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quinta-feira, 20 de agosto de 2015

País à deriva



Por Míriam Leitão, 11/08/2015,
 www.oglobo.com.br

A presidente Dilma tem resistido a mudanças no governo e a fazer qualquer concessão para atenuar a crise, argumentando que seu mandato é legítimo e foi conquistado nas urnas. De fato é, como era o do ex-presidente Fernando Collor e do ex-presidente americano Richard Nixon. Mesmo no presidencialismo, existem processos que abreviam mandatos. Ela precisa entender os riscos e a missão.
No delicado momento atual, não basta à presidente a dureza conquistada em lutas antigas. O ambiente é outro, as armas também devem ser. Na democracia, quando há uma crise de confiança desta dimensão que há no Brasil, o chefe do Executivo precisa ouvir as ruas. E elas estão cheias de eleitores arrependidos de terem votado na presidente.
Mais do que sobreviver no cargo, a presidente precisa tornar seu governo operacional. Hoje, a sensação que se tem é que ninguém governa o Brasil. O país está à deriva, se debatendo entre ondas de pessimismo na economia e de desorganização da base de sustentação do governo. Diante disso, ela precisa reorganizar as forças políticas e tomar decisões que ajudem a aumentar o apoio nas fatias do eleitorado que a rejeitam hoje, entre essas fatias estão milhões que votaram nela e se decepcionaram. Ninguém governa contra a opinião majoritária do país. Essa fragilidade presidencial é fonte de instabilidade.
A presidente decidiu rejeitar as propostas de reforma ministerial e redução do número de ministérios. Está cobrando apoio da sua base esfacelada e repete que tem um mandato dado pelas urnas. O único movimento que pode vir a fazer, segundo os jornais, é se reunir com o MST e a UNE. Sinceramente, ela acha que isso vai melhorar a governabilidade? O MST dará seu apoio à presidente. E daí? Isso vai fortalecê-la nas fatias da classe média que a abandonaram? Ela acha, com toda sua experiência de militante na juventude, que a UNE de hoje, cuja presidência há décadas é decidida em conchavos, representa mesmo os estudantes universitários do Brasil?
A crise econômica começou antes da crise política. Ela foi plantada pelas decisões tomadas no primeiro mandato. A situação atual das contas públicas requer cortes de gastos e aumento de arrecadação, medidas que precisam ser negociadas com o Congresso. Como o governo perdeu o controle de sua base parlamentar, principalmente na Câmara dos Deputados, freqüentemente são aprovadas medidas que vão na direção contrária do que é necessário. Isso aumenta o risco da perda do grau de investimento e eleva a crise de confiança entre os empresários.
O mercado financeiro está pessimista, mas também os consumidores e os empresários. Ontem, o Boletim Focus, que reúne semanalmente projeções de 100 instituições financeiras e consultorias, projetou a recessão de quase 2% para este ano e previu crescimento zero no ano que vem. O Itaú anunciou que fez novos cenários econômicos. Para o departamento econômico do banco, o país terá uma recessão de 1% no ano que vem. Outras instituições estão agora revendo para pior a projeção de 2016, e isso deve levar em breve o número do Focus também para o negativo. 
Ontem foi um dia de surpresas no mercado com queda forte do dólar, depois de o real ter sido a moeda que mais se desvalorizou este ano. E a bolsa subiu. A queda do câmbio e a alta da bolsa não significam redução do problema. Na verdade, essa volatilidade é sintoma da crise. O que aconteceu com o dólar tem a ver, em grande parte, com a intervenção do Banco Central no mercado de câmbio.
Em conjuntura política tão conturbada, é normal a oscilação de indicadores de forma intempestiva. O governo precisa se fortalecer para que haja um clima de maior normalidade que tranqüilize consumidores e investidores. Os índices medidos pela Fundação Getúlio Vargas mostram uma perda generalizada da confiança na economia. A confiança dos consumidores já caiu 14% este ano e atingiu o menor número da série histórica. A do empresário do comércio caiu 17% e da indústria, 18%, na mesma comparação. No setor de serviços, o recuo foi de 22%, e na construção, 26%.
É por isso que a presidente precisa mudar o governo, fazer a reforma administrativa que encomendou ao Ministério do Planejamento, melhorar a articulação política. A economia não pode ficar sangrando enquanto sua base se dissolve deixando o governo pendurado no ar.

