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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Três heróis



Por Augusto Nunes, 17/10/2015, www.veja.com.br

Texto de Roberto Pompeu de Toledo

O PSDB já foi partido de ricos quadros e boas bancadas. Hoje tem heróis solitários. Os antigos ensinam que celebrar heróis edifica os povos. Na moderna imprensa, à prática de desancar vilões atribui-se valor infinitamente maior do que à de celebrar heróis. Esta coluna vai hoje trocar o moderno pelo antigo e celebrar três heróis do que ainda resta de dignidade no PSDB.

O primeiro é Alberto Goldman, 78 anos, ex-deputado, aguerrido opositor da ditadura militar, vice-governador de São Paulo sob José Serra e governador quando lhe incumbiu completar o mandato do titular. Goldman insurgiu-se na semana passada contra o apoio do PSDB ao deputado Eduardo Cunha. Declarou ele ao jornal O Globo: “Quando os meninos vêem um filme de terror e sabem que alguém vai morrer, dizem: "Fulano é carne morta. Cunha é carne morta. Tomara que “leve consigo alguns pesos que serão bem levados”. Antes, Goldman já havia criticado seu partido pelo apoio à derrubada do chamado fator previdenciário, invenção do governo Fernando Henrique para inibir as aposentadorias precoces.

O segundo herói é Arnaldo Madeira, 75 anos, fundador do PSDB, ex-vereador de São Paulo, ex-­deputado federal e coordenador do programa de Aécio Neves na campanha presidencial do ano passado. Madeira critica o apoio de seu partido à derrubada do fator previdenciário e ao fim da reeleição, duas medidas instituídas durante o governo Fernando Henrique. Disse ele ao colunista Bernardo Mello Franco, da Folha de S.Paulo: “Está difícil entender o partido. Em vez de defender conceitos, estamos fazendo uma oposição igual à que o PT nos fazia. Só falta o PSDB votar contra a Lei de Responsabilidade Fiscal”.

O terceiro é o deputado Samuel Moreira, 52 anos, mineiro criado em São Paulo, ex-prefeito de Registro (SP), ex-deputado estadual, eleito deputado federal pela primeira vez no ano passado. Moreira é um estranho no nosso panteão. Ao contrário dos dois anteriores, figuras históricas do tucanato, era até duas semanas atrás um obscuro estreante na política federal. Conquistou a posição, com louvor, por ser o único, entre os 54 integrantes da bancada do PSDB na Câmara Federal, a votar pela manutenção do fator previdenciário, na votação dos vetos presidenciais do dia 23 de setembro. “Criar mais despesas para a Previdência não é prudente para o momento que o país está vivendo, com os cofres públicos dilapidados”, disse ele.

Nossa trinca de heróis prova coisa rara, nestes dias, na cena política, que há ainda gente capaz de pôr os valores acima das manobras oportunistas. O contraste com relação à infeliz bancada tucana na Câmara, regida pelo deputado Carlos Sampaio, segundo pauta do senador Aécio Neves, eleva-os e dignifica-os. O líder Carlos Sampaio fez de sua gente dóceis carneirinhos a serviço do enrolado Eduardo Cunha. Na semana passada vacilou, diante da evidência das contas suíças em nome do presidente da Câmara, mas ainda assim disse que Cunha merecia o “benefício da dúvida” e deveria continuar na presidência da Câmara. Entre os deputados de sete partidos que na quarta-feira se mobilizaram para abrir processo de quebra de decoro contra Cunha, havia até um do PMDB, o pernambucano Jarbas Vasconcelos ─ outro herói solitário. Do PSDB, nenhum.

Nas frustradas tentativas do Congresso, também na semana passada, devotar os vetos presidenciais à chamada “pauta-bomba”, o PSDB integrou alegremente a maioria que se recusou a dar quórum para a realização das sessões. Houve tucano que aproveitou para adiantar que, caso houvesse a sessão, votaria pela derrubada dos vetos. Então temos que, caso o PSDB vire governo, os servidores do Judiciário poderão contar com aumentos de até 79% (um dos itens da pauta-bomba). Também não haverá fator previdenciário que limite aposentadorias, seja em que idade for. E na presidência da Câmara pode estar alguém denunciado em investigações judiciais, com empresas registradas em paraísos fiscais e contas secretas na Suíça, que isso não fará a menor diferença.

