Por
Vicente Nunes, 29.07.2014,
Correio
Braziliense.
É inacreditável a incapacidade do governo de
aceitar o contraditório. Basta uma opinião que não endosse as ações do Palácio
do Planalto para que o emitente seja declarado inimigo. A dificuldade em
aceitar críticas é tamanha que se criou, na Esplanada dos Ministérios, uma
lista “do mal”. Dela, não escapa ninguém: analistas do mercado, empresários,
jornalistas. Todos críticos à forma como a presidente Dilma Rousseff está
conduzido o Brasil.
Com a eleição se aproximando, o governo decidiu
escolher o inimigo da vez: o economista do Banco Santander responsável pelo
relatório enviado a clientes da instituição, alertando que a reeleição de Dilma
trará sérios problemas à economia do país. Certa de que poderá tirar proveito
da situação, ao se vitimizar, a presidente escalou sua tropa de choque para
declarar guerra à instituição e ao mercado financeiro. É inadmissível, segundo
ela, o pessimismo dos analistas sobre o quadro eleitoral.
Não foi a primeira vez que o Santander se envolveu
em polêmicas com o governo e foi obrigado, como agora, a demitir um funcionário
para limpar a barra no Planalto. Em fevereiro de 2011, o então economista-chefe
do banco, Alexandre Schwartsman, rebateu, em um debate sobre a capitalização da
Petrobras, José Sérgio Gabrielli, à época, presidente da companhia.
O executivo havia explicado que a estatal tinha
pago R$ 74 bilhões pelo direito de produzir 5 bilhões de barris de petróleo
cedidos pelo governo. E acrescentou que o Tesouro Nacional, acionista da
petroleira, comprara R$ 32 bilhões a menos em ações, o que gerou uma diferença
em caixa para a empresa. “Se isso não é caixa, eu não sei o que é caixa”, disse
Gabrielli, que foi interrompido por Schwartsman. “Caixa é o dinheiro que entra
em caixa, não é promessa”, afirmou o economista. “Não é promessa nenhuma, é
fato”, rebateu Gabrielli. “Cadê o dinheiro?”, indagou Schwartsman. “Está no
Tesouro”, respondeu o presidente da Petrobras. “Ah, é?”, perguntou o
economista, causando risos na plateia do evento. “Só na cabeça dos contadores
do Tesouro”, completou.
Pouco dias depois, Schwartsman assinava a carta de
demissão, sem que a diretoria do Santander lhe desse uma explicação convincente
para a decisão. “Já havia escrito relatórios sobre o assunto. Mas a minha
posição em um debate público pesou para o meu desligamento”, diz. No entender
dele, porém, a demissão do economista que escreveu uma análise encaminhada a
clientes de alta renda do Santander é mais grave, pois vai na direção contrária
à obrigação de um analista responsável: dar opiniões e ajudar os investidores a
protegerem o patrimônio em meio às turbulências naturais de períodos
eleitorais. “O que foi escrito não teve juízo de valor. Foi a descrição de
fatos que interferem na formação de preços dos ativos”, frisa.
Também vítima do governo, o economista Roberto Luís
Troster condena a forma como o governo lida com críticas. Em agosto de 2006,
como economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), alertou
para a “falta de transparência” do governo na elaboração de medidas para
incentivar o crédito. E afirmou que a proposta do Ministério da Fazenda para
reduzir o spread bancário — diferença entre o que os bancos pagam aos
investidores e o que cobram dos devedores — era uma “manobra diversionista”. O
ministro Guido Mantega não se conformou com as declarações, consideradas, por
ele, “inoportunas e alguns decibéis acima do tom”.
Por pressão do governo, a FEBRABAN divulgou, à
época, uma nota desautorizando Troster, que, 11 dias depois, foi demitido. O
então presidente da entidade, Márcio Cypriano, não deu qualquer explicação ao
economista. Mas ligou para Mantega a fim de garantir que a federação estava
disposta a contribuir com as ações do governo para reduzir os spreads. “Pediram-me
para eu negar o que havia dito. Não o fiz. A realidade mostrou que eu estava
certo”, relata Troster. “É uma pena que a intolerância a críticas esteja
prevalecendo”, acrescenta.
A ordem do Planalto é de não recuar. Muito pelo
contrário. A campanha da presidente Dilma à reeleição acredita que já está
colhendo dividendos ao enfrentar o mercado. Ontem, militantes escalados pelo PT
espalharam uma onda de críticas ao Santander por meio das redes sociais. Os
eleitores, no entanto, já não se deixam levar com tanta facilidade por esse
tipo de campanha. Sabem que, na hora de depositar os votos nas urnas, o que
pesará mesmo é a inflação alta, que está há quatro anos acima de 6%, na média,
e a coleção de Pibinhos. Nos quatro anos de mandato de Dilma, o país crescerá
algo como 6,9%, menos do que os 7,5% do último ano de Lula.
O governo não perdoa
» O atual presidente da Febraban, Murilo Portugal,
também caiu em desgraça no governo. Em abril de 2012, durante um encontro com
integrantes do Ministério da Fazenda para discutir a redução do spread
bancário, ele botou, na mesa de negociação, uma série de exigências dos bancos
para atender os pleitos do Planalto. Ao deixar o encontro, questionado por
jornalistas, Portugal disse “que a bola estava com o governo”. Guido
Mantega ficou uma fera. Murilo nunca mais foi recebido pelo ministro nem
pela presidente Dilma. Só saiu da geladeira recentemente, mesmo assim, com
muitas ressalvas.
BC cada vez mais político
» O
Banco Central não esconde o descontentamento com o mercado, que criticou sua
decisão de injetar R$ 45 bilhões no caixa dos bancos para tentar tirar a
economia do atoleiro. A maior parte dos analistas reforçou a visão de que a
autoridade monetária cedeu de vez às pressões do governo para dar mais
estímulos ao consumo, mesmo com a inflação no limite da tolerância. Na
avaliação do mercado, o BC até tentou mostrar independência do Planalto, ao
explicitar, na última ata do Copom, que não reduziria os juros. Mas o discurso
não durou 24 horas. “Se o BC já era mal visto, agora, rasgou de vez a credibilidade”,
afirma um operador de um banco estrangeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário