Brasileiros marcharam por outras vinhetas numa pauta caleidoscópica e os
adeptos da súcia tentarão artificializar uma crise que vulnerabilize o governo
Por Augusto
Nunes, 28/03/2017,
www.veja.com.br
Texto de Valentina de Botas
No fim de uma dessas adoráveis manhãs inaugurais do
outono de luz singular, eu caminhava pela região da Paulista, ia almoçar com
amigos que trabalham numa editora para ver a possibilidade de um trabalho,
quando ouvi no rádio de um carro que passava acordes únicos, primorosos. A
inesperada vinheta de outono fala de um que garoto vivia com a mãe num casebre
miserável nos cafundós da Louisiana, era quase analfabeto e tocava guitarra
diabolicamente; a mãe profetizou: você será o líder de uma banda, as pessoas
virão de longe para te ouvir e teu nome brilhará no letreiro – Johnny B.
Goode esta noite.
No domingo, muitos brasileiros marchariam por
outras vinhetas numa pauta caleidoscópica: defesa da Lava Jato, não à lista
fechada e ao financiamento público de campanha, fim do foro privilegiado,
repúdio à mal denominada anistia do caixa 2, alguma coisa que não entendi sobre
o estatuto do desarmamento, reformas “justas” que acabem com “privilégios”. Me
parecia contraproducente ir às ruas com essa pauta inconsistente e receava que
os adeptos da súcia se aproveitariam da eletricidade para artificializar uma
crise que os infle e vulnerabilize o governo que, para eles, sempre será
malvado ou ilegítimo se não for um governo deles.
O primeiro sucesso de Chuck Berry, o sensacional
construtor do rock falecido há alguns dias e cujo lume reluz em todo pop que
presta, não é a minha música preferida dele, mas é ela que navega longe nas
pequenas Voyager 1 e 2. Em 1977, elas partiram levando, a quem interessar possa
registros, com saudações dos humanos em várias línguas; sons da erupção de um
vulcão, do mar e das vozes de animais; e músicas. Lançar ao espaço amostras do
que somos testifica nossa solidão existencial na fantasia de não apenas sermos
encontrados, mas também compreendidos; pois não é a incompreensão a forma
absoluta de solidão?
Essa polarização que cindiu o país atinge as
instituições perigosamente, vê-se pela arenga de Gilmar Mendes e Rodrigo Janot.
Perante a estridência do debate no qual só não se ouve a razão, simpatizo com a
coragem de Mendes em iluminar aspectos relevantes disso-tudo-que-está-aí
atropelados pela tônica cega de terra arrasada. Desta vez, abordou o vazamento
da lista do Janot, cometido por procuradores obrigados por lei ao sigilo
funcional. Ora, o procurador-geral anulara a delação de Leo Pinheiro
intempestivamente, pretextando o vazamento havido, e Mendes levantou a
possibilidade de anular algumas provas numa situação similar. Deltan
Dallagnol – que identificou o comandante máximo da organização criminosa
deixa-o solto, e vem dizer comodamente que “o maior risco à Lava Jato é a
sociedade se acomodar” – entrou de sola declarando que a anulação “não tem pé
nem cabeça”, sem mostrar onde estão o pé e a cabeça do descarte da delação de
Leozinho.
A quem prefere se aproximar da realidade por lente
mais simplista e passou a tachar Mendes de tucano e/ou porta-voz dos delatados,
lembro que o então vice-presidente do TSE demonstrara a Rodrigo Janot que
indícios ligando Dilma ao que ela estava umbilicalmente ligada exigiam uma
auditoria nas contas da campanha de 2014. O procurador-geral, que àquela época
“não fugia dos círculos de comensais que cortejam desavergonhadamente o poder”,
preferiu jantar com Dilma Rousseff em agosto de 2015, desprezou a recomendação
de Mendes e exortou “os derrotados a aceitarem o resultado das urnas”.
Aparentemente, concluíra que Mendes e os investigadores da Lava Jato tinham
disputado as eleições. Despreocupado com “a decrepitude moral” de não
investigar o agora eviscerado mecanismo inédito pelo qual o PT nos roubou para
pagar a Odebrecht para que ela pagasse a reeleição, Janot acusa Mendes do que
ele mesmo fizera. O chilique na desproporcional resposta ao presidente do
TSE liquida a razão que o procurador-geral nunca teve, mas também avisa que a
coisa já deu: ambos saibam que respeito é bom e os brasileiros gostamos,
nós que lhes pagamos o salário não precisamos ser expostos a mais essa baixaria
institucional que só ajuda a bandidagem. Tenham algum decoro senhores, vão
trabalhar!
