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terça-feira, 4 de novembro de 2014

De volta ao passado e de olho no futuro.



Por Ruth de Aquino, 26/10/2014, www.época.com.br.
Texto de Claudia Penteado
Na 'Visita' de hoje, Claudia diz que voto não é só esperança. É um momento de reconexão com as nossas raízes.
Todo dia de eleição é assim. Desde os 18 anos, Nelito (hoje com 44) sai de casa para votar na mesma escola em Rocha Miranda, bairro onde passou a infância. Hoje mora no Alto da Boa Vista, mas gosta de voltar à escola onde estudou e à praça em que costumava ficar. Quase nada mudou, tudo continua pobre. Até recentemente, aproveitava para visitar a mãe, e em algumas ocasiões levou a filha para mostrar um pouco da sua história. Flávio mora na Zona Sul há muitos anos, mas vota até hoje no Lins, onde aproveita para rever o prédio onde cresceu, o primeiro apartamento que conseguiu comprar, esbarra com conhecidos e conta histórias à namorada. Por lá, muita coisa mudou. A lembrança é mais amena, menos rude que o bairro que encontra hoje.
Martha nasceu e vota na Tijuca, e gosta de rever os parentes nesses domingos alegres de ruas movimentadas e repletas de santinhos. Isabel vota desde os 16 anos em Vila Isabel, onde ainda vivem seus pais, no mesmo endereço. Tamanho o apego, não transferiu o título nem quando morou em Brasília, durante cinco anos.  Renata mora em Ipanema, mas manteve o título no Méier para ter uma desculpa para visitar a avó. Como Bianca, hoje em Copacabana, que mantém o título no Grajaú para rever a avó e da madrinha. Em dia de eleição, Eduardo e Taísa rumam para a Ilha do Governador, onde moraram boa parte da vida, e gostam de retornar para visitar a família. Taísa mora na Lagoa, mas vota na escola onde tantas vezes foi com a mãe professora, quando criança. Hoje, domingo, ela combinou um grande almoço com as amigas daqueles tempos.
Para Sandra, eleição é dia de reencontrar amigos de infância e vizinhos. Fernando vive na Vila Madalena, mas vota em Perdizes, onde aproveita para “filar o almoço da mama e rever amigos  de escola e vizinhos”. O percurso de duas quadras entre a casa dos pais e o local de votação, ele conta, é recheado de paradinhas para rever gente, colocar a conversa em dia e reencontrar uma parte muito boa da sua história.
Marcelo vota em Copacabana para “respirar um pouco da atmosfera gostosa da infância, quando a maior preocupação era saber se ia dar onda no Arpoador”. Para Hugo, de São Paulo, o "eterno retorno" a Santos trazem sentimentos de conquista: o voto é no antigo colégio, onde tirou zero na primeira prova do primeiro ano, mas formou-se com louvor, sem nunca ter ficado de recuperação.
Rafael  é do Rio, mora em São Paulo, e nunca transferiu o título. Gosta de votar justamente no colégio onde estudou, refazer o trajeto dos tempos de moleque, ver o movimento das ruas, visitar os pais e o bairro. Também por razões ideológicas e políticas, não vê sentido em votar em São Paulo. “Me sinto realmente voltando para casa”, diz. Carla é outra carioca na terra da garoa, e nunca conseguiu transferir seu título porque de alguma forma, sente estar fazendo algo "pela sua casa", ela diz.
Eu mesma vivi essa sensação durante muito tempo: a de não ver sentido ou familiaridade em votar longe do lugar onde cresci. Também não transferi meu título de Petrópolis para o Rio, onde moro há uns 25 anos. De alguma forma, durante anos e anos, voltar lá e votar num pequeno colégio perto da casa da minha mãe, me deu uma quentura na alma e a sensação de que eu nunca, de fato, fui embora de lá. Refazia meus laços, passava o fim de semana com mamãe, sentia o cheiro do pertencimento, renovava energias, aprumava prioridades.
Percebo agora que embora tenha adotado um novo discurso diante da questão da transferência do título - o da inércia e da preguiça -, há algo mais forte que me mantém conectada ao passado: o desejo de não me desligar das minhas raízes. Aquele pedacinho de papel, que me diz de onde eu sou, é uma espécie de Madeleine de Proust: materializa e legitima o lugar de onde vim, quem sou, me aponta o fragmento de história que influencia minhas escolhas do presente. Como disse Freud, não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais: somos também o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos.
Esquecemos?
O que une todas essas histórias - verdadeiras - é o desejo da reconexão com as raízes. Gosto muito de uma frase de Victor Hugo que aconselha: "troque suas folhas, mantenha suas raízes". É bom mudar opiniões, mas manter princípios molda quem somos, nos dá consistência na vida. Faz todo sentido revisitar o passado e reforçar crenças, convicções e princípios,  nesse momento de pensar o futuro.

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