Eugênio Aragão chega ao cargo de
vice-procurador eleitoral com medidas para impedir fraudes no processo de
fundação de novos partidos; para ele, o excesso de partidos abre espaço para
irregularidades.
Por Marcela
Mattos, 29/09/2013, de Brasília, www.veja.com.br.
Aragão
defende regras mais claras sobre propaganda eleitoral antecipada (TSE)
"Não é para se facilitar a criação de
partidos. Um partido político é uma instituição permanente que deve expressar
uma corrente representativa dentro da sociedade. Não é uma coisa
qualquer", Eugênio Aragão, procurador eleitoral.
Recém-chegado ao Ministério
Público Eleitoral, o procurador Eugênio Aragão assumiu o posto no último dia 18
mostrando-se disposto a frear a farra da proliferação de partidos
políticos. A iniciativa chega no momento em que o Brasil acaba de ganhar duas novas legendas – PROS e Solidariedade – e caminha para atingir a 33ª agremiação, caso a
Rede Sustentabilidade, da ex-senadora Marina Silva, receba o aval do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Nomeado pelo procurador-geral Eleitoral e da República,
Rodrigo Janot, Aragão quase frustrou as expectativas do deputado federal
Paulinho Pereira em criar o Solidariedade: às vésperas de o TSE julgar o
registro da sigla, pediu que a Polícia Federal (PF) investigue a suspeita de fraude no
processo de coleta de assinaturas. As denúncias, no entanto, não impediram que
o partido fosse homologado.
O vice-procurador eleitoral também
trouxe dificuldades à Rede, ao
emitir um parecer no qual diz que a legenda não demonstrou o caráter nacional
exigido. Pela lei eleitoral, são necessárias ao menos 492 000 assinaturas
coletadas em nove estados.
O novo procurador eleitoral
avalia que o sistema atual está impossibilitado de controlar a
veracidade dos milhares de apoios e – o mais preocupante – a multiplicação de
partidos pode servir apenas como mais um processo de barganha: “Como eles não
têm chance de chegar ao poder, os partidos nanicos servem de moeda de troca. E
aí eles são, talvez, o pivô de todo o problema de improbidade dentro do
processo eleitoral”, afirmou Aragão, que ressalta ainda o risco
de fragilização da democracia diante da facilidade de se montar novas
legendas. Confira outros trechos da
entrevista ao site de VEJA:
Qual a maior
dificuldade do sistema eleitoral atual? É triste
dizer isso: tudo. Tem doação oculta, gastos não contabilizados, abuso de poder
econômico-político. Tem de tudo que se possa imaginar e é muito difícil
fiscalizar porque, como as eleições são concomitantes e têm uma extensão
enorme, é necessária uma máquina gigantesca para fazer um tipo de escrutínio
como esse para saber o que está acontecendo. A Justiça Eleitoral e o Ministério
Público Eleitoral são extremamente pobres em termos de estrutura. A gente
também não pode querer dar passos maiores que nossas pernas. Mas algumas coisas
são muito preocupantes, como a criação de partidos políticos com esses
apoiamentos que tivemos agora.
Por que o
processo de criação de novos partidos é preocupante? É uma massa de informação que não é fácil de administrar em lugar
nenhum. Como se controla se 492 000 assinaturas são legítimas, expressam
realmente um apoio sincero de quem assinou? Uma coisa é você ser obrigado a ir
até o partido ou ao cartório mostrar o seu apoiamento. Outra é estar em uma
fila de supermercado e vem um sujeito com uma prancheta pedindo para
assinar. Qual é a sinceridade de um apoiamento desse? Seria diferente, por
exemplo, e essa é uma proposta que defendo, se fosse criado um processo
pelo qual o apoiamento tivesse de ser colhido no cartório eleitoral. O eleitor
teria de se dirigir até a sua zona eleitoral e lá preencher um formulário que
imediatamente seria colocado no sistema e computado. Isso sim seria um
apoio sincero.
Mas isso não
sobrecarregaria os cartórios? Acho que
não. No caso do Rede Sustentabilidade, eles começaram a coleta em março e
terminaram em setembro. Com esse pequeno período para conseguir
as assinaturas, é possível mostrar que não vai abarrotar nenhum cartório.
Em princípio, há um espaço suficientemente grande para não dar tumulto. Mas tem
de fazer com que essas pessoas tenham um mínimo de ônus até para que as novas
agremiações sejam levadas a sério.
Um sistema
que dependesse da participação ativa dos brasileiros não dificultaria a criação
de novos partidos? Não é para se facilitar a criação de partidos. Um partido político é uma
instituição permanente que deve expressar uma corrente representativa dentro da
sociedade. Não é uma coisa qualquer. Está se criando uma estrutura que deve
estar ali para participar da história política do país. Hoje simplesmente
criam-se partidos a torto e a direito. Desses partidos, alguns têm chances de
competir, mas outros não têm a mínima condição de chegar ao poder – são
partidos nanicos e servem de moeda de troca. E aí eles são, talvez, o pivô de todo
o problema de improbidade dentro do processo eleitoral. Um partido desse passa
a ser um joguete para atitudes clientelistas.
Qual será o
impacto político desses novos partidos? Aqui no
Brasil, esses partidinhos não vão moldar nada. Eles vão perpetuar práticas
deletérias extremamente condenáveis. Eu acho que a gente tem de ter consciência
disso na hora em que aprova novos partidos.
