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domingo, 27 de novembro de 2016

Ainda que se aprovasse anistia, o que não acontecerá, Temer avisa: ele vetaria



Passamos alguns dias sob a égide da Loura do Banheiro, que seqüestra criancinhas, ou do Homem do Saco, que rouba os infantes para fazer sabão

Por Reinaldo Azevedo, 26/11/2016,
 www.veja.com.br


A anistia ao caixa dois ou a quaisquer outros crimes a este relacionados, como sabemos, não passa de uma invenção de alguns tolos na qual alguns espertalhões fingem acreditar. Como já deixou claro o ministro Gilmar Mendes, do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, se e quando caixa dois passar a ser crime, a lei não poderá retroagir para punir. Assim quer a Constituição. E eventuais outros crimes serão punidos na forma da lei.

O fato de a armação ser impossível, como aqui se disse desde o começo, não impede que alguns políticos tentem nela se aventurar. Vamos supor que alguns malucos insistissem nessa estupidez e apresentassem uma emenda com esse conteúdo. Digamos que uma bobagem assim fosse aprovada. Para que se transformasse em lei, teria de passar pelo crivo do presidente Michel Temer. A ele caberia sancionar ou vetar a proposta.

E o presidente já avisou a mais de um interlocutor: se uma maluquice como essa prosperar, ele vetará.

Pronto! Nem seria preciso esperar que o Supremo se encarregasse de liquidar a dita “anistia”, como certamente o faria. O próprio presidente abortaria a iniciativa. E fez questão de deixar isso claro.

É assim que se faz.

De um lado da peleja, o dos parlamentares, há, sim, um misto de má-fé e ingenuidade. A má-fé está em acreditar que se possa usar de alguma mão de gato jurídica para escapar da lei. Entre os ingênuos, há quem advogue a independência do Parlamento, que não poderia ficar sob a tutela do Ministério Público Federal.

Do outro lado da linha, estão os espertos do MPF. Perceberam que contam com o apoio de amplos setores da população, que vêem neles os instrumentos para punir corruptos, para hipertrofiar o seu poder e para desmoralizar o Parlamento. Daí a verdadeira campanha que move um dos Poderes da República.

Que fique claro:  os procuradores queriam aprovar um pacote de medidas contra a corrupção que, na sua forma original, macularia gravemente o Estado de Direito. Houve uma justa reação negativa no Congresso. E o relatório do deputado Onyx Lorenzoni é fruto dessa reação. O conteúdo fascistoide das propostas foi rejeitado, mas os senhores procuradores nunca se conformaram com isso.

Foi no seio do MP que começou a grita contra uma suposta “anistia”, embora Rodrigo Janot e seus bravos soubessem, desde o princípio, que algo assim não teria chance de prosperar. E por que fingiram acreditar, concederam entrevistas, fizeram o diabo?

Como revelou o procurador Carlos Fernando, eles estavam apenas vestindo as luvas de boxe para lutar contra o Congresso. O objetivo era desmoralizar o Poder para, então, passar adiante o que lhes desse na telha.

Bem, agora a brincadeira acabou. O MPF vai ter de procurar outro motivo para achincalhar o Congresso. A síntese é a seguinte:

a: não deve haver emenda nenhuma de anistia;

b: se houver, deve ser recusada;

c: se não for recusada, será vetada pelo presidente;

d: ainda que não fosse, o Supremo a liquidaria.

Vale dizer: isso tudo é uma rematada estupidez.

Passamos alguns dias sob a égide da Loura do Banheiro, que seqüestra criancinhas, ou do Homem do Saco, que rouba os infantes para fazer sabão.

comentários

Roberto
 
Finalmente o Temer está fazendo o correto.

Marcelo
 
1-O Congresso pode derrubar o veto do Presidente, em sessão conjunta, por maioria absoluta dos deputados e senadores (art. 66, §4 da CF). 2-Se uma lei entrar em vigência, prevendo alguma anistia (extinção da punibilidade), mesmo que o STF a declare inconstitucional no mesmo dia, ela ainda sim terá aplicação a todos os casos que tratou, mesmo que temporariamente, por ser mais benéfica.

 Ernie
 
O quer dizer “ainda que”? Agora virou uma “possibilidade”?

