Por
Paulo Moreira Leite, 15/10/2013, www.istoé.com.br.
A máscara é um convite para a ação da tropa de choque, pois demonstra
que as autoridades se mostram incapazes de manter a ordem.
Os protestos de junho de 2013
trouxeram a novidade das máscaras. É um debate importante, que mobilizou prós e
contras em vários lugares. Cinco meses depois, os mascarados continuam em
atividade, cada vez mais intensa.
As principais alegações a favor
das máscaras envolvem argumentos simplórios.
Dizem que os mascarados são
indivíduos no exercício de seus direitos políticos e têm direito de se proteger
de qualquer ação repressiva.
Será?
Nós sabemos que a Constituição
garante a liberdade de expressão, mas veda o anonimato – como aprendi
recentemente durante almoço em plena Vila Madalena.
Não vamos falar de certas
situações de opressão geral que em alguns países podem justificar o uso de
máscaras.
Num país democratizado, como o
Brasil, as máscaras teriam outro efeito político se o País se encontrasse numa
situação revolucionária de duplo poder, em que é razoável colocar em questão o
monopólio da violência sobre o Estado.
No país de 2013, seu único efeito
prático é ajudar a criminalizar os protestos e a própria luta política
extraparlamentar, necessária a todo o momento para avançar determinadas
reivindicações que o Congresso ignora.
A máscara é um convite para a
tropa de choque entrar em ação porque é uma demonstração irrefutável de que as
autoridades se mostram incapazes de manter a ordem, mesmo que momentaneamente.
O sujeito que saiu de casa
mascarado se autodenuncia e manda um recado: vai aproveitar a mobilização para
cometer atos ilegais.
É tão óbvio que a polícia, se
tiver um mínimo de responsabilidade, de sentido de cumprir seu dever legal, irá
prestar atenção redobrada a seus movimentos e contra-atacar na primeira
oportunidade.
Está na cara que a PM, primeiro
instrumento criado pela ditadura militar para reprimir as mobilizações
populares, e que não foi reformada como ser necessário depois da
democratização, fala a língua da violência. Atira para machucar e bate para
ferir. Admite matar – mesmo que teoricamente por acidente -- com uma bala de
borracha.
Por isso todas as intervenções da
PM tendem a dar errado quando vistas pela atual consciência democrática do
país. E é o caso de evitar pensamentos ingênuos quando se discute porque ela
não é reformada nem reeducada. Porque não interessa, vamos combinar. E nós
sabemos quem tem força e articulação para definir, estruturalmente, o que interessa
e o que não interessa mudar, certo?
Estudantes serão feridos de forma
bruta. Manifestantes serão conduzidos para a cadeia de modo arbitrário,
cumprindo temporadas ridiculamente longas de detenção. E aí o foco do protesto,
com justiça, será a própria polícia e, por essa via, a ação do Estado.
Estive em Washington quando
grupos ultrarradicais queriam impedir uma reunião do FMI e foram paralisados
por uma ação preventiva, pacífica e sem violência, da polícia local. Então há
diferença entre uma situação e outra.
Há outras questões nestas
máscaras. Sem responder a uma situação política especifica, onde pode ser
necessária, sua violência permanente auxilia no reforço da ordem.
O discurso de quem esconde o
rosto é que ele se dedica a destruir “símbolos” do capitalismo. Bobagem. Seus
atos destroem patrimônio real do capitalismo, que custou trabalho de
assalariados, que serão de uma forma ou outra, forçados a pagar pelo prejuízo.
Como empregados, enfrentarão pressões nos salários e benéficos. Como cidadãos,
serão forçados a pagar sua parte no prejuízo pelo aumento de taxas e tarifas.
Como consumidores, podem perder um automóvel ou mesmo serem obrigados a pagar a
reforma de sua casa.
Simbólico, aqui, é outra coisa --
o show -- sob medida para reforçar clamores por lei e ordem.
A sociedade do espetáculo
despreza os homens simples do povo, os verdadeiros cidadãos que podem ser
protagonistas de mudanças relevantes e duradouras porque estimula símbolos que
combinam com a ideologia que ela defende e divulga: o individualismo, o meio
como substituto do fim. O caráter puramente destrutivo de sua atividade
determina que sua função seja produzir impasses.
Seu universo não é o da política,
pois pertence à sociedade de consumo. Não aceita heróis de pessoas de carne,
osso – e rostos – mas personagens que poderão ser promovidos e descartados ao
saber das conveniências.
Há um elemento narcisista no
militante mascarado, mas sua força de atração é outra. Ele tem uma postura de
busca permanente pelo confronto, que sempre poderá ser objeto de consumo num
tempo em que faltam opções revolucionárias reais no horizonte.
Ao contrário do que ocorria em
outros momentos históricos, a partir da chegada de Lula no Planalto temos um
governo que procura encaminhar as reivindicações de trabalhadores e da
população mais pobre, com avanços, recuos, acertos e muitos erros, mas um saldo
geral positivo, mesmo que limitado, mas suficiente para exasperar os setores
historicamente dominantes.
Estes mantêm uma relação ambígua
com os mascarados. Declaram-se horrorizados com seus atos, mas não deixam de
enviar mensagens de estímulo e tolerância, pois a máscara sempre será muito
útil enquanto servir para desgastar o governo Dilma, paralisar instituições e
impedir reformas necessárias – inclusive do sistema político.
A máscara tem a vantagem de que
nunca se sabe quem é o rosto por trás dela e sempre será possível permitir o
governo de incapaz de manter a ordem e defender a democracia, um desses
argumentos obviamente ululante em toda intervenção contra os direitos do povo.
Qualquer que seja o discurso e a
ideologia dos mascarados, a função real de sua violência é retirar a
legitimidade do processo histórico que o país vive hoje.
O resultado dessa atividade não
beneficia a maioria da população e cria obstáculos a novas conquistas.
Desmoraliza organizações dos
trabalhadores, por mais que dê a impressão de ajuda-las – e até possa se
mostrar útil diante da extrema violência da PM. Sua violência não corresponde
ao momento político real e, como todo gesto político feito sob estas condições,
cedo ou tarde se voltará com contra os mais fracos. Todas as gerações de
brasileiros assistiram a este filme.
Quanto o serviço de
desmoralizar os símbolos da democracia tiver terminado, os mascarados serão
retirados de cena – e aí sobrará menos liberdade e mais repressão para quem
nada tinha a ver com machadinhas, máscaras e violência.
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