribunal Regional Federal do Rio, foi um dos primeiros magistrados a se especializar na área. Ele conta que a idéia das varas especializadas veio de uma pesquisa do Conselho da Justiça Federal, em 2000, com juízes, procuradores e delegados que apontou como maior dificuldade para as investigações a quebra do sigilo bancário de suspeitos, um recurso que atualmente é um dos mais usados pelas investigações.
— As quebras de sigilo bancário eram muito difíceis, complexas. Em regra, vinham em papéis. Não havia sequer um cadastro de correntistas único. Era difícil fazer uma quebra de sigilo de imediato e chegar a uma pessoa por trás de contas investigadas — conta Gomes, que é autor junto com Sérgio Moro do livro “Lavagem de dinheiro: comentários à lei pelos juízes das varas especializadas”.
O divisor de águas no combate à lavagem de dinheiro ocorreu em 1998, quando foi sancionada a Lei 9.613, que criminalizou a atividade. No mesmo ano, surgiu o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda que identifica movimentações bancárias suspeitas. Muitas investigações, como a própria Lava-Jato, nasceram de notificações do Coaf. Outro marco foi à aprovação, em 2012, da Lei 12.683, que tornou mais rigorosa as penas de crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores.
O objetivo de quem comete o crime de lavagem financeira são ocultar a origem de recursos ilegais, principalmente frutos de corrupção, tráfico de drogas, contrabandos e outros delitos. Como se trata de um crime sofisticado, que tem como intenção encobrir outros, acaba replicando mecanismos parecidos em diferentes grupos criminosos. Quase sempre são utilizadas contas bancárias e transações no exterior envolvendo câmbio, como se vê no emaranhado de contas e cruzamentos societários rastreados pelos investigadores da Lava-Jato no Brasil e no exterior para fundamentar os pedidos de prisão e de condenação submetidos ao juiz Sérgio Moro. Para o desembargador Abel Gomes, a especialização de magistrados ajudou o país a avançar na investigação dos crimes de colarinho branco.
— Encaro a Lava-Jato como uma conseqüência lógica de um trabalho feito pela Justiça Federal em torno da especialização dessas varas — diz Gomes.
A preparação de juízes como Moro requer treinamentos constantes e a troca de informações entre magistrados no Brasil e no exterior. No Rio Grande do Sul, no Paraná e em Santa Catarina, oito juízes de varas especializadas em lavagem de dinheiro participam de cursos de formação e capacitação continuados de no mínimo 40 horas de aulas por ano. Em abril deste ano, o tema foi sobre Direito Penal e abordou transparência e combate a fraudes. Em maio, vários juízes foram a Washington, nos Estados Unidos, para conhecer o sistema legal de combate à corrupção e à fraude pública norte-americano. A colaboração com autoridades de outros países, como a da Suíça na Lava-Jato, é outro fator decisivo em processos desse tipo.
As varas especializadas acabaram forçando também a capacitação de servidores técnicos da Justiça, do MP e da Polícia Federal. As investigações passaram a contar cada vez mais com dados de outros órgãos estatais que atuam no combate à corrupção e tiveram suas estruturas e corpos técnicos aperfeiçoados nos últimos anos, como o Coaf, a Receita Federal, o Tribunal de Contas da União (TCU), a Corregedoria-Geral da União (CGU), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e outros.
Não há dados consolidados sobre o tempo médio dos processos e nem do crescimento das ações protocoladas em varas especializadas em crimes financeiros desde a criação da primeira, em 2003, no Rio Grande do Sul. Mas a abertura de novas ações a cada ano em alguns estados revela uma evolução rápida. Em Minas Gerais, os processos de crimes financeiros saltaram de 57 para 710 em apenas cinco anos, entre 2003 e 2008. Com a solução dos casos, esse número agora está em 181.
São Paulo lidera o número de processos nessa área. A 2ª Vara Criminal, uma das seis da Justiça Federal paulista dedicadas apenas aos crimes financeiros, é responsável hoje pelos processos que apuram suspeitas de fraudes no Banco Cruzeiro do Sul. As ações são fruto de uma operação desencadeada pela PF em outubro de 2012. Dezessete pessoas foram denunciadas. Auditorias identificaram as irregularidades nas operações e atividades das pessoas jurídicas pertencentes ao conglomerado financeiro. Segundos as investigações da PF, o rombo contábil teria sido de R$ 3,1 bilhões. Os réus são acusados de crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro, manipulação de mercado de valores mobiliários e contra a paz pública.
Para o desembargador Fausto de Santis, da Justiça Federal paulista, as varas especializadas em lavagem de dinheiro foram a “grande virada do Judiciário”, mas houve muita resistência:
— Até a criação das varas especializadas, estava tudo difuso. Os casos estavam em varas cumulativas e não tinham o tratamento devido ao choque entre a burocracia e a complexidade dos casos.
Professor de Direito Penal da Fundação Getulio Vargas (FGV), Thiago Bottino discorda:
— A especialização funcionou de forma diferente em cada estado. A Lava-Jato está relacionada com essa mudança legislativa, a partir de 2013, com o surgimento da colaboração premiada, que diminui a pena do acusado em troca da delação.

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