Meus amigos se desculparam por não terem nada para
mim, brindei ao outono e àquela luz, a Chuck Berry e ao país. Dois deles iriam
à manifestação, acham que político-é-tudo-igual e estão revoltados com a
possibilidade da lista fechada. Mas se são-todos-iguais, tanto faz lista
fechada ou aberta, certo? A renovação política será progressiva e consistente
se fizermos a reforma política-eleitoral com voto distrital e financiamento
privado. Todos os delatados devem ser investigados e responder pelo que
fizeram, mas lamentarei se provar algo contra os tucanos citados porque os considero
os melhores administradores na história recente.
Por favor, sem essa de que Fernando Henrique
Cardoso preparou o terreno para a escória petista. Num trabalho hercúleo (leia
os “Diários da Presidência”), FHC preparou o país para a modernidade. Os crimes
de Lula e Dilma são gozosa escolha de Lula e Dilma; a percepção contrária é
miragem que iguala quem ergueu o Brasil a quem o afundou. Me pergunto quando a
lucidez a dissolverá demonstrando que a ocasião não faz o ladrão, mas este é
que a faz; que o criador e a criatura abjetos delinqüem independentemente da
ocasião. Ora, a dupla abjeta instalava o petrolão enquanto se investigava o
mensalão. Teria a investigação preparado terreno para o petrolão? Francamente.
Repudio o financiamento público de campanha, mas o
privado está vetado pela cegueira ideologizada do STF. Quanto à lista ser
fechada ou aberta, cabe perguntar qual a cor do cavalo branco de Napoleão. A
lista, aberta ou fechada, será sempre a dos caciques. Numa, eles decidem os
candidatos que poderão ser votados, noutra também. Ah, mas na aberta o eleitor
escolhe diretamente em quem votar. É? Pelo coeficiente eleitoral, só 34 dos 511
deputados federais se elegeram com votos próprios, os outros 477 não seduziram
o eleitor, mas os campeões de voto de cada partido cuja votação ultrapassou o
coeficiente têm o excedente transferido aos correligionários e até para
partidos coligados. Assim, elegemos, com a lista aberta, candidatos e partidos
nos quais não votamos. Portanto, a lista fechada, que traz, sim, o nome dos
candidatos – ao contrário do que dizem os incendiários da desinformação – e na
ordem em que os votos do partido serão distribuídos, confirma o que a aberta
não evita: a cor do cavalo branco de Napoleão é branca.
Importa, sim, a defesa da Lava Jato porque, depois
de Lula e Dilma agirem objetivamente para obstruir a justiça, ambos permanecem
chafurdando na liberdade – e nem têm foro privilegiado! –, assim como o
bandido-com-blog Eduardo Guimarães que admitiu a Sérgio Moro ter feito o mesmo.
Será que a lei está prevalecendo ao deixar soltos os comandantes da nossa ruína
tramando voltar para concluir o desmanche do país? Eis a ameaça à Lava Jato, ao
que ela nos deu e à trilha árdua que começamos a abrir para longe do abismo a
que o PT nos trouxe.
Na despedida, confirmei que não iria à
manifestação. O que você vai fazer, quanto a trabalho, querida Valentina?
Johnny B. Goode costumava se sentar debaixo de uma árvore perto da linha do
trem para tocar guitarra e os passantes se admiravam – esse garoto toca mesmo.
Sigo tocando minha guitarra, sem sonhar com o estrelato como Johnny e, enquanto
é outono, aprecio esta luz e a minha música preferida do gênio que foi morar
nas estrelas. Quer ouvir?
Comentários
Tribuna da Internet
Ou, para aqueles que não gostam de palavrão, diário do centro
do mundo
Marcus Jardim
Oi, Valentina, nem vou comentar o texto, pois, como dizia
minha avó, não tem o que tirar nem pôr!
Minha observação é quanto ao post anterior, sobre a carne
fraca, que não consegui acessar e agora “sumiu” da coluna.
Como recuperá-lo?
PS.: Se minha empresa não fosse de engenharia, e não
estivesse tão longe de você (Palmas – TO), te contrataria na hora… como minha
chefe e mentora!
Vlady Oliver
Minha querida Valentina Boots discordará de mim até o fim dos
tempos – quando nos encontrarmos com Chuck Berry – de que estes políticos que
aí estão são rigorosamente a lesma lerda, uns dando escada para os outros na
roubalheira. Refiro-me à imagem de produto que eles refletem. Carne podre. Algo
que o distinto público já não consegue engolir pelas vias normais, quanto mais
pelas anormais. Temos uma diferença na forma, não no conteúdo, minha querida.