Temer teria uma baita dificuldade para vetar a “possível” anistia. Seria como queimar as próprias vestes. Não tem saída ou como diz o povo; se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Ele e todos nós dependemos que a maioria do congresso vote e aprove as reformas. Caso Temer vete a possível anistia, muitos, senão a maioria dos canalhas que estão no congresso vão retaliar e negar os 2/3 necessários para prosseguir com as reformas da economia. Dane-se o Brasil. Se Temer não vetar tanto ele como nós vamos ver, ai sim, a revolta do fim do mundo com resultados desconhecidos.

Existe um monte de “se”s (condicionais) para a tal anistia progredir, mas, infelizmente, eu já vi muita coisa na política brasileira onde o congresso conseguiu vencer inúmeros “se”s para implantar algo do interesse deles ou para não se “desgastar” com o eleitorado ignaro. Se passar pelo congresso só nos restaria o duvidoso STF declarar inconstitucionalidade. Eu respeito muito o Gilmar Mendes e sei que ele fala com a voz da razão! Só que existe também, talvez uma maioria, de pessoas que são profissionais da justiça que dizem que a anistia é sim uma possibilidade concreta. Talvez até no STF? Afinal não é o congresso que fazem as leis? Onde está escrito na Constituição que o congresso não pode aprovar uma lei de anistia? Eu não achei! Só com um triplo carpado hermenêutico. Não foi o congresso que aprovou a lei da anistia da ditadura, apesar de lá ter havido crimes de sangue? E o STF negou qualquer revisão? Espero não tenhamos que “pagar para ver”!

A saída? A população de Brasília inteira ir às portas do congresso na terça feira e promover um vomitamento geral naquele gramado diante do congresso… Quem sabe isto não intimidaria esta maioria silenciosa porque envergonhada! Envergonhada? Só que não!

Décio
 
A proposta é uma franca abolitio criminis aos delitos anteriores ao caixa 2. Só não se usa a expressão “anistia”, porque não precisa.

Danilo
 
Temer começa a governar. Enquanto, tomar medidas que, engrandeçam e aumentem a credibilidade da Nação, e beneficiem a população, terá o apoio dos brasileiros que amam o Brasil e dariam sua vida por Ele.

O povo exige o fim dos privilégios de qualquer tipo, que o congresso, não elabore leis para beneficiar criminosos e sim para puni-los, não legislem em causa própria, mas em favor da Nação, que o judiciário se espelhe na “Lava-Jato” e faça sua assepsia tão necessária e o executivo governe com ética, parcimônia, eficiência e eficácia.

Luiz Silva
 
Só o STF. O veto pode ser derrubado. A vontade da maioria prevalece no Congresso Nacional. Só o STF, mesmo assim, só depois de ser evocado. Mesmo com o país em chamas só se pronunciam assim.

Flavio
 
Caro Reinaldo, até o STF julgar inconstitucional, muitos seriam perdoados… inclusive os presos da lava jato,

E o que vc tem a falar sobre o fatiamento do impeachment. O STF fez alguma coisa contra este crime.

João Roberto Pires de Campos Neto  
 
Sem anistia, Vaccari delata

Brasil 26.11.16 07h07min

João Vaccari Neto vai delatar?

De acordo com a coluna Radar, da Veja, sim.

Se a anistia não passar, ele já decidiu entregar os companheiros.

A emenda apresentada por deputados lulistas, como mostrou Miguel Reale Jr, foi feita sob medida para anistiar os crimes cometidos por João Vaccari Neto, em particular a lavagem de dinheiro por meio do caixa 1.

Ronalde
 
Viva a pressão popular, viva a internet! Há alguns anos atrás, isso seria impossível.

Rosane
 
Reinaldo, ontem fui dormir MUITO CHATEADA para não falar um palavrão. Sou uma mulher de negócios e estamos diante de um país parado e lá em Brasília vemos o Temer fazendo besteira (já deveria ter demitido o Gerddel no primeiro dia da denúncia), a Câmara fazendo besteira, o MPF e a justiça fazendo besteira e os investidores voltando a ficar preocupados… Ontem obtive má noticia sobre um investimento que estávamos para fechar, devido a esta grande insegurança que se instalou esta semana, outra vez, no Brasil. É assim que eles querem resolver o problema do Brasil? É assim que eles querem reverter este quadro de recessão? É assim que eles querem recuperar os empregos? Só consegui dar risada ontem, quando vi o vídeo o Lula “confessando” que o Triplex é dele, mas isto na prática não vale nada, foi somente uma pequena diversão diante de uma semana tão perversa!

