Por Augusto Nunes, 30/07/2015, www.veja.com.br
Texto de José Nêumanne publicado no
Estadão
Que WikiLeaks, que Swissleaks, que cartéis mexicano e colombiano de
drogas, que Fifagate, que nada! O escândalo top do mundo hoje é outro. Nada se
lhe compara em grandeza aritmética, ousadia delituosa ou desrespeito a valores
éticos. E é coisa nossa! Embora nada tenhamos a nos orgulhar de que o seja. Ao
contrário!
Após se ter oposto ferozmente à
escolha de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral para dar início à Nova
República; à posse e ao governo de José Sarney, a Fernando Collor, que ajudou a
derrubar; ao sucessor constitucional deste, Itamar Franco, de cuja ascensão
participou; e a Fernando Henrique Cardoso, o Partido dos Trabalhadores (PT)
chegou ao governo federal com seu maior líder, Luiz Inácio Lula da Silva, e se
lambuzou no pote de mel do poder sem medo de ser feliz.
O primeiro objetivo caiu-lhe no colo
como a maçã desabou sobre a cabeça de Newton. Era de uma obviedade acaciana.
Sob crítica feroz da oposição, que o PT comandava, os tucanos privatizaram a
Telebrás e, devidamente desossado, o filé apetitoso das operadoras de telefones
foi devorado na nova administração. Sob as bênçãos e os olhos cúpidos do padim
Lula, a telefonia digital foi entregue a consórcios nos quais se associaram
algumas operadoras internacionais, com a experiência exigida no ramo, burgueses
amigos e fundos de pensão, cujos cofres já vinham sendo arrombados pelos
mandachuvas das centrais sindicais. Nunca antes na história deste país houve
chance tão boa para mergulhar na banheira de moedas do Tio Patinhas.
Só que o negócio era bom demais para
ser administrado em paz. Logo os concessionários se engalfinharam em disputas
acionárias, que mobilizaram a Polícia Federal (PF), a Justiça nacional, os
órgãos de garantia de combate a monopólios e até instrumentos de arbitragem
internacional. No fragor da guerra das teles, os primeiros sinais de maracutaia
dividiram as grandes rotas com os aviões de carreira. Sabia-se que naquele
pirão tinha caroço. Mas quem ficou com a parte do leão?
Impossível saber, pois este
contencioso está enterrado sob sete palmos de terra. Desde o Estado Novo, os
sindicatos operários ou patronais administram sem controle externo caixas que
têm engordado ao longo do tempo com a cobrança da Contribuição Sindical, que
arrecada um dia de trabalho de todo trabalhador formal no Brasil, seja ou não
sindicalizado. Sob a égide de Lula, as centrais sindicais foram incluídas na
divisão desse bolo gordo e açucarado. E o sistema financeiro, acusado de ser a
sanguessuga do suor do trabalhador, incorporou a esse cabedal os fundos de
pensão. Sob controle de dirigentes sindicais, estes ocultam uma caixa-preta que
ninguém tem poder nem coragem para abrir.
Só que o noticiário sobre tais
episódios foi soterrado pela avalanche de denúncias provocada pelas revelações
da Ação Penal (AP) 470, já julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e
conhecida popularmente pela denominação que lhe foi dada pelo delator, Roberto
Jefferson – o mensalão. Agora, após seu julgamento ter sido concluído e com os
réus condenados, este é visto quase como lana-caprina desde a eclosão de outro
mais espetacular: a roubalheira do propinoduto da Petrobras devassada pela
Operação Lava Jato. Mas a cada dia fica mais claro que os dois casos se
conectam e se explicam.
A importância de elucidar um crime ao
investigar outro foi comprovada quando, na Operação Lava Jato, a PF encontrou
nos papéis de Meire Poza, contadora do delator premiado Alberto Youssef, a
prova de que o operador do mensalão, Marcos Valério, deu R$ 6 milhões ao
empresário Ronan Maria Pinto, como tinha contado em depoimento referente à AP
470. Segundo Valério, essa quantia evitaria chantagem de Ronan, que ameaçava
contar o que Lula e José Dirceu tinham que ver com o seqüestro e a morte de
Celso Daniel, que era responsável pelo programa de governo na campanha de 2002.
Mas nem essa evidência da conexão
Santo André-mensalão-petrolão convence o PSDB a dobrar a oposição do relator da
CPI da Petrobras, Luiz Sérgio (PT-RJ), e levar Ronan a depor, como tem
insistido a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP). É que os tucanos articulam uma
aliança com o atual dono do Diário do Grande ABC para enfrentar o petista
Carlos Alberto Grana na eleição municipal de Santo André. E este corpo mole
pode dificultar o esclarecimento da verdade toda.
A Lava Jato já produziu fatos antes
inimagináveis, como acusações contra os maiores empreiteiros do País e até a
prisão de vários deles. É o caso de Otávio Azevedo, presidente da Andrade
Gutierrez, que presidia o Conselho de Administração da Oi na guerra das teles.
Isso revela mais um investigado em mais de um escândalo. Como Pedro Corrêa e
José Dirceu, acusados de receber propina da Petrobras quando cumpriam pena pelo
mensalão.
A Consuelo Dieguez, em reportagem da
revista Piauí, publicada em setembro de 2012, Haroldo Lima, que tinha sido
demitido por Dilma da presidência da Agência Nacional de Petróleo, disse que,
no Conselho de Administração da Petrobras, ele, a presidente e o ex-presidente
da estatal José Sérgio Gabrielli só votavam como o chefe mandava. E agora Lula
é investigado por eventual lobby para a Odebrecht no exterior em obras
financiadas pelo BNDES, a ser devassado em breve numa CPI na Câmara.
E a Lava Jato chegou à eletricidade.
Walter Cardeal, diretor da Eletrobrás que acompanha Dilma desde o Rio Grande do
Sul, foi citado na delação de Ricardo Pessoa, tido como chefe do cartel do
petrolão, acusado de ter negociado doação de R$ 6,5 milhões à campanha da
reeleição dela. Othon Silva, presidente licenciado da Eletronuclear, foi preso
ontem, sob suspeita de ter recebido propina.
Teles, fundos de pensão, Santo André,
mensalão, BNDES, eletrolão e petrolão não são casos isolados. Eles compõem um
escândalo só, investigado em Portugal, Suíça e EUA: é este Brasil de Lula e
Dilma.