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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Trevas (Fonte: ZH 09/07/2012).


P
ortas, grades, muros, arames farpados... Cercas físicas e elétricas, correntes e cadeados. Tudo o que protege da escuridão nos separa, também, da luz. Alguém precisa dar mais atenção à influência das tantas barreiras físicas no ânimo de nos aproximarmos uns dos outros. Em pleno século 21, voltamos à Idade das Trevas, época de violência e medo.
N
inguém me convence de que o isolamento cada vez maior e sua conseqüente intolerância não nascem de uma contaminação psicológica dos limites contundentes, especialmente em grandes centros urbanos. Se o outro vem da fronteira estabelecida entre o bem e o mal, e estou seguro de habitar o lado do bem, ele é, a priori uma ameaça.
P
ara mim o recado transmitido por uma porta sólida, gradeada e com um olho mágico sempre foi evidente: estou desobrigado de atender. Vejo o outro lá fora, mas permaneço oculto em minha toca, acuado, indisposto. Ao sair, recorro ao vidro escuro do automóvel, novo manto de invisibilidade. Tudo é feito para escapar do constrangimento da exposição.
T
ambém o recado de um muro alto é claro: você não é bem-vindo. Seu olhar deve permanecer de fora, não quero ouvir o som que você produz. Em nada me interessa quem está do outro lado. Além do mais, a ignorância sobre o entorno é reconfortante: Poupa-nos de todo e qualquer impulso de solidariedade. Desculpa-nos de eventuais omissões.
O
 recado de um porteiro eletrônico é frio como a voz metalizada: convença-me de quem é você, diga o que deseja, seja convincente. O recado do agente de segurança que nos prende em eclusas é explicito: desconfio de você a ponto de cercear arbitrariamente sua liberdade pela simples ousadia de querer entrar. O recado de uma cerca elétrica é ameaçador: Perigo! E o cão que ladra avisa que morderia antes mesmo da invasão, pois foi treinado para farejar, em todos, potenciais inimigos.
A
ssim, para sairmos de nosso lar em direção à casa de alguém é preciso, primeiro, ter coragem para enfrentar a fronteira má do espaço público. Depois, aceitar o fato de que o feitiço desta floresta nos transforma em seres potencialmente perigosos, para os quais todos os recados convergem: vá embora! Por fim, carregar como antídoto uma porção com doses elevadas de paciência, perseverança, simpatia e fé.
Dúvida? Leia os soturnos manuais de segurança para conferir quais foram nossas “conquistas” civilizatórias. Ali, o cabal reconhecimento ao poder das trevas. Ali, nada do que mais arcanjo: a cálida e reconfortante luz das almas.
                                                                      Rubem Penz,
                                                        Vice-Presidente da AGES

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