Paulo
 
Melhor cortar o mal pela raiz e não votar nada ou simplesmente ignorar, pois tem as barreiras de Temer e STF???

O que vocês acham???? Vamos confiar em Temer e principalmente neste STF?

Gaudério
 
Antes disso, Temer afirmou que aprovaria o que viesse do congresso... dá pra confiar???

Willians Cunha
 
Temer pode vetar porque sabe que sua batata está assando… e quanto mais ele toma decisões, mais sua gestão fica confusa e estagnada.

Líli
 
Caro Reinaldo. Também era inconstitucional o fatiamento do impeachment, e foi... fatiado!!!

Dá para confiar?Abs.

Demóstenes
 
Ahy vareia, depende dos ventos, mas graça as mídias Sociais acabou o tempo de fazer a coisa tudo por debaixo dos panos. Hoje está tudo mundo antenado, trem bate no Irão, dois segundos o mundo inteiro já está sabendo.

Jornalistas Ferrenhos como R.A e muitos outros Honestos, são imortais, ele não se vendem pelo poder

Sergio R.
 
Não haverá somente porque o quarto poder se manifestou fazendo muito barulho. Se dependesse somente dos podres poderes, há esta hora a história poderia estar sendo contada de maneira diferente. E com um final nada bom para a democracia.

Nelson André Hofer de Carvalho
 
“Ainda que se aprovasse anistia, o que não acontecerá Temer avisa: ele vetaria”
Aí depende. Temer não é de confiança. . .

Giovanni
 
São, de fato, dias estranhos, Sr. Reinaldo. Essa conversa de anistia a caixa dois (sempre praticado, nunca punido), ministro gravando ministro e indo espontaneamente à PF (ministro usando influência para faturar é coisa comum entre nós), Gleise Hoffmann dando lição de moralidade (é também comum, mas não deixa de surpreender o grau de hipocrisia da senadora e dos petistas de plantão nas redes sociais, a reverberar tamanha cara de pau). Ainda acredito que 2017 nos trará alguma esperança de dias melhores.

Roberval
 
Se não faz diferença então que não se vote. Só de ver diferentes partido de esquerda e direita unido para aprovar essa medida já é de se desconfiar…

Carlos
 
E está liquidada a questão: assim como não podia, por inconstitucional, fatiar o impeachment, também não haverá de se falar em anistia. Acreditemos todos!

Paulo Roberto
 
Espero que a anistia do caixa 2 seja reprovada já, pela câmara! Essa história de Temer vetar cheira a golpe, ele veta depois a base derruba o veto, simples assim! Aí nós vamos ficar dependendo das togas, e Só Deus saberá do resultado!

Nereu Baptista
 
Então, há males que vem pro bem... Com esse imbróglio todo Temer falou alguma coisa boa, vetaria boa!

Vetor
 
Ao : V E NpTo!
…ReAcToR ao ReLLeNpTo…


A justiça negada

Uma juíza vendeu sentença a um traficante. Outra manteve presa ilegalmente uma menina de 15 anos, que foi brutalmente torturada pelos demais presos. Que punição receberam?

Por Victor Irajá, 26/11/2016,
 www.veja.com.br

Texto de J.R. Guzzo

O caso da juíza Olga Regina de Souza Santiago, do Tribunal de Justiça da Bahia, é de dar medo em qualquer brasileiro que imagina estar sob a proteção da lei. A juíza é a personagem central de uma história de negação absoluta da justiça — não se trata de injustiça, exatamente, mas de recusa do Estado em submeter um de seus agentes às leis que valem para o resto da população, prática que costuma ser encontrada apenas nos países mais totalitários do mundo. O que houve? Houve que a doutora Olga, em pleno exercício de sua função, recebeu dinheiro de um traficante de drogas colombiano como pagamento de propina para deixá-lo fora da cadeia — mas não foi, nem será punida por isso. A juíza vinha sendo investigada desde o distante 2007; agora, após quase dez anos de “processo disciplinar” e com base em todas as provas possíveis, de gravações de conversas a comprovantes de transferência bancária, o Conselho Nacional de Justiça declarou, enfim, que ela é culpada de corrupção passiva e outros crimes — e como única punição para isso deve se aposentar, com vencimentos integrais. O apavorante é que não houve nenhum favor especial para a doutora Olga, longe disso; apenas se aplicou o que a Justiça brasileira, desde 2005, considera ser a lei. É ou não para assustar?

