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domingo, 28 de julho de 2013

O barulho veio para ficar (Fonte: CP 17/07/2013).

Nas ruas, nas estradas, nas sedes das prefeituras, nas Câmaras de Vereadores, nas Assembleias Legislativas e até na Praça dos Três Poderes, o propósito é um só: ocupar para sonhar, para pressionar e também para mudar. Trata-se de uma epidemia pacífica, festiva e, acima tudo, subversiva da ordem estabelecida, pois introduz um fator novo e incontrolável pelos arautos da velha política, que não conseguem esconder seu desconforto. Por ousar recolocar a política nas ruas, a epidemia é demonizada pelos propagadores do mesmo, que estão perplexos diante do que para eles é tido como herético: a pressão sobre os donos do poder, para usar a expressão consagrada por Raimundo Faoro. Suas inteligências estreitas tentam nomear o incompreendido e desqualificá-lo de todas as formas, ou, pior ainda, tentam tomar posse de seu legado político, identificando-o com propósitos surrados e desgastados, que não fazem jus à riqueza de sentidos que emerge da atuação dos movimentos sociais.
As ocupações são movidas por propósitos plurais e não estão circunscritas a qualquer programa rigidamente estabelecido, visando redimensionar as regras do jogo político para além do já pensado. Em outras palavras, de forma insuspeitada e absolutamente imprevisível, objetivam um radical rompimento com a patologia que historicamente caracteriza (ou caracterizava?) a representatividade no Brasil: o poder é exercido à revelia do povo e, em alguns casos, até mesmo contra ele.
Tudo isso parece muito estranho para um país com tão pouca tradição cidadã. José Murilo de Carvalho sustenta que no Brasil os direitos civis só entraram em pauta recentemente. Conquistas essenciais da cidadania – como a liberdade de expressão, de locomoção e de reunião – são novidades tardias que colocam em questão uma triste tradição de criminalização dos movimentos sociais, cristalizada na expressão “a questão social é um caso de Polícia”. Na nova configuração cidadã que se anuncia a própria ação policial terá que, ser repensada para além do confronto com o inimigo, pois estão amanhecendo novos tempos, cujos impulsos transformadores são absolutamente irresistíveis. Como recentemente disse Castelis, o povo não vai se cansar de protestar. E se o professor Safatle está correto ao dizer que a democracia é barulho e quem gosta de silêncio prefere ditaduras, preparem-se, pois o barulho veio para ficar. Ainda bem.
Salah H. Khaled Jr., Doutor e Professor da Furg.

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