"A corrupção mata mais que um homicídio", diz o procurador Dallagnol



Para o coordenador da Lava Jato em Curitiba, o combate à corrupção exige mudanças nas leis
Por Flávia Tavares, 06/08/2015,
 www.época.com.br

O procurador Deltan Dallagnol, um dos responsáveis pela Operação Lava Jato. Contra a corrupção, ele lembra que punição dura e garantia de punição são medidas distintas, ambas necessárias

O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba, lançou em 27 de julho um vídeo em que convoca os cidadãos a participar de um abaixo-assinado. A iniciativa é parte de uma campanha do Ministério Público Federal, que propõe 10 medidas contra a corrupção. Se forem colhidas 1,5 milhão ou mais de assinaturas, as medidas podem se tornar um projeto de lei de iniciativa popular, como aconteceu com a Ficha Limpa. O vídeo de Dallagnol passou a ser compartilhado em redes sociais. O procurador falou com ÉPOCA sobre a campanha e sobre a esperança que a Lava Jato trouxe aos brasileiros. "A Lava Jato traz esperança, porque pela primeira vez estão sendo atingidas pessoas de alto nível econômico e político de modo simultâneo. E porque nunca vimos cifras de recuperação de valores nem perto do que estamos vendo nesse caso. Mas a esperança de transformação  profunda só vai ser alcançada por meio de mudanças sistêmicas", diz Dallagnol.

ÉPOCA - Qual o objetivo final das dez medidas propostas pelo Ministério Público Federal de combate à corrupção?

Deltan Dallagnol - As medidas têm três enfoques principais. O primeiro é preventivo, é evitar que a corrupção aconteça. O segundo enfoque é conseguir a punição e a recuperação desses valores desviados de modo adequado. E o terceiro é acabar com a impunidade. Não adianta termos a punição adequada se a impunidade persistir. Existe uma relação muito estreita entre corrupção e impunidade. É um círculo vicioso. Quem diz que a impunidade estimula a corrupção não é o Deltan, mas são as pessoas que mais estudam corrupção no mundo. São autores como Susan-Rose Ackerman, referências mundiais no assunto. Eles dizem que a pessoa que pratica corrupção faz uma análise de custo e benefício. Nos custos, a pessoa analisa o tamanho e a probabilidade de punição. Autores de criminologia americana que estudam o crime de colarinho branco também citam a punição séria e efetiva uma política sadia de enfrentamento desse tipo de crime. Digo isso porque há o discurso de que a punição não resolve o crime. Mas depende do tipo de crime cometido. A criminalidade de rua não segue essa regra. Crimes passionais ou praticados por pessoas viciadas, fora do eixo, são diferentes. A corrupção é um crime racional e envolve essa análise de custo benefício.

ÉPOCA - E quais são as principais medidas?

Dallagnol - Na parte preventiva, nós propusemos a vinculação de um percentual da publicidade da União, dos Estados e dos municípios a campanhas de marketing contra a corrupção, como existem em outros países. Hong Kong é uma inspiração, porque tinha uma corrupção endêmica, como no Brasil, e hoje ocupa a 17ª posição no ranking de honestidade e transparência internacional. Eles fizeram várias campanhas, anualmente, tanto para o cidadão comum quanto para o alto executivo. Existe uma aparente cultura de intolerância com a corrupção, mas quando olhamos pesquisas de institutos sérios, observamos que as coisas estão muito longe do ideal e que nós precisamos desenvolver uma cultura em que a pessoa vincule a corrupção de modo muito prático com malefícios a si, às pessoas que ele ama e à sociedade. São os pequenos atos de corrupção que abrem brecha para atos maiores e mais sérios como aqueles que a gente vê na nossa investigação. Também queremos a fixação em toda repartição pública de cartazes que digam quais as taxas que são cobradas ali e seu valor, para evitar cobrança de taxas indevidas. Essa é uma medida recomendada internacionalmente. Propomos ainda programas de conscientização em escolas e universidades e estabelecimento de códigos claros de conduta.

