A “reforma política” é mais um grande momento na história nacional da
vigarice
Por J.R.
Guzzo, 11/08/2017,
www.veja.com.br
Sempre que aparece no noticiário a informação de
que os políticos deste país estão fazendo alguma coisa “enxuta”, você já pode
contar: estão preparando mais um golpe do vigário contra os seus interesses, e
particularmente contra o seu bolso. A palavra “enxuta”, no dialeto do governo e
de todos os partidos, sem exceção, quer dizer que a medida a ser tomada vai se
resumir a meia dúzia de coisinhas que não resolvem absolutamente nada daquilo
que teria realmente de ser resolvido; em compensação, essas mesmas coisinhas
sempre trazem benefícios materiais, diretos e imediatos para suas excelências.
Esse modus operandi, como se diz nas delegacias de polícia, tem uma dupla
vantagem. De um lado, fornece aos senhores parlamentares da extrema esquerda,
da extrema direita e do extremo centro uma desculpa prévia por não aprovarem as
providências que tinham a obrigação de aprovar – afinal, trata-se de uma coisa
“enxuta”, resumida, e, portanto não há espaço para incluir ali as decisões
importantes, que precisam ser estudadas com calma e devem ser tomadas com
prudência, no futuro. De outro lado, permite que eles enfiem no projeto, sem
chamar muita atenção, as mudanças que realmente estão querendo para já – as
mais urgentes e mais rentáveis. Como se trata de uma operação “enxuta”, da qual
nem vale a pena falar muito, fica mais fácil esconder os seus truques lá
dentro: se tivessem de socar de uma vez só tudo o que ambicionam, estariam
correndo o risco de uma overdose.
A “reforma política” prestes a ser apreciada pelo Congresso é mais uma bela obra na arte de roubar no jogo com
a desculpa de “fazer o possível agora, e o ideal mais tarde”. Na realidade, o
que se tem é safadeza já, e o correto nunca. Essa reforma é o que há, em
matéria de mudança “enxuta”. Não vai mexer (fica para “depois”, a partir de
2020, 2030, etc.) em nenhuma das aberrações mais infames da atual legislação
eleitoral – fim do voto obrigatório, fim do horário político obrigatório no
rádio e tevê, fim dos partidos de aluguel, fim dos vices e por aí afora. “Não é
o momento” para mudar nada disso, dizem os nossos representantes. Considerou-se
um exagero, por exemplo, exigir que um partido tenha pelo menos 3% dos votos
nas eleições para continuar existindo – ou melhor, para continuar metendo no
bolso o dinheiro que o erário distribui através do “fundo partidário”. Basta que consigam 1,5%. É bom para os pequenos,
claro, e para os grandes, que querem garantir a existência no Congresso de um
estoque de votos sempre prontos para a compra e venda, na hora de aprovar ou
rejeitar alguma coisa no plenário.
Sobra o que, então, na “reforma enxuta”?
Exatamente aquilo que se podia esperar. Inventaram um negócio chamado “distritão”,
que 99% da população não sabe o que é, para evitar o perigo do voto distrital, adotado em todas as democracias que funcionam – a
única mudança realmente capaz de melhorar o sistema eleitoral criminoso que
vigora no Brasil. Mais que tudo, naturalmente, foram direto para cima do Tesouro Nacional: propõem a criação de mais um fundo para o
“financiamento público” das campanhas eleitorais, que será sustentado com os
impostos pagos pelos eleitores. Estão querendo dinheiro grosso: de 3,5 a 4
bilhões de reais já em 2018, ou até cinco vezes mais os 800 milhões por ano do
atual “fundo partidário”. O pai da proposta é um deputado do PT – mas os
partidos adversários são cúmplices integrais desse roubo. Para completar o
serviço, Sua Excelência pretende chamar essa trapaça de “fundo de financiamento
à democracia”. Como se diz, é juntar o insulto à injúria.
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