Para
petistas, Lula foi condenado sem provas. Para mim, ele merece cadeia tanto pelo
que deixou de fazer pelo país como pelo que foi e ainda será condenado
Por Augusto Nunes, 01/02/2018,
www.veja.com.br
Texto de Valentina de Botas
Embarcaram
no metrô na estação Faria Lima sentido Paulista.
ELA: Você
disse na Vital Brasil.
ELE: Eu
não disse na Vital Brasil, eu disse no Butantã.
ELA: Você
disse na Vital Brasil, tenho certeza.
ELE: Eu
disse no Butantã, até pensei que era na Vital Brasil, mas você disse no
Butantã.
ELA: Eu
não disse no Butantã, não diga o que eu não disse.
ELE: Você
disse no Butantã, que conhecia o lugar e que era no Butantã.
ELA: Mas
era você que estava com o endereço e disse que era na Vital Brasil.
ELE: Eu
não disse na Vital Brasil, eu disse no Butantã.
ELA: Você
pensa ter dito Butantã, mas disse Vital Brasil.
ELE: Você
nem escuta o que eu digo, não vai saber o que penso.
ELA: Você
que pensa. Tanto escuto que escutei você dizer na Vital Brasil.
Desceram
na estação seguinte ainda discutindo.
Variações
sobre o mesmo tema
“A
prisão é cabível, mas não deixa de causar certos traumas a prisão de um
ex-presidente” (juiz
Sérgio Moro, junho/2017, na sentença em que condenou Lula a 9 anos de prisão).
“A prisão
de Lula incendiaria o país” (Marco Aurélio, janeiro/2018, ministro do STF, em entrevistas
depois de o TRF4 confirmar a condenação).
“Lula
deve ser vencido nas urnas” (um monte de gente sem noção que nunca venceu Lula nas urnas e que
aparentemente ignora o trio de “eleitores” do TRF4). Tiremos nossas conclusões,
os cidadãos que cumprem a lei e, se não a cumprissem, nenhum juiz se
preocuparia com os traumas ou o poder comburente de nossa prisão.
Para
petistas e alguns poucos analistas, Lula foi condenado sem provas. Para mim,
ele merece cadeia tanto pelo que deixou de fazer pelo país como pelo que foi e
ainda será condenado. Recebeu o Brasil pronto para crescer e ter consolidadas
as reformas iniciadas por FHC. Preferiu roubar como nunca para ficar no poder
para sempre, podando nosso futuro e nos mantendo num tempo arcaizante. Mesmo
solto com o seu PT que morre um pouco mais todo dia de petismo, que nunca mais
se erga da cova moral que sua alma e práxis obscenas cavaram.
STF:
tese e antítese
O
guardião da Constituição Federal formou maioria no ano passado, sem concluir a
votação, determinando que a presunção da inocência, garantida na Constituição
então desguardada, já se desfaz com a condenação em segunda instância e o
condenado pode, a critério do juiz, ter a bondade de se encaminhar à cadeia
designada. A votação ainda precisa ser definida para a redação do acórdão, a
formalização da jurisprudência que pautará decisões futuras. Mas Cármen Lúcia,
em outra de suas frases de imprestável bolo de aniversário demagógico,
apequenou o STF ao recitar que não colocará o assunto em pauta porque o
Tribunal se apequenaria se mudasse a votação em função de Lula. Assim, fazendo
de Lula uma referência quando há outros casos esperando o fechamento da mesma
questão, a presidente do STF apequena a Corte e a si mesma num desgaste
triplamente desnecessário: outros ministros com casos pendentes terão de trazer
o assunto à pauta; se a decisão for mantida, Lula (se chegar a ser preso)
recorrerá e será solto em horas; se revista a decisão, Lula permanecerá solto.