ÉPOCA - O MPF propõe aumento nas penas aos corruptos?

Dallagnol - Eu disse publicamente na semana passada que a pena é uma piada de mau gosto. Hoje, a pena para os corruptos gira em torno da mínima, de dois anos, dificilmente passa dos quatro anos. Ela normalmente é substituída por prestação de serviços à comunidade, e é perdoada depois de cumprida um quarto dela, por um decreto de indulto natalino. As penas não freiam ninguém. O freio que existe hoje é apenas o ético, não o jurídico. A corrupção hoje é um crime de baixo risco a alto benefício. Se a pessoa não tem o freio ético, hoje a corrupção vale à pena. A idéia dessas medidas é tornar a corrupção um crime de alto risco, porque os danos que ela produz são muito graves. Para que a própria pessoa queira ficar longe da corrupção. Nós propusemos uma pena mínima de quatro anos. E penas gradativas, de acordo com o volume desviado. Quando o valor desviado supera os R$ 80 mil, a pena passa a ser de 7 a 15 anos.

ÉPOCA - Por que R$ 80 mil?

Dallagnol -  São cem salários mínimos, é cem vezes o que vários brasileiros ganham para viver. A partir desse valor, a corrupção passa a ser crime hediondo e não cabem mais aqueles indultos que perdoam a pena depois do cumprimento de pequena parte dela. Quando a corrupção for superior a R$ 800 mil, a pena passa a ser de 10 a 18 anos. Acima de R$ 8 milhões, passa a ser de 12 a 25. Para termos de comparação, a pena de um homicídio qualificado vai de 12 a 30. Isso significa que a corrupção ainda continuaria tendo pena menor do que a do homicídio qualificado, sendo que com esses valores ela mata muito mais do que um homicídio. Ela mata quando tira R$ 200 bilhões dos cofres públicos por ano no Brasil. Ela mata quando a estrada fica esburacada porque o administrador corrupto não pode aplicar uma multa na empresa porque está com o rabo preso com aquela empresa. Aquele buraco na estrada vai gerar uma morte. A corrupção tem efeitos concretos e drásticos. Também propomos fechar as brechas por onde o dinheiro escapa. Uma das medidas prevê que seja possível recuperar o recurso desviado ainda que o criminoso morra ou que o caso prescreva.

ÉPOCA - Na frente da impunidade, o que o MPF propõe?

Dallagnol - A demora de julgamento de um réu de crime de colarinho branco é de 10 a 20 anos. Temos três instâncias recursais. Desconheço outro país em que isso exista. Em diversos países, a execução da pena acontece após o julgamento de segunda instância. E nossa corte superior julga 100 mil casos por ano, quando a Suprema Corte americana, com número parecido de ministros, julga 100. Essa demora, combinada com o modo como funciona nosso sistema de prescrição, é uma máquina de impunidade. A prescrição foi criada como um remédio para obrigar o Estado a se mexer para punir alguém. O problema é que hoje, ainda que o Estado faça de tudo para punir alguém que cometeu um crime, pela simples demora do Judiciário, acaba acontecendo à prescrição. Esse é um dos flancos em que as propostas atuam.

ÉPOCA - Por que o senhor se tornou uma espécie de garoto-propaganda da campanha?

