Por Arnaldo
Jabor, 19/08/2014,
www.oglobo.com.br.
Eles não confiam na 'sociedade'; só
pensam no Estado, na interferência em tudo.
As eleições para presidente não serão “normais” — apenas uma disputa
entre dois partidos para ver quem fica com o poder. Não. Trata-se de uma
batalha entre democratas e não democratas. Está na hora de abrirmos os olhos,
porque está em curso o desejo de Dilma e seu partido de tomar o governo para
mudar o Estado. Não tenho mais saco para tentar análises políticas sobre a “não
política”. Não aguento mais tentar ser “sensato” sobre a insensatez. Por isso,
só me resta fazer a lista do que considero as doenças infantis do petismo, cuja
permanência no poder pode arrasar a sociedade brasileira de forma irreversível.
O petismo tem a compulsão à repetição do que houve em 1963; querem
refazer o tempo do Jango, quando não conseguiram levá-lo para uma revolução
imaginária, infactível. Os petistas querem a democracia do Comitê Central, o
centralismo democrático, o eufemismo que Lênin inventou para controlar Estado e
sociedade. Eles não confiam na “sociedade”; só pensam no Estado, na
interferência em tudo, no comportamento dos bancos, nos analistas de mercado e
principalmente no velho sonho de limitar a liberdade de opinião. Assinam
embaixo da frase de Stálin: “As ideias são muito mais poderosas do que as
armas. Nós não permitimos que nossos inimigos tenham armas, por que deveríamos
permitir que tenham ideias?”. Nossa maior doença — o Estado canceroso — será
ignorada e terá uma recaída talvez fatal. Não faz autocrítica e não querem ser
criticados. A teimosia de Dilma é total — vai continuar errando com galhardia
brizolista. Sua ideologia é falha, mal assimilada nessa correria sindicalista e
pelega. Até agora governaram um país capitalista com regras e métodos
anticapitalistas — dá no desastre econômico a que assistimos. Eles odeiam a
competência. Acham que administrar é coisa de burguês — vejam o estrago atual.
Acham que planejam a História, que “fazem” a História. Por isso, adotaram a mui
útil “mentira revolucionária”. Assim, podem ocultar tudo da sociedade para o
“bem dela”. Aliaram-se ao que há de pior entre os reacionários brasileiros e
vivem a volúpia de imitá-los, com um adorável frisson perverso
ao cometerem malfeitos para “fins justos”. Aliás, nem sabem o que são seus
“fins”; têm uma vaga ideia de “projeto” que não passa de um sarapatel de
“gramscianismo” vulgar com getulismo tardio e um desenvolvimentismo dos anos
1960. Foi assim que criaram a “roubalheira de esquerda”, que chamam de
“desapropriação” de dinheiro da burguesia. Isso justificou o mensalão, feito
para eleger Dirceu presidente em 2010. Fracassaram. Aliás, o PT abriga muitos
fracassados porque, ao se dizerem “revolucionários” sentem-se superiores a nós,
os alienados, os neoliberais, os direitistas, os vendidos ao imperialismo.
Não entendem o mundo atual e continuam com os pressupostos de uma
política dos anos 1930 na URSS. Leiam os livros do período e constatem se um
Gilberto Carvalho não pensa igualzinho ao Molotov. Para eles, a oposição é a
união da “burguesia” contra o “povo”. No entanto, quem se aliou à pior
burguesia patrimonialista foram eles; ou Sarney, Renan, Jucá, Maluf e Severino
do macarrão são bolcheviques? Petistas só pensam no passado como vítimas ou no
futuro como salvadores e heróis. O presente é ignorado, pois eles não têm
reflexão crítica para entendê-lo. Adoram estar num partido que pensa por eles.
Dá um alívio não ter de pensar — só obedecer. A mediocridade sonha com o futuro
onipotente. A morte súbita de Eduardo Campos pirou os “hegelianozinhos de
pacotilha” que descobriram que a História é intempestiva e não obedece ao Rui
Falcão. Agora, rumam em massa para Pernambuco para elogiar quem chamavam de
“traidor e menino mimado”.
Querem criar os tais “conselhos” sociais, para adiar os problemas,
fingindo uma “humildade democrática” para “ouvir” a população, de modo a
ocultar seu autoritarismo renitente. Vivem a ideia de um futuro socialista como
o substituto do sonho de “imortalidade” dos cristãos. Comunista não morre; vira
um conceito. O homem é um ser social, e o “ser social” nunca morre. Para eles
(e para o Kim da Coreia do Norte), o indivíduo é uma ilusão que criou essa dor
melodramática. Quem morre é pequeno-burguês. Muitos intelectuais e artistas que
sabem dessas doenças infantis preferem cavalgar o erro a mudar de ideia.
Consola a consciência ter uma estrelinha vermelha pendurada na alma.
Os petistas têm uma visão de mundo deturpada por conceitos
compartimentados e acusatórios: luta de classes, vitimização, culpados e
inocentes, traidores e traídos. Acham que a complexidade é um complô contra
eles, acham a circularidade inevitável da vida uma armação do neoliberalismo
internacional. Confundem simplicidade com simplismo. Nunca fazem parte do erro do
mundo; sentem-se superiores a nós, tocados pelo dedo de Deus.
Agora, no mundo modificado pelo fim do socialismo real, pelos impasses
do Oriente Médio, pela crise financeira do capitalismo, pela revolução digital,
sentem falta de uma ideologia que os justifique e absolva. E como não existe
nenhuma disponível (social-democracia, nem pensar...), apelam para o tosco
bolivarianismo que nos contamina aos poucos. É inacreditável como batem cabeça
para ditadores e criminosos, de Ahmadinejad a Maduro, de Putin a Fidel, tudo em
volta do fascismo populista de Chávez.
Dilma se acha Brizola, Lula imita Getúlio: nacionalismo, manipulação da
liberdade, ódio a estrangeiros, desconfiança dos desejos da sociedade. Nada
pior do que o brizolismo-getulista neste momento do país. Estávamos prontos
para decolar no mundo contemporâneo, mas seguraram o avião e voltamos para
trás.
Por isso, repito a frase oportuna de Baudrillard:
“O comunismo, hoje desintegrado, tornou-se viral, capaz de contaminar o
mundo inteiro; não através da ideologia, nem do seu modelo de funcionamento,
mas através do seu modelo de desfuncionamento e da desestruturação da vida
social”.
Este é o perigo.
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