STF:
síntese
Para
aqueles que continuam achando que ministro do STF tem de ser popular (só o
santo Antonin Scalia na causa!), deem um tempo nas pancadas em Gilmar Mendes,
olhem para o conjunto do STF e atentem para o lembrete: o relator da Lava Jato
no STF, o ministro que decide habeas corpus no âmbito da operação, é Edson
Fachin. Admirador do MST, cabo eleitoral de Dilma Rousseff e escolhido
republicamente por ela para o STF com todo o apoio de Álvaro Dias e João Stédile,
é ele quem decidirá o claro enigma.
Soltem
Cabral, prendam Bretas
É este o
bordão dos defensores do juiz Marcelo Bretas, criticado por ter recorrido de
uma decisão do Conselho Nacional de Justiça que veta a casais de juízes o
recebimento do imoral auxílio-moradia (garantido e ampliado por liminar do
ministro Luiz Fux, que há 4 anos evita sua apreciação). O infantilismo
patológico de marmanjos que enxergam mitos e salvadores da pátria em seres
humanos passíveis de erros, como quaisquer outros, leva juízes e procuradores
da Lava Jato a serem tratados (inclusive entre si) com a mesma adoração que
petistas dedicam a Lula e fanáticos admiradores de Bolsonaro devotam ao
deputado, numa ídolo-dependência que trava a objetividade. Por mais
extraordinário que seja o trabalho da Lava Jato, os respectivos integrantes não
pairam em dimensões superiores ao espírito humano. O mote da defesa a Bretas
traduz que o fato de o juiz ter condenado Cabral legitima o esbulho da
sociedade por uma casta de privilegiados. Confrontado no Twitter por rejeitar a
moralidade exigida nos outros, Bretas se inspirou em Mae West. A atriz dizia
que, arrependida da vida dissoluta que levava, decidiu mudar: parou de se
arrepender. Atracado a seus privilégios, Bretas também se arrependeu: resolveu
sair do Twitter. E assim, torna-se obrigatório evidenciar o óbvio para quem não
o vê cegado pelo fanatismo: o combate à corrupção dispensa auxílio-moradia,
auxílio-creche, auxílio-paletó, auxílio-livro, etc., e a mãe de todos os
auxílios: tudo livre de impostos. Quero os delinquentes punidos e o fim de
privilégios sustentados pelo Estado quebrado porque, entre ser roubada por uma
súcia de políticos e exaurida por uma casta de privilegiados, prefiro a
civilização. Tem jeito ou está difícil?
Coordenadas:
Cristiane Brasil
O
desnecessário ministro do Trabalho num inútil Ministério do Trabalho ser
determinante para a fundamental Reforma da Previdência reafirma: o modelo
presidencialista brasileiro se esgotou.
Não
fique triste que este mundo é todo teu
Esta
chuva… este cheiro de dama-da-noite… estas reticências. Sei lá, né, Antônio
Maria? “A única maneira de lidar com um mundo sem liberdade é tornar-se
tão absolutamente livre que sua existência seja um ato de rebeldia”,
frase de Albert Camus. Gosto dela e de outras tantas afirmações bacanas que
teorizam sobre fazer as coisas de um jeito inteligente, eficaz, bom, corajoso,
generoso, independente, livre, inovador, original, justo, certo, paciente,
arrojado e tal. Pena que não parece muito o jeito da gente, que a profundidade
retórica delas não alcance a trivialidade do real e nenhuma delas cogite a pia
cheia de louça, o metrô que parou por quase meia hora, o pensamento disperso no
cheiro de dama-da-noite que sobe do jardim do condomínio e invade a pequena sala
do apartamento já ocupada pela voz de Orlando Silva (ó jardineira, por que
estás tão triste/mas o que foi que te aconteceu?), a grana curta, a humildade
ou a coragem insuficientes para aceitar o que é imutável e mudar o que já não é
mais, sem falar desta espinha dispensável e inflamada no queixo. E a gente
ainda é chamada de exigente por querer resolver coisas tão triviais. Bem, só
posso terminar com outra frase, desta vez da Clarice Lispector: “Não aguento a resignação. Ah,
como devoro com fome e prazer a revolta”.
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