Dallagnol - A campanha é institucional, a Procuradoria Geral da República (PGR) assumiu. Mas é claro que, na força-tarefa, nós temos um pouco de senso de paternidade das medidas, porque elas foram concebidas ali. Elas foram levadas à PGR, que gostou, consultou diversos especialistas das diversas matérias e, por fim, foi feita uma consulta ao público, para fechar um pacote final. Nós percebemos que a sociedade estava colocando sobre a operação Lava Jato uma esperança de transformação tal que nós não somos capazes de entregar. A Lava Jato traz esperança, sim, porque pela primeira vez estão sendo atingidas pessoas de alto nível econômico e político de modo simultâneo. E porque nunca vimos cifras de recuperação de valores nem perto do que estamos vendo nesse caso. Mas a esperança de transformação  profunda só vai ser alcançada por meio de mudanças sistêmicas. Nós já tivemos outros casos grandes de corrupção. Mas um caso não impediu o outro. Se nós queremos atuar sobre a corrupção de modo a diminuir seus níveis, nós efetivamente precisamos atuar sobre estruturas sistêmicas, sobre a forma como o sistema funciona. São medidas que surgiram do desejo do nosso coração, que foram encampadas pela PGR, porque é um desejo do coração de todos os procuradores e do coração do brasileiro. Em razão disso, acabei atuando de maneira ativa nas instâncias institucionais, junto com a Câmara, com a PGR, para angariar pessoas dentro do MPF que possam ser multiplicadoras, para fazer essa divulgação. Naqueles eventos de 2013, havia uma grande indignação popular. Mas não havia uma ponte para alcançar a transformação. Essas medidas funcionam como uma espécie de ponte de ouro. Ou, ainda, é como se nós tivéssemos um grande banhado de indignação em 2013 e o que precisamos fazer é canalizar essa indignação em rios que nos levem a algum lugar.

ÉPOCA - Como o senhor responde às críticas de que a campanha surge contra um determinado governo ou contra alguns partidos?

Dallagnol - A partidarização da corrupção é um erro. É algo conhecido na ciência como teoria da maçã podre. É uma teoria errada de enfrentamento da corrupção, porque parte da idéia de que a corrupção é produto de uma maçã podre dentro de uma cesta de maçãs sadias. Então, para resolver, seria só remover a estragada. Mas isso esconde o fato de que a corrupção é produto de uma série de fatores e condições. E que, se nós quisermos alterar a forma como as coisas têm funcionado, temos de alterar esses fatores e condições. Há duas formas erradas de aplicar essa teoria. Um jeito é o governante falar que o problema da corrupção é de um indivíduo específico do órgão que se corrompeu, negando o contexto. O outro jeito é o cidadão olhar para o governante e falar que a corrupção é um problema do governante A ou B, do partido A ou B.

ÉPOCA - A corrupção está pior hoje do que foi no passado?

Dallagnol - A corrupção não é de hoje no nosso país. A expressão "mar de lama" foi cunhada no governo Getúlio Vargas e foi utilizada até hoje nos mais variados governos. Existe notícia de corrupção na ditadura e, mesmo lá atrás, o Padre Antonio Vieira, no sermão do Bom Ladrão, diz que pessoas da Coroa vinham ao Brasil não para buscar o nosso bem, mas para buscar os nossos bens. Nós já erramos uma vez no Brasil, esperando que um governante mudasse nossa história. Elegemos uma pessoa que seria caçadora de corruptos, de marajás, e sabemos que essa história não acabou bem. Então, se quisermos transformação, precisamos atuar no sistema, independentemente do partido que esteja no poder ou da pessoa do governante. Se fosse outro governante, é bem possível e provável que esquemas idênticos ou similares estivessem acontecendo.

ÉPOCA - Há apoio para as medidas propostas pelo MPF no Legislativo?

Dallagnol - Nesta fase, estamos apresentando essas medidas para a sociedade, para que, caso a sociedade entenda que elas são boas como nós entendemos que elas são, a própria sociedade encampe e peça a seus representantes no parlamento a sua aprovação. Não estamos numa articulação com congressistas. Se a sociedade se manifestar de forma consistente, com mais de um milhão de assinaturas, acredito nas instituições, creio que as medidas vão ser aprovadas pelo Congresso. Essas medidas repercutem diretamente na nossa atividade. Nós não temos o papel de propor medidas dentro do Congresso. Mas qualquer entidade social pode levar sugestões ao parlamento. O que fazemos é o que diversos entes da sociedade fazem: conhecendo muito bem uma realidade, pensar soluções que possam melhorar a realidade social brasileira e trazer essas sugestões para a sociedade para sua avaliação. Não estamos fazendo atividade política.

ÉPOCA - O senhor recebeu críticas sobre o fato de ter ido a uma igreja evangélica falar da campanha na segunda-feira passada.

