PUBLICADO NO ESTADÃO DESTE
DOMINGO
Quando o presidente do Senado — alvo de processo no Supremo
Tribunal Federal por peculato, falsidade ideológica e uso de documentos falsos — posa como um dos principais
condutores do processo de ouvidoria das ruas que reclamam, entre outras coisas,
por uma trava da corrupção, há uma patente dissonância entre as mensagens e a
confiabilidade dos candidatos a mensageiros.
O senador Renan Calheiros, suas
suspeitas circunstâncias e a insensibilidade do Senado ao reconduzi-lo à
presidência são componentes da bomba que explodiu em forma de exaustão. As
excelências seguem tentando ignorar essa evidência; por cinismo ou
impossibilidade de questionar institucionalmente um papel cuja legitimidade a
Casa conferiu a ele, não importa.
Fato é que Calheiros no papel de
arauto das ruas é o retrato resumido e invertido de todos os que agora reagem
como se não tivessem nada a ver com a mensagem, tentando fazer bonito sem
reconhecer tudo o que fizeram de feio nem se dispor a garantir que daqui para
frente tudo vai ser diferente.
O senador é apenas parte do cenário
de desfaçatez e apropriação indevida dos reclamos. Nele atua um elenco enorme
no Legislativo com seus atos secretos e convivência cordial com processados,
investigados e condenados; no Executivo, com catequese ufanista e exuberante
ineficiência emoldurada por 39 ministérios.
Esses atores contaram com a
passividade da sociedade, que realmente parecia eterna, incurável e contagiosa.
Quando a massa resolveu mudar o tom da conversa de maneira contagiante,
transformaram-se todos subitamente em porta-bandeiras dos avanços como se não
fossem eles mesmos os mestres-salas do atraso.
O Judiciário, a despeito de suas
deformações sobre as quais dão notícia privilégios corporativos e maus serviços
prestados no dia a dia, merece ressalva na figura do Supremo Tribunal Federal.
Foi o primeiro a perceber que era
preciso abrir os ouvidos às demandas da sociedade e por isso foi acusado, pelos
mesmos engenheiros de obra feita de agora, de praticar ativismo indevido e
usurpar poderes dos Poderes inativos. Demorou, é verdade, mas deu uma resposta
efetiva ao não permitir mais protelações na execução da pena do deputado Natan
Donadon.
As demais providências — pactos, cancelamentos de
reajustes, anúncios de investimentos, endurecimento de leis e um plebiscito sem
fio terra — por ora
são terrenos vendidos em paraíso imaginário. Produtos de uma hiperatividade de
ocasião.
E até que se corrijam falhas, se
reconheçam erros cometidos e se firme um compromisso em torno de procedimentos
totalmente diferentes, não merecem credibilidade. Tanto soam oportunistas esses
valentes soldados de causas até então solenemente ignoradas, que não há
disposição de trégua à vista.
O governador Eduardo Campos, de
Pernambuco, fez esse alerta. Não atraiu muita atenção e ficou perdido em meio a
declarações e reações desencontradas de autoridades que, conforme apontou,
ainda atuam no modo analógico enquanto a sociedade já opera “no sistema
digital”.
É um aviso importante para todas
as forças políticas, de governo e de oposição: pegar carona nos movimentos não
será suficiente para que nenhuma delas consiga capitalizar eleitoralmente o
descontentamento. Por Dora Kramer, 30/06/2013, veja.com.br.
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