A corrupção, a falta de escrúpulos na prática política e a irresponsabilidade administrativa dos anos PT estão a exigir uma alternativa em tudo oposta no exercício do poder. A atuação do PSDB nos últimos meses o descredencia como candidato a tal alternativa. Os três heróis somam apenas isso ─ três. Suas solitárias vozes apenas realçam a miséria do conjunto da tropa. O PSDB precisará de muitos mais para alçar-se à altura do crucial momento que vive o país.

Homem coerente



Por Juremir Machado da Silva, 05/09/2013,
 www.correiodopovo.com.br.

U
m homem coerente precisa parecer incoerente aos olhos dos dogmáticos. Só os néscios mostram-se sem brechas nem sinuosidades. Um humanista não conservador coerente, de 1989 para cá, votou por Brizola ou Lula na primeira eleição pós-ditadura, aplaudiu a queda do Muro de Berlim e o fim do socialismo real do Leste europeu, apoiou a abertura do Brasil aos mercados internacionais defendida pelo presidente alagoano, vibrou com o fim do nacionalismo retrógrado em matéria de informática, aderiu à luta pelo impeachment de Collor, saudou, na contramão do petismo, o Plano Real e a estabilização da economia, defendeu privatizações, por exemplo, na telefonia, e atacou o que Elio Gaspari chama de “privataria”, uma ideologia do desmonte do Estado feita com dinheiro público, pouca transparência e excesso de certezas.

Um homem coerente recusa o Estado máximo e o Estado mínimo, investe contra o neoliberalismo, contra as utopias de esquerda autoritárias e busca criticar a esquerda sem cair no direitismo nem se refugiar na pasmaceira centrista dos muros. Defende o liberalismo em se tratando de liberdade de expressão, mas compreende a necessidade de democratização da mídia e de ampliação da democracia formal para uma democracia mais participativa. Se precisar, defende estrategicamente o neoliberalismo contra o stalinismo e, sempre, ataca o stalinismo em nome da liberdade. Eu, que considero a coerência absoluta burra e inumana, tenho buscado o máximo de coerência humana e inteligente na minha vida: ataquei o petismo stalinista e o lullismo mensaleiro. Mas não deixo de denunciar tentativas ideológicas da direita de transformar o PT no inventor da corrupção no Brasil.

Nunca fui de direita. Não sou de esquerda> Nem de centro. Nunca tive partido. Essa liberdade me permite valorizar e criticar políticas de qualquer partido. Mas recuso e sempre recusei o conservadorismo defensor da desigualdade como um sistema de hierarquia social.  O Brasil de FHC deu-nos o decisivo Plano Real. Lula e Dilma, com as políticas sociais, algumas continuando ou ampliando políticas do governo anterior, fizeram o país dar mais um passo à frente. Cotas, ProUni e Bolsa Família, com problemas e contradições, são grandes acertos. Só os cegos ideológicos não admitem isso. Um humanista não conservador só pode apoiar a Comissão da Verdade e rejeitar a tese dos “dois lados”, pois um lado, o do que resistiram à ditadura, foi investigado, processado e julgado pelo Superior Tribunal Militar.

Um homem coerente precisa andar meio de lado. Só não aparentam contradições os que se comportam ideologicamente como monoblocos. A ilusão do ideologismo de esquerda é imaginar que pode ver a ideologia adversária de um ponto fora do sistema. A falácia do ideologismo de direita é pensar que ideologia é uma irrealidade de esquerda. Eu, que jamais fui de direita, nunca me constrangi em apoiar posturas abertas e emancipadoras de direitistas. Parte da melhor crítica ao petismo, porém, hoje é feita pelo PSol. Um homem coerente não teme patrulhas ideológicas, mantém sua alma livre, expõe-se e faz da vida um combate à cegueira mesquinha.

O quanto estamos dispostos a mudar?



