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sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

“Razão x felicidade” e outras notas


Para petistas, Lula foi condenado sem provas. Para mim, ele merece cadeia tanto pelo que deixou de fazer pelo país como pelo que foi e ainda será condenado

Por Augusto Nunes, 01/02/2018,
www.veja.com.br


Texto de Valentina de Botas


Embarcaram no metrô na estação Faria Lima sentido Paulista.
ELA: Você disse na Vital Brasil.
ELE: Eu não disse na Vital Brasil, eu disse no Butantã.
ELA: Você disse na Vital Brasil, tenho certeza.
ELE: Eu disse no Butantã, até pensei que era na Vital Brasil, mas você disse no Butantã.
ELA: Eu não disse no Butantã, não diga o que eu não disse.
ELE: Você disse no Butantã, que conhecia o lugar e que era no Butantã.
ELA: Mas era você que estava com o endereço e disse que era na Vital Brasil.
ELE: Eu não disse na Vital Brasil, eu disse no Butantã.
ELA: Você pensa ter dito Butantã, mas disse Vital Brasil.
ELE: Você nem escuta o que eu digo, não vai saber o que penso.
ELA: Você que pensa. Tanto escuto que escutei você dizer na Vital Brasil.
Desceram na estação seguinte ainda discutindo.
Variações sobre o mesmo tema

“A prisão é cabível, mas não deixa de causar certos traumas a prisão de um ex-presidente” (juiz Sérgio Moro, junho/2017, na sentença em que condenou Lula a 9 anos de prisão).

“A prisão de Lula incendiaria o país” (Marco Aurélio, janeiro/2018, ministro do STF, em entrevistas depois de o TRF4 confirmar a condenação).

“Lula deve ser vencido nas urnas” (um monte de gente sem noção que nunca venceu Lula nas urnas e que aparentemente ignora o trio de “eleitores” do TRF4). Tiremos nossas conclusões, os cidadãos que cumprem a lei e, se não a cumprissem, nenhum juiz se preocuparia com os traumas ou o poder comburente de nossa prisão.

Para petistas e alguns poucos analistas, Lula foi condenado sem provas. Para mim, ele merece cadeia tanto pelo que deixou de fazer pelo país como pelo que foi e ainda será condenado. Recebeu o Brasil pronto para crescer e ter consolidadas as reformas iniciadas por FHC. Preferiu roubar como nunca para ficar no poder para sempre, podando nosso futuro e nos mantendo num tempo arcaizante. Mesmo solto com o seu PT que morre um pouco mais todo dia de petismo, que nunca mais se erga da cova moral que sua alma e práxis obscenas cavaram.
STF: tese e antítese

O guardião da Constituição Federal formou maioria no ano passado, sem concluir a votação, determinando que a presunção da inocência, garantida na Constituição então desguardada, já se desfaz com a condenação em segunda instância e o condenado pode, a critério do juiz, ter a bondade de se encaminhar à cadeia designada. A votação ainda precisa ser definida para a redação do acórdão, a formalização da jurisprudência que pautará decisões futuras. Mas Cármen Lúcia, em outra de suas frases de imprestável bolo de aniversário demagógico, apequenou o STF ao recitar que não colocará o assunto em pauta porque o Tribunal se apequenaria se mudasse a votação em função de Lula. Assim, fazendo de Lula uma referência quando há outros casos esperando o fechamento da mesma questão, a presidente do STF apequena a Corte e a si mesma num desgaste triplamente desnecessário: outros ministros com casos pendentes terão de trazer o assunto à pauta; se a decisão for mantida, Lula (se chegar a ser preso) recorrerá e será solto em horas; se revista a decisão, Lula permanecerá solto.
STF: síntese

Para aqueles que continuam achando que ministro do STF tem de ser popular (só o santo Antonin Scalia na causa!), deem um tempo nas pancadas em Gilmar Mendes, olhem para o conjunto do STF e atentem para o lembrete: o relator da Lava Jato no STF, o ministro que decide habeas corpus no âmbito da operação, é Edson Fachin. Admirador do MST, cabo eleitoral de Dilma Rousseff e escolhido republicamente por ela para o STF com todo o apoio de Álvaro Dias e João Stédile, é ele quem decidirá o claro enigma.
Soltem Cabral, prendam Bretas

É este o bordão dos defensores do juiz Marcelo Bretas, criticado por ter recorrido de uma decisão do Conselho Nacional de Justiça que veta a casais de juízes o recebimento do imoral auxílio-moradia (garantido e ampliado por liminar do ministro Luiz Fux, que há 4 anos evita sua apreciação). O infantilismo patológico de marmanjos que enxergam mitos e salvadores da pátria em seres humanos passíveis de erros, como quaisquer outros, leva juízes e procuradores da Lava Jato a serem tratados (inclusive entre si) com a mesma adoração que petistas dedicam a Lula e fanáticos admiradores de Bolsonaro devotam ao deputado, numa ídolo-dependência que trava a objetividade. Por mais extraordinário que seja o trabalho da Lava Jato, os respectivos integrantes não pairam em dimensões superiores ao espírito humano. O mote da defesa a Bretas traduz que o fato de o juiz ter condenado Cabral legitima o esbulho da sociedade por uma casta de privilegiados. Confrontado no Twitter por rejeitar a moralidade exigida nos outros, Bretas se inspirou em Mae West. A atriz dizia que, arrependida da vida dissoluta que levava, decidiu mudar: parou de se arrepender. Atracado a seus privilégios, Bretas também se arrependeu: resolveu sair do Twitter. E assim, torna-se obrigatório evidenciar o óbvio para quem não o vê cegado pelo fanatismo: o combate à corrupção dispensa auxílio-moradia, auxílio-creche, auxílio-paletó, auxílio-livro, etc., e a mãe de todos os auxílios: tudo livre de impostos. Quero os delinquentes punidos e o fim de privilégios sustentados pelo Estado quebrado porque, entre ser roubada por uma súcia de políticos e exaurida por uma casta de privilegiados, prefiro a civilização. Tem jeito ou está difícil?
Coordenadas: Cristiane Brasil

O desnecessário ministro do Trabalho num inútil Ministério do Trabalho ser determinante para a fundamental Reforma da Previdência reafirma: o modelo presidencialista brasileiro se esgotou.
Não fique triste que este mundo é todo teu

Esta chuva… este cheiro de dama-da-noite… estas reticências. Sei lá, né, Antônio Maria? “A única maneira de lidar com um mundo sem liberdade é tornar-se tão absolutamente livre que sua existência seja um ato de rebeldia”, frase de Albert Camus. Gosto dela e de outras tantas afirmações bacanas que teorizam sobre fazer as coisas de um jeito inteligente, eficaz, bom, corajoso, generoso, independente, livre, inovador, original, justo, certo, paciente, arrojado e tal. Pena que não parece muito o jeito da gente, que a profundidade retórica delas não alcance a trivialidade do real e nenhuma delas cogite a pia cheia de louça, o metrô que parou por quase meia hora, o pensamento disperso no cheiro de dama-da-noite que sobe do jardim do condomínio e invade a pequena sala do apartamento já ocupada pela voz de Orlando Silva (ó jardineira, por que estás tão triste/mas o que foi que te aconteceu?), a grana curta, a humildade ou a coragem insuficientes para aceitar o que é imutável e mudar o que já não é mais, sem falar desta espinha dispensável e inflamada no queixo. E a gente ainda é chamada de exigente por querer resolver coisas tão triviais. Bem, só posso terminar com outra frase, desta vez da Clarice Lispector: “Não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta”.


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