Uma forma que transforma Gilmar, o Mendes, naquilo que estamos vendo dele. Ele
não está só. Todos os outros também estão pregando miseravelmente no vazio, com
suas caras parvas, tentando fazer com que o público se encaixe em seu discurso,
e não o contrário. Não vai dar pé. Quando muito, vai dar braço. Chegamos
naquele ponto onde nenhum argumento racional cola, minha cara. Pode desistir de
salvar seu ex-presidente, hehehe. Quanta farinha no mesmo saco!!!
A DITADURA DA FORMA
Venho tentando alertar minha querida amiga que o país entrou
numa “ditadura da forma” que, sob alguns aspectos, é pior que a ditadura
declarada e morta dos petistas. Vi uma brilhante entrevista no canalzinho
vermelho da platinada – sim, elas existem – onde a jornalista entrevistada
falava da herança do socialismo. Ele, ao menos, estipulava um mínimo de
serviços básicos para engabelar a nação em que se aboletava. O pós-socialismo
nem isso. Rouba tudo o que vê pela frente, sem um pingo de escrúpulos ou
coerência. Para calar seus adversários, nada de truculência ou militância.
Bastam meia dúzia de “aplicativos” que inviabilizem a forma como você se
comunica. Simples assim. Tá todo mundo pregando no deserto. Sua excelência, a
audiência, sumiu do mapa. Porque será, não é mesmo? Quanta verdade ainda falta
boiar nessa latrina? Quantos defensores do indefensável ainda vão desfilar
nessa avenida? Fala serio. Eu falaria. O Dória vem tentando…
Wanda
Oi Valentina, boa tarde. Ainda bem que você voltou, no post
anterior só entendi a primeira parte. Gosto da maneira como escreve sobre
política, dando uma pincelada de poesia, cultura, música… PSDbista que sou,
concordo com você: os tucanos são os melhores administradores, de Franco
Montoro ao atual gov. Alckmin, isso falando só do nosso Estado de São Paulo.
Não vejo a hora para que tudo fique logo esclarecido e o nosso país volte a
progredir e a ter ordem. Um abraço.
Valentina De Botas
Marcus Jardim, obrigada pelas palavras e pelo oferecimento do
emprego, a gente está realmente bem longe, mas hoje, com o home office, as
distâncias que resistem não são mais as geográficas, não é mesmo? O texto sobre
a operação da PF “a carne é fraca” é um comentário ao post do nosso Deonísio da
Silva publicado na coluna domingo passado (http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/deonisio-da-silva-ovelha-negra-da-familia-e-bode-expiatorio/). Meu comentário está ancorado nesse
post e só faz sentido com essa referência. Esse aviso serve também para a minha
cara Wanda, com um abraço para os dois. Oliver, talvez discordemos mesmo depois
de nos encontrarmos com Chuck Berry (adorei isso). Não adianta: não igualo quem
fez o plano Real a quem fez o petrolão. E, por enquanto, vamos de Dória que
bate em Lula – coisa que os tucanos sempre evitaram -, FHC e desafia
igrejinhas. Parece que já não se fazem mais tucanos como antigamente e isso
parece bom. Mas também gosto do Ronaldo Caiado e da Maria Amélia, senadora do
PP (acredita?) do RS, Cássio Cunha Lima, Magno Malta e outros poucos. Talvez
eles repovoem a terra arrasada. Bjs. Augusto, obrigada pelo espaço, Bjs.
VPB
Texto cristalino, lúcido e pertinente, Valentina! Parabéns!
Sergio
Vamos resumir assim: Os brasileiros e brasileiras da razão e
coração, são comedidos nas suas ações, e não aceitam ser massa de manobra, ou
seja, terem que sair às ruas á todo momento, para que as instituições
federativas com seus entes com cargos, mandatos e togas cumpram suas obrigações
constitucionais e juramentos de função. Estes entes do poder são pagos e muito
bem pagos, para trabalharem para os interesses da pátria, seja no poder
legislativo, no executivo e no judiciário. A adesão foi baixa, como dito por
aí, pois estes movimentos de massas espontâneas agem na linha do tempo adequada
e na criticidade dos feitos. Portanto, se isto ocorrer, não será para os três
poderes e a justiça de olhos vendados trabalharem, e sim, para fundar a nova
república. O evento da Teoria dos Ratos está em ação, para restabelecer o
equilíbrio neste caos e anarquia que um projeto insano de poder pelo poder
fomentou por Terras Brasilis. Existe a sinergia deste evento com os brasileiros
e brasileiras da razão e coração, e a nova república surgirá, com emoção ou sem
emoção, vai depender destes entes e agentes de cargos, mandatos e togas que estão
no poder. O evento e nós, esperamos que não seja com emoção, pois, aí, o
coração pode prevalecer sobre a razão.
Narciso Lopes
Valentina você é fantástica. Brilha igual ao J.B.Good que é a
minha favorita.
Show de comentário, inteligente, verdadeiro, divertido, poético.