Por Diza Gonzaga, 23/07/2013,
 www.correiodopovo.com.br

Neste momento em que vivemos uma grande movimentação da sociedade é importante fazermos a reflexão de qual é a nossa motivação para contribuirmos com as mudanças que queremos para nosso país. O quanto estamos dispostos a mudar? O que cada um de nós pode fazer para deixarmos de ser o país do “jeitinho”? Afinal, as atitudes que condenamos nos políticos e que queremos banir do nosso país não são muito diferentes das do cidadão que fura a fila; joga lixo no chão e quando está ao volante, não raras vezes, coloca a sua vida e a de outras pessoas em risco.

Nesses anos de caminhada com o Vida Urgente, participamos e acompanhamos os avanços que a sociedade obteve. Há mais de dez anos, quando nossos jovens voluntários saíam nas madrugadas pelos bares, com uma borboleta no peito e um bafômetro na mão, enfrentavam o desafio de mostrar aos frequentadores que bebida e direção são uma mão dupla de morte. Não era fácil, pois o que mais ouvíamos era: “Eu até dirijo melhor quando bebo".

Hoje, estudo da Fundação Getúlio Vargas aponta que 90% das pessoas julgam incorreta tal atitude. Usar o cinto já é uma realidade que a maioria não abre mão, embora ainda esteja restrito a passageiros do banco da frente. Mudar uma cultura é um grande desafio, e tem que ser feito com humildade, pois a mudança só é possível com a participação efetiva da sociedade; não acontece do dia para a noite e nem por decreto. Temos muito trabalho pela frente, a questão do trânsito envolve educação – esta é a nossa parte. Precisamos que os governos também façam a sua: fiscalização eficiente e engenharia de trânsito compatível com a segurança para a preservação da vida. Não podemos nos conformar com a “curva da morte” ou a “estrada do inferno”, como se perde a vida nesses locais fosse destino ou fatalidade de quem por ali passar. Levante “seu cartaz” para mostrar o quanto podemos ser civilizados e cuidar de nossa vida e da de quem amamos. Não incentive àqueles que se consideram o “braço”, “os donos da direção”, que bebem e dirigem, pois não merecem aprovação. Este país que está mostrando a sua cara, como nos versos de Cazuza, tomando as ruas com a força e a vitalidade da juventude, reforça a minha fé nos jovens. Creio em sua verdade, sua alegria e sua imensa capacidade de sonhar e transformar.

Por tudo isso ousa dizer que só com a participação da juventude é possível transformar uma nação. Se hoje a Fundação Thiago de Moraes Gonzaga ultrapassa as fronteiras de nosso estado, fazendo a borboleta Vida voar pelo Brasil, é porque milhares de jovens têm levado esta bandeira da Vida.

Diza Gonzaga, Presidente da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Desde 1500




Direto ao Ponto por Augusto Nunes, 
23/09/2013, www.veja.com.br.

Durante mais de duas horas, o ministro Celso de Mello ensinou, com a expressão superior de melhor da classe, que os embargos infringentes teriam de ser examinados pelo Supremo Tribunal Federal porque “ninguém, absolutamente ninguém pode ser privado do direito de defesa”. Se prevalecesse a tese defendida por Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Marco Aurélio, “estar-se-ia a negar a acusados o direito fundamental a um julgamento justo”, caprichou na mesóclise o decano do STF.

Quem acreditou no latinório do ministro decerto imagina que o escândalo do mensalão foi descoberto há oito dias, não há oito anos. Ou que os advogados dos quadrilheiros, contratados por alguns milhões de reais, foram impedidos de manter em funcionamento desde 2007 a usina de álibis, chicanas, manobras protelatórias, espertezas legais,  pressões criminosas e notícias plantadas na imprensa, fora o resto. Pelo que disse Celso de Mello, pode-se concluir que o processo que se arrasta há seis anos teria de ser anulado caso rejeitasse o recurso com nome de produto de limpeza.

Para desmontar a conversa fiada, bastam duas constatações. Primeira: de acordo com a Constituição, todos são iguais perante a lei. Segunda: desde o Descobrimento, não se sabe de um único e escasso condenado pobre, sem dinheiro para bacharéis dolarizados, que conseguiu com embargos infringentes ser julgado de novo pelo mesmo tribunal e livrar-se da cadeia.