E quais
interesses estão por trás dessa proliferação? A pessoa que cria um partido, pela lógica da ciência política, quer o poder.
Política é a arte de se chegar ao poder. Então, se uma pessoa cria um partido
sabendo que não tem a mínima chance de chegar ao objetivo, ela quer que o
partido seja uma barganha de poder. Ela quer barganhar com quem pode
chegar no poder ou já está lá. Um partido pequeno pode se associar ao maior e
fornecer a ele mais tempo de exposição na propaganda televisiva e de rádio e
garantir um fundo partidário mais recheado. Acaba sendo uma moeda de troca, o
que não é bom para a democracia.
O argumento
é que a existência de inúmeros partidos é uma consequência democrática. Eu não acho que quanto mais partidos, mais democracia. Eu acho que esse
é um raciocínio muito limitado. A democracia tem de partir do princípio de que
as correntes de opinião na sociedade estejam representadas. E, trinta e três
correntes de opinião, sendo que talvez duas sejam relevantes e o resto é
brincadeira, não é necessariamente um sinal de democracia forte. A fragmentação
fragiliza a democracia.
Qual o
limite para permitir a criação de novos partidos? O senhor pretende dificultar
esse processo? Eu e todo o Ministério Público sustentamos que não se deve transformar a
criação de um partido na criação de um clube. Mas é claro que nossos meios são
muito limitados. O TSE mostrou no Solidariedade e no PROS que no procedimento
de registro há uma margem muito pequena para negar o registro, mesmo se os
apoiamentos e as condições forem mal feitas e se houve falha no processo. O que
se pode fazer depois é recorrer à Polícia Federal para investigar as fraudes,
mas isso não inviabiliza o partido. A carta democrática da Organização
dos Estados Americanos (OEA) diz claramente que a democracia
pressupõe partidos fortes. Acho que a gente tem de agir dentro dessa linha
programática. Um sistema democrático de partidos frágeis é um sistema que está
sujeito a práticas não muito probas na vida política – ele contamina a
qualidade ética da política.
O senhor
acha que a Rede vai ser aprovada? Diferentemente do PROS e do Solidariedade, o
partido de Marina não conseguiu o mínimo de assinaturas. A Rede, pelo menos, eu não vi nenhuma suspeita de fraude. Ao que parece,
é um processo liso e que houve um filtro ético muito grande. Mas eu acho que a
Marina começou tarde. A gente não tem de flexibilizar normas para facilitar o
patamar legal só porque ela é legal. A gente não pode fazer as coisas de
qualquer jeito, porque nós estamos criando uma estrutura séria de poder no
país. Pessoalmente, eu posso até fazer votos de que ela consiga. Mas, como
Ministério Público Eleitoral, eu tenho o dever de fazer com que a lei seja
cumprida.
O senhor,
então, vê a Rede como uma causa perdida? Não.
Depois que aprovaram o PROS e o Solidariedade, acho que seria de se esperar que
aprovasse a Rede também. Eu tenho um sentimento de justiça de que já que os
outros conseguiram, e conseguiram de um modo bastante questionável, não
permitir isso para a Rede pelo menos não soa para o leigo como uma medida
justa.
Como essa
multiplicação de partidos muda o cenário de 2014? Essa eleição é uma caixa de surpresas. Nós temos hoje pelo menos quatro
candidatos viáveis. Nesse contexto, a existência de partidos pequenos, sem
identidade clara e sem chances reais de chegar ao poder, se presta como um
instrumento para ganhar apoio. Esse é o jogo democrático, mas isso é ruim
para o eleitor, porque em última análise não está em jogo nenhum programa, não
está em curso uma visão de mundo. Não existe nesse discurso nada de
substancial, até porque a gente sabe que na hora de ir para a governança os
grupos governam de uma forma muito parecida.
Em um
momento em que já começam as movimentações eleitorais, como caracterizar o que
é propaganda antecipada? Quando o Congresso Nacional
decidiu que se pode admitir a reeleição para cargos executivos sem
desincompatibilização, a propaganda antecipada passou a ter uma linha muito
tênue de distinção com a propaganda institucional. Não se sabe exatamente onde
é o limite. A gente não pode nem exacerbar a interpretação de que se trata
sempre de propaganda antecipada, mas também não podemos permitir que através do
uso da máquina de comunicação da administração se crie uma situação de vantagem
para o governo. Eu gostaria que fosse estabelecida uma definição típica do que
a gente entende por propaganda antecipada. Assim, se o candidato não quiser
arrumar problema com o Ministério Público, ele já vai saber as regras e vai
fazer a sua propaganda de um jeito que não seja interpretada como propaganda
política. Essas novas diretrizes estão em estudo.
As mudanças
eleitorais dependem de uma legislação nova. Por que a reforma política e
eleitoral se arrastam no Congresso? Ninguém
corta o galho onde está sentado. É claro que qualquer discussão sobre reforma,
se o sistema lhe está favorecendo, se arrasta. Se o parlamentar está muito bem
adequado nesse sistema, por que mudar? Existe má vontade dos atores políticos
em mexer em um ambiente que eles já estão acostumados a nadar igual peixinho no
aquário. Além disso, talvez vão vir novos atores a partir desse processo de
reforma política que vão competir com os tradicionais donos da política e que
podem tirar o espaço deles. Ninguém gosta de promover uma reforma quando sabe
que pode ir contra os seus interesses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário