Por Augusto Nunes, 21/09/2015, www.veja.com.br
Prefeito de São Bernardo do Campo na época em que
Lula debutava como líder metalúrgico, o advogado Tito Costa publicou na Folha uma
carta endereçada ao amigo que foi presidente de janeiro de 2003 a dezembro de
2010. Aos 93 anos, ele evoca os primeiros capítulos da história que acompanhou
como testemunha privilegiada para externar a decepção provocada pelo desfecho
desastroso das sucessivas metamorfoses: o personagem que parecia destinado a
moralizar a prática política jaz na cova rasa dos estadistas de galinheiro.
Confira. (AN)
Meu caro Lula permito-me escrever-lhe publicamente,
diante da impossibilidade de nos falarmos em pessoa, com a franqueza dos tempos
de nossos seguidos contatos – você na presidência do Sindicato dos Metalúrgicos
e eu prefeito de São Bernardo do Campo.
Não vou falar das greves que ocorreram de 1979 a
1981, que projetaram seu nome no Brasil e no exterior. Não quero lembrar os
dias angustiantes da intervenção no sindicato pelo ministro do Trabalho, em
março de 1979, e da violência que se seguiu com prisões, processos e a sua
detenção pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social).
Todos esses fatos sempre foram acompanhados por mim
juntamente ao senador Teotônio Vilela, a Ulysses Guimarães e a numerosos
políticos do então MDB.
Na véspera da intervenção no sindicato, você ligou
no meu gabinete me pedindo ajuda para retirar estoques de alimentos ali
guardados. Enviei caminhões da prefeitura para retirá-los e o material foi
depositado na igreja matriz da cidade.
Não falo das reuniões, madrugadas adentro, em meu
apartamento em São Bernardo, com figuras expressivas do mundo político e também
de outras esferas, como dom Cláudio Hummes, nosso amigo, então bispo de Santo
André, hoje pessoa de confiança do papa Francisco, em Roma. Éramos todos
preocupados com a sua sorte, a do sindicato e também a das nossas instituições
em pleno regime militar.
Prefiro não falar dos dias em que o acolhi em minha
chácara na pequena cidade de Torrinha, no interior de São Paulo, acobertando-o
de perseguições do poder militar da época: você, Marisa, os filhos pequenos,
vivendo horas de aflição e preocupantes expectativas.
Nem quero me lembrar das assembléias do sindicato,
depois da intervenção no estádio de Vila Euclides, cedido pela Prefeitura de
São Bernardo, fornecendo os aparatos possíveis de segurança.
Era os primórdios de uma carreira vitoriosa como
líder operário que chegou à Presidência da República por um partido político
que prometia seriedade no manejo da coisa pública e logo decepcionou a todos
pelos desvios de comportamento e de abusos na condução da máquina
administrativa do Estado.
E aqui começa o seu desvio de uma carreira política
que poderia tê-lo consagrado como autêntico líder para um país ainda em busca
de desenvolvimento. Você deixou escapar-lhe das mãos a oportunidade histórica
de liderar a implantação de urgentes mudanças estruturais na máquina do poder
público.
Como bem lembrou Frei Betto, seu amigo e
colaborador, você, liderando o Partido dos Trabalhadores, abandonou um projeto
de Brasil para dedicar-se tão somente a um ambicioso e impatriótico projeto de
poder, acomodando-se aos vícios da política tradicional.
Assim, seu partido, em seus alargados anos de
governo, com indissimulada arrogância, optou por embrenhar-se na busca
incessante, impatriótica e irresponsável do aparelhamento do Estado em favor de
sua causa que não é a do país.
Enganou-se você com a pretensão equivocada de
implantar uma era de bonança artificial pela via perversa do paternalismo e do
consumismo em favor das classes menos favorecidas, levando-as ao engano do qual
agora se apercebem com natural desapontamento.
Por isso, meu caro Lula, segundo penso, você perdeu
a oportunidade histórica de se tornar o verdadeiro líder de um país que ainda
busca um caminho de prosperidade, igualdade e solidariedade para todos. Alguma
coisa que poderia beirar a utopia, mas perfeitamente factível pelo poder
político que você e seu partido detiveram por largo tempo.
Agora, perdido o ensejo de sua consagração como
grande liderança de nossa história republicana recente, o operário-estadista,
resta à população brasileira o desconsolo de esperar por uma era de
dificuldades e incertezas.
Seu amigo, Tito Costa.
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