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quarta-feira, 20 de agosto de 2014

CAÇA AS BRUXAS



Por Vicente Nunes, 29.07.2014,
Correio Braziliense.


É inacreditável a incapacidade do governo de aceitar o contraditório. Basta uma opinião que não endosse as ações do Palácio do Planalto para que o emitente seja declarado inimigo. A dificuldade em aceitar críticas é tamanha que se criou, na Esplanada dos Ministérios, uma lista “do mal”. Dela, não escapa ninguém: analistas do mercado, empresários, jornalistas. Todos críticos à forma como a presidente Dilma Rousseff está conduzido o Brasil.

Com a eleição se aproximando, o governo decidiu escolher o inimigo da vez: o economista do Banco Santander responsável pelo relatório enviado a clientes da instituição, alertando que a reeleição de Dilma trará sérios problemas à economia do país. Certa de que poderá tirar proveito da situação, ao se vitimizar, a presidente escalou sua tropa de choque para declarar guerra à instituição e ao mercado financeiro. É inadmissível, segundo ela, o pessimismo dos analistas sobre o quadro eleitoral.

Não foi a primeira vez que o Santander se envolveu em polêmicas com o governo e foi obrigado, como agora, a demitir um funcionário para limpar a barra no Planalto. Em fevereiro de 2011, o então economista-chefe do banco, Alexandre Schwartsman, rebateu, em um debate sobre a capitalização da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, à época, presidente da companhia. 

O executivo havia explicado que a estatal tinha pago R$ 74 bilhões pelo direito de produzir 5 bilhões de barris de petróleo cedidos pelo governo. E acrescentou que o Tesouro Nacional, acionista da petroleira, comprara R$ 32 bilhões a menos em ações, o que gerou uma diferença em caixa para a empresa. “Se isso não é caixa, eu não sei o que é caixa”, disse Gabrielli, que foi interrompido por Schwartsman. “Caixa é o dinheiro que entra em caixa, não é promessa”, afirmou o economista. “Não é promessa nenhuma, é fato”, rebateu Gabrielli. “Cadê o dinheiro?”, indagou Schwartsman. “Está no Tesouro”, respondeu o presidente da Petrobras. “Ah, é?”, perguntou o economista, causando risos na plateia do evento. “Só na cabeça dos contadores do Tesouro”, completou.

Pouco dias depois, Schwartsman assinava a carta de demissão, sem que a diretoria do Santander lhe desse uma explicação convincente para a decisão. “Já havia escrito relatórios sobre o assunto. Mas a minha posição em um debate público pesou para o meu desligamento”, diz. No entender dele, porém, a demissão do economista que escreveu uma análise encaminhada a clientes de alta renda do Santander é mais grave, pois vai na direção contrária à obrigação de um analista responsável: dar opiniões e ajudar os investidores a protegerem o patrimônio em meio às turbulências naturais de períodos eleitorais. “O que foi escrito não teve juízo de valor. Foi a descrição de fatos que interferem na formação de preços dos ativos”, frisa.

Também vítima do governo, o economista Roberto Luís Troster condena a forma como o governo lida com críticas. Em agosto de 2006, como economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), alertou para a “falta de transparência” do governo na elaboração de medidas para incentivar o crédito. E afirmou que a proposta do Ministério da Fazenda para reduzir o spread bancário — diferença entre o que os bancos pagam aos investidores e o que cobram dos devedores — era uma “manobra diversionista”. O ministro Guido Mantega não se conformou com as declarações, consideradas, por ele, “inoportunas e alguns decibéis acima do tom”.

Por pressão do governo, a FEBRABAN divulgou, à época, uma nota desautorizando Troster, que, 11 dias depois, foi demitido. O então presidente da entidade, Márcio Cypriano, não deu qualquer explicação ao economista. Mas ligou para Mantega a fim de garantir que a federação estava disposta a contribuir com as ações do governo para reduzir os spreads. “Pediram-me para eu negar o que havia dito. Não o fiz. A realidade mostrou que eu estava certo”, relata Troster. “É uma pena que a intolerância a críticas esteja prevalecendo”, acrescenta.

A ordem do Planalto é de não recuar. Muito pelo contrário. A campanha da presidente Dilma à reeleição acredita que já está colhendo dividendos ao enfrentar o mercado. Ontem, militantes escalados pelo PT espalharam uma onda de críticas ao Santander por meio das redes sociais. Os eleitores, no entanto, já não se deixam levar com tanta facilidade por esse tipo de campanha. Sabem que, na hora de depositar os votos nas urnas, o que pesará mesmo é a inflação alta, que está há quatro anos acima de 6%, na média, e a coleção de Pibinhos. Nos quatro anos de mandato de Dilma, o país crescerá algo como 6,9%, menos do que os 7,5% do último ano de Lula.

O governo  não perdoa

» O atual presidente da Febraban, Murilo Portugal, também caiu em desgraça no governo. Em abril de 2012, durante um encontro com integrantes do Ministério da Fazenda para discutir a redução do spread bancário, ele botou, na mesa de negociação, uma série de exigências dos bancos para atender os pleitos do Planalto. Ao deixar o encontro, questionado por jornalistas, Portugal disse “que a bola estava com o governo”. Guido Mantega  ficou uma fera. Murilo nunca mais foi recebido pelo ministro nem pela presidente Dilma. Só saiu da geladeira recentemente, mesmo assim, com muitas ressalvas.

BC cada vez mais político 

» O Banco Central não esconde o descontentamento com o mercado, que criticou sua decisão de injetar R$ 45 bilhões no caixa dos bancos para tentar tirar a economia do atoleiro. A maior parte dos analistas reforçou a visão de que a autoridade monetária cedeu de vez às pressões do governo para dar mais estímulos ao consumo, mesmo com a inflação no limite da tolerância. Na avaliação do mercado, o BC até tentou mostrar independência do Planalto, ao explicitar, na última ata do Copom, que não reduziria os juros. Mas o discurso não durou 24 horas. “Se o BC já era mal visto, agora, rasgou de vez a credibilidade”, afirma um operador de um banco estrangeiro. 


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