Vamos falar as coisas como elas são: uma criança de 7 anos, ao ouvir uma história como essa, sabe que o final está errado. Como a Justiça pode decidir que alguém cometeu um crime e, exatamente ao mesmo tempo, não mandar para a cadeia quem praticou o crime? Por mais respeito que se tenha pelos argumentos que tentam explicar tecnicamente a situação, sobretudo quando apresentados pelos maiores cérebros jurídicos do país, está acima da moral comum entender que possa haver algo correto na recusa de aplicar as leis criminais a um cidadão pelo simples fato de que ele é um juiz de direito. Pois foi precisamente isso que aconteceu. Qualquer outra pessoa, tendo feito o que a juíza Olga fez, seria condenada a até doze anos de prisão, pena agravada de um terço, pelo artigo 317 do Código Penal brasileiro; mas o máximo de castigo que se aplica a ela é que, sendo criminosa, deixe de ser juíza ao mesmo tempo. E mais: continuará recebendo o salário inteiro, pelo resto da vida (no seu caso, não se sabe exatamente qual será o custo disso para o contribuinte, que não cometeu crime algum, mas pouco não vai ser; já podem ir contando com uns 40 000 reais por mês, pelo menos). O pior de tudo é que não se trata de uma exceção; essa é a regra, e, se a regra é essa, está claro que o aparelho da Justiça brasileira parou de funcionar como um sistema lógico. Não pode existir lógica quando o CNJ, o órgão de controle mais elevado do Poder Judiciário, aceita tomar decisões dementes. O resto, para 99% dos seres humanos normais, é pura tapeação — de novo, com todo o respeito.

Quantos magistrados brasileiros estariam dispostos a admitir que existe alguma coisa insuportavelmente errada num sistema em que acontecem fatos como esse? O que temos aqui é uma tragédia permanente. Quase um mês antes da decisão sobre Olga Santiago, o mesmo CNJ resolveu que outra juíza, Clarice Maria de Andrade, do Pará, deve ficar dois anos afastada das funções; por ter se recusado, a atender também em 2007, a um pedido para retirar de uma cela do interior do estado, onde estava presa ilegalmente, uma adolescente com 15 anos de idade. Durante mais de vinte dias, a menina foi brutalmente torturada pelos demais presos, até, enfim, ser retirada dali — e, por causa disso, a juíza Clarice recebeu a aposentadoria compulsória em 2010. Achou que era uma injustiça. Recorreu da decisão, foi desculpada pelo Supremo Tribunal Federal e agora recebe do CNJ a determinação de ficar afastada por dois anos — ou seja, nem aposentada ela acabou sendo. Mas ainda assim não está bom: a doutora Clarice vai recorrer da decisão, pois não aceita nem mesmo esse curto afastamento do cargo. A Associação dos Magistrados Brasileiros manifestou-se publicamente a seu favor. É essa a realidade. Simplesmente não há, para os juízes, sentença contrária, pois mesmo quando são condenados a decisão, na prática, é a favor - e ainda assim eles recorrem. O balanço final é um horror. De 2005 para cá, o CNJ examinou 100 casos de magistrados e todo tipo de acusação: corrupção, principalmente, sob a forma de venda de sentenças, mas também homicídio qualificado, extorsão, peculato, abuso sexual, e por aí afora. Cerca de 30% dos casos acabaram em absolvição; nos restantes, a punição mais grave foi à aposentadoria compulsória ou, então, a aplicação de penas como “disponibilidade do cargo”, “censura”, ou “advertência”. Há um ou outro caso, raríssimo, de prisão, quando o processo corre fora do nível administrativo — e isso é tudo. O contribuinte gasta dezenas de milhões com essas aposentadorias. Não há um cálculo exato de quanto, mas é caro — em nenhum estado brasileiro a média salarial dos magistrados é inferior a 30 000 reais por mês, e nos estados que pagam mais ela passa dos 50 000 mensais. É só fazer as contas.