Dallagnol - Eu fui a um seminário expor, como expus para você, as medidas contra a corrupção, para que, se assim entendessem, essas pessoas encampassem isso e buscassem que essas medidas sejam aprovadas pelos nossos representantes. Eu tenho uma fé. Essa fé tem base em princípios que afetam quem eu sou. Quando eu converso com pessoas que têm a mesma fé, tenho a liberdade de me expressar pelo ponto de vista da minha fé. Eu jamais misturaria a minha fé com a minha profissão para adotar critérios não racionais. Meu trabalho como procurador é guiado pela lei e pela Constituição, de modo laico. Eu tenho falado em procuradorias, em congressos de empresários, para a maçonaria, temos contato com a Igreja Católica, com Rotary Clubs, fizemos palestras em congressos totalmente laicos, de contadores, médicos, ONGs. É um contexto muito maior de diálogo com a sociedade.

ÉPOCA - O senhor pretende usar a manifestação do dia 16 de agosto para divulgar a campanha?

Dallagnol - Não, a gente não vai se vincular a essa manifestação, porque ela já está com uma característica de manifestação por impeachment e a gente não acredita que a mudança da corrupção endêmica vai ser alcançada pela mudança de um governante. Nossa atuação não é política. Então, não temos ligação com essa manifestação. É claro que pessoas e entidades que queiram aproveitar que pessoas estão nas ruas para colher assinaturas, vão poder colher, mas nós não vamos nos vincular a isso por um risco de má interpretação da nossa postura e da nossa atuação.

‘Tudo pelo poder’



Editorial do Estadão, 11/11/2013,
 www.estadão.com.br

Nunca antes na história deste país o aparelho do Estado foi tão acintosa e despudoradamente colocado a serviço dos interesses eleitorais dos detentores do poder. Dilma Rousseff não consegue fazer a máquina do governo funcionar com um mínimo de eficiência para planejar e executar os grandiosos projetos de infraestrutura que anuncia com enorme estardalhaço. Mas como numa campanha eleitoral – no momento, a prioridade absoluta do lulopetismo – o que vale é o marketing, o discurso, Dilma está bem instruída e firmemente empenhada em transformar em palanque essa imensa e inoperante máquina, e dele não pretende descer antes das eleições presidenciais do próximo ano.
No feriado de Finados, Dilma reuniu no Palácio da Alvorada 15 ministros que atuam nas áreas social e de infraestrutura para puxar orelhas e exigir “agilidade” no anúncio de novos projetos e na execução daqueles em andamento. E deixou perfeitamente claro, para quem pudesse não estar entendendo do que se tratava, que precisa incrementar urgentemente uma “agenda positiva” a ser exibida em seus pronunciamentos oficiais e suas cada vez mais frequentes viagens por todo o País.
Antes que alguém pudesse levantar alguma suspeita maldosa sobre toda essa movimentação ter a ver com objetivos eleitorais, coube à ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann – ela própria candidatíssima ao governo do Paraná – explicar: “Isso tem a ver com resultado de governo. Nós estamos num momento de prestação de contas e entregas”. E acrescentou: “São várias entregas que a presidente cobrou, que se agilizassem alguns resultados para que nós pudéssemos prestar contas para a população”. Então, está explicado.
Dá para entender a aflição de Dilma. Uma reeleição considerada favas contadas no primeiro semestre do ano passou a ser vista com preocupação pelos próprios petistas a partir do instante em que os índices de popularidade da presidente despencaram com as manifestações populares de junho e, apesar de se terem recuperado em parte, mantêm-se ainda muito abaixo dos mais de 50% de aprovação anteriores. Permanecem teimosamente empacados nos 38%. Isso significa que, na melhor das hipóteses, a se manter o quadro atual, Dilma poderá se dar por satisfeita se conseguir levar as eleições presidenciais para o segundo turno.
Não é por outra razão que Luiz Inácio Lula da Silva, inventor do poste que conseguiu transformar em presidente, decidiu chamar para si a responsabilidade de confrontar os candidatos de oposição. Mergulhou de cabeça na tarefa de fazer o que Dilma pode ter vontade, mas não tem vocação nem carisma para fazer, apesar de toda a máquina governamental à sua disposição: comunicar-se com a massa popular.
Nessa linha, o ex-presidente tem usado e abusado de seu insuperável populismo. Ele sabe que, mais do que “prestar contas” ou “entregar” realizações de governo, o importante é encantar os eleitores com as palavras que eles querem ouvir, ditas de um modo que eles gostam de escutar. E nisso Lula é mestre. Apesar de integrar hoje, movido por sua megalomania, o mais seleto jet set internacional, Lula tem logrado preservar a imagem de “homem do povo”, sustentada por altíssimos índices de popularidade. E isso lhe permite ignorar a lógica, o bom senso, o pudor, a civilidade e, sobretudo, a verdade, quando deita falação sobre as maravilhosas realizações com as quais resgatou o Brasil das mãos do “poderosos” e o transformou neste paraíso em que automóveis e filé mignon estão ao alcance de todos.
Transformar a máquina do governo em palanque eleitoral como Dilma Rousseff está fazendo, portanto, é apenas uma das consequências da erosão da moralidade pública que há mais de uma década se tem acentuado gravemente no País. Lula e o PT, é claro, não inventaram os malfeitos no trato da coisa pública. O Brasil sempre sofreu com a tradição paternalista e patrimonialista. Mas foi prometendo acabar com essa pesada herança que Lula e sua turma conquistaram, ou melhor, se apropriaram do poder. Natural, portanto, que se disponham a usar o que consideram seu para se eternizarem onde estão.