É aí, nos ganhos dos juízes — além de procuradores e promotores de Justiça, que está outra aberração em estado integral. A Justiça brasileira gasta cerca de 80 bilhões de reais por ano, 90% dos quais vão direto para a folha de pagamento, que, pelas últimas contas oficiais, sustenta mais de 450 000 funcionários. A qualidade do serviço que presta é bem conhecida por todos. O gasto, porém, é um dos maiores do planeta. Cada um dos 17 500 juízes brasileiros custa em média 46 000 reais por mês, ou mais de meio milhão por ano — em que outra atividade o custo médio do trabalho chega a alturas parecidas? Para os desembargadores à frente de tribunais de Justiça, essa média passa dos 60 000 por mês, e ainda assim estamos longe do pior. É comum, nas Justiças estaduais e na federal, salários mensais de 100 000, ou mais — o senador Renan Calheiros, que quer examinar melhor o assunto, cita muito o valor de 170 000, e há casos comprovados de 200 000 ou mais. Como pode dar certo uma coisa dessas? Nossos juízes, que se dizem cada vez mais preocupados com a justiça social, parecem não perceber que estão sendo beneficiados por uma das situações de concentração de renda mais espetaculares do mundo — resultado da distribuição pura, simples e direta de dinheiro público a uma categoria de funcionários do Estado. Faz sentido, numa sociedade como a do Brasil?

Não faz, mas é proibido tocar no assunto. Quando se lembram casos como os das juízas Olga ou Clarice, a reação imediata dos defensores do sistema é perguntar: “Mas por que tocar nessas histórias justo agora? O que há por trás disso? A quem interessa o assunto?”. Da mesma maneira, criticar as “dez medidas anticorrupção” tor­nou-se uma blasfêmia. Espalha-se a ideia de que ações como a de Renan em relação aos salários, e as de outros políticos que pensam numa lei de responsabilidades com sanções mais severas para o abuso de autoridade, não valem nada, porque são feitas com más intenções; o que eles propõem pode até ser correto, mas seus objetivos finais são suspeitos. É tudo uma conspiração para “abafar a Lava-Jato”. É culpa de Lula e da esquerda. É culpa do governo e da direita, e por aí se vai. Mas o fato é que dois mais dois são quatro — e, se o senador diz que são quatro, paciência; a conta não passa a ser cinco só porque é ele quem está dizendo que são quatro. Não é essa a realidade que os militantes do Judiciário intocável aceitam; querem tudo exatamente como está. O resultado é, e continuará sendo, a situação aqui descrita.

O único final feliz



Foi à luta contra a corrupção que trouxe o processo à tona, mas a crise do Estado brasileiro é muito maior que a parte dela que pode ser explicada pela roubalheira

Por Augusto Nunes, 25/11/2016,
 www.veja.com.br

Texto de Fernão Lara Mesquita Publicado no Vespeiro.com

Um monte de gente nas redes sociais e até na imprensa profissional, sempre a reboque dos acontecimentos o que é parte constitutiva desta crise, comemora a prisão de dois ex-governadores do Rio de Janeiro em menos de 24 horas como um sinal de que, “agora sim, o país está mudando”. Pra mim pareceu o contrário. Porque agora? Porque só esses dois da longa fila dos acusados no STF que nunca andou? Porque de forma tão arbitrária e espetacular? Não seria, exatamente, porque os 4,2 milhões de brasileiros a quem a lei concede os privilégios que o resto do país inteiro somado não consegue mais pagar resistem furiosamente a entregar ao menos os anéis?

Culpas e culpados há de sobra por aí. O que não dá é pra desmesurar esse episódio da batalha da Assembléia Legislativa do Rio da qual o destino fez protagonista Luiz Fernando Pezão, a criatura de Sérgio Cabral, que inauguraria a fase “quente” da guerra entre o Brasil que mama e o Brasil que é mamado, nem da luta cada vez menos surda entre o poder Judiciário e Legislativo para, no meio desse tiroteio, manter seus privilégios e prerrogativas “especiais”.

Foi à luta contra a corrupção que trouxe o processo à tona, mas a crise do Estado brasileiro é muito maior que a parte dela que pode ser explicada pela roubalheira. Dotar a nação de leis à altura do desafio de controlar esse foco de infecção é uma etapa obrigatória, mas o fato é que essa roubalheira toda, por gigantesca que tenha sido como, de fato foi não quebra um país do tamanho do Brasil. O que nos está matando mesmo são os meios legal e constitucionalmente garantidos de que a casta que se apropriou do Estado se foi armando para colocar-se acima da lei e viver à custa do resto da nação.

Da longa rodada de abusos patrocinados pelo PT o pior foi multiplicar na União e fazer multiplicar nos estados e municípios o número de funcionários e o valor dos seus salários. Os funcionários para efeito de custo, como se sabe, são eternos. Ao longo desses 10 anos de tiroteio cerrado desde o “mensalão”, essa conta exponencial vem sendo paga por uma economia privada cada vez mais imobilizada pelo caos político. Resultado: mais de 13 milhões de desempregados; 70 milhões de inadimplentes. É um verdadeiro genocídio. E a cada minuto mais se acelera o giro no círculo infernal do desemprego = queda de consumo, arrecadação, e investimento = mais desemprego. Não obstante os salários públicos, mesmo depois que começaram a deixar de ser pagos, continuam tendo aumentos!

Abortada a tentativa de acertar a conta pelo único meio que ela pode ser acertada – o desbaste dos supersalários, das superaposentadorias e da superlotação das folhas de pagamento por gente que entrou pela porta dos fundos – os governadores voltam-se para a única alternativa que resta que é transferir sua massa falida para a União, que tem a prerrogativa de reabrir a impressão de dinheiro falso para pagar despesas correntes como acontecia antes do Plano Real.

A tecnologia e a globalização, entretanto, arrancaram o sistema patrimonialista que se confunde com a nossa história do seu berço esplêndido. O Brasil Oficial não cabe mais no Brasil Real e os dois somados não cabem no mundo globalizado. E não existe a hipótese de sairmos dessa encalacrada sem atacar o problema onde ele de fato está. Não há mais de quem tirar nada senão de quem nada nunca foi tirado. Já está acontecendo, aliás, o que põe aliados novos e poderosos nessa luta: os verdadeiros servidores que já entenderam que só poderão voltar a receber o que merecem em paz se todos receberem apenas o que merecem.

A solução para essa parte do problema decorre automaticamente, aliás, da mera exposição dos números à opinião pública. Quanto maior a indecência do privilégio mais rápido a indignação geral o extingue. Não cabe ao Legislativo, porém, expor os supersalários do Judiciário e do Ministério Público nem vice-versa. Muito menos ao Poder Executivo de um governo interino num país que vem de 300 anos de vícios tolerados onde exigir ou não o cumprimento da lei pode ser mais uma questão de “vendetta” que de justiça. Isso atira o país numa guerra institucional que pode acabar de matá-lo.

Essa função é da imprensa. É exatamente para isso que ela serve e é definida como o “quarto poder” de qualquer republica que aspire à sobrevivência. E o fato disso não ter acontecido ainda mesmo depois que o vaso foi destampado pelo Senado é nada menos que escandaloso.

Já o tratamento do problema maior consiste em criminalizar o privilégio. É essa a receita universalmente consagrada que se materializa tecnicamente na imposição da igualdade perante a lei. Revisada por esse filtro, restaria da Constituição brasileira somente o que há nela de apropriado a uma Constituição que é aquilo que vale para todo mundo, e dos salários públicos apenas o que é justo pagar por eles, descontados o mesmo imposto de renda e a mesma contribuição à Previdência que eles cobram de nós outros.

A corrupção que todos dizem querer combater tem a força que tem porque o que se compra com ela é o poder de outorgar a exceção à lei; o poder divino de resgatar pobres almas do inferno da competição global para a estabilidade eterna no emprego e os aumentos de salário por decurso de prazo que os “concurseiros” buscam como ao Santo Graal. Nem um exército inteiro de juízes e promotores imbuídos da mais santa das iras conseguirá por a corrupção sob controle se continuar existindo a possibilidade de comprar e exercer com ela esse poder divino. Haverá sempre mais juízes e promotores do que eles que, em agradecimento às graças recebidas – que serão sempre as maiores de todas posto que é deles o poder de deixar ou não rolar a farra – cuidarão de dar vida longa ao dono de turno dessa cornucópia.

O único final feliz para a guerra entre o Judiciário e o Legislativo seria, portanto, que o último supersalário morresse sobre o cadáver do último foro especial, o que permitiria ao Brasil passar a tratar seus servidores com a mesma intransigência com que eles o tratam hoje.