Herança maldita



Editorial, 05/12/2012, www.folhadespaulo.com.br

Nos seus aspectos constrangedores e diminutos, o caso Rosemary Noronha comprova, para além de qualquer dúvida, o tipo de legado que o ex-presidente Lula deixou à sua sucessora no Planalto.
Ainda que tenham sido significativos os avanços econômicos e sociais ao longo de seu governo, Lula fez com que verdadeira herança maldita se mantivesse incrustada no aparelho de Estado brasileiro.
Nem mesmo se completam o desmantelamento e a punição da quadrilha mensaleira, outro foco de irregularidades é desvendado.
No mensalão, o escândalo estacou na figura todo-poderosa do ex-ministro José Dirceu, sem que surgissem provas do envolvimento de Lula no esquema criminoso.
Restaram, é claro, as suspeitas de conivência, reforçadas pela contínua atitude de apoio aos condenados que tanto Lula como setores ainda expressivos do petismo não têm pejo em manifestar.
Diferentemente do que ocorre em outros países, não é da tradição brasileira investigar a vida pessoal de suas figuras públicas. Pouco importaria o tipo de relacionamento que se verificou entre Lula e Rosemary.
Entretanto impõem-se explicações sobre o fato de ela ter sido nomeada chefe do escritório da Presidência em São Paulo, exercendo a partir daí atuação diversificada no campo dos favorecimentos, das indicações, dos pareceres duvidosos e das propinas de ocasião.
Sem outras qualificações exceto a proximidade com o presidente, Rosemary conseguiu nomear Paulo Rodrigues Vieira para a diretoria da Agência Nacional de Águas e seu irmão, Rubens Carlos Vieira, para cargo equivalente na Agência Nacional de Aviação Civil.
Surge, com a ajuda de Paulo Vieira, a aprovação suspeita de um projeto portuário em Santos; surge um parecer favorável ao ex-senador Gilberto Miranda, permitindo que ocupasse uma ilha no litoral paulista; surgem laudos e diplomas falsos obtidos por Rosemary em benefício de seu grupo.
Sem dúvida, a dimensão das propinas e dos favorecimentos já descobertos autoriza a aplicação de um termo em voga, "mequetrefe", para os atos da assessora lulista.
Mas não é mequetrefe, afinal, o cargo de presidente da República. E não é inédito, muito ao contrário, o estilo de aparelhamento imposto pelo lulismo ao governo federal, que este episódio reafirma.
O ex-presidente, mais uma vez, esconde-se atrás da barreira de fumaça criada pelos correligionários.
Desmorona, aos poucos, o mito de estadista de que se quis cercar um governante que pôs o Estado a serviço de interesses partidários e que se esquiva, de modo contumaz, a assumir a responsabilidade dos atos delituosos que se cometeram sob seu poder.
Nota:
O presente texto foi copiado da Folha de S.Paulo de 05/12/2012.