Nas
ruas, nas estradas, nas sedes das prefeituras, nas Câmaras de Vereadores, nas
Assembleias Legislativas e até na Praça dos Três Poderes, o propósito é um só:
ocupar para sonhar, para pressionar e também para mudar. Trata-se de uma
epidemia pacífica, festiva e, acima tudo, subversiva da ordem estabelecida,
pois introduz um fator novo e incontrolável pelos arautos da velha política,
que não conseguem esconder seu desconforto. Por ousar recolocar a política nas
ruas, a epidemia é demonizada pelos propagadores do mesmo, que estão perplexos
diante do que para eles é tido como herético: a pressão sobre os donos do
poder, para usar a expressão consagrada por Raimundo Faoro. Suas inteligências
estreitas tentam nomear o incompreendido e desqualificá-lo de todas as formas,
ou, pior ainda, tentam tomar posse de seu legado político, identificando-o com
propósitos surrados e desgastados, que não fazem jus à riqueza de sentidos que
emerge da atuação dos movimentos sociais.
As
ocupações são movidas por propósitos plurais e não estão circunscritas a
qualquer programa rigidamente estabelecido, visando redimensionar as regras do
jogo político para além do já pensado. Em outras palavras, de forma
insuspeitada e absolutamente imprevisível, objetivam um radical rompimento com
a patologia que historicamente caracteriza (ou caracterizava?) a
representatividade no Brasil: o poder é exercido à revelia do povo e, em alguns
casos, até mesmo contra ele.
Tudo
isso parece muito estranho para um país com tão pouca tradição cidadã. José
Murilo de Carvalho sustenta que no Brasil os direitos civis só entraram em
pauta recentemente. Conquistas essenciais da cidadania – como a liberdade de
expressão, de locomoção e de reunião – são novidades tardias que colocam em
questão uma triste tradição de criminalização dos movimentos sociais,
cristalizada na expressão “a questão social é um caso de Polícia”. Na nova configuração
cidadã que se anuncia a própria ação policial terá que, ser repensada para além
do confronto com o inimigo, pois estão amanhecendo novos tempos, cujos impulsos
transformadores são absolutamente irresistíveis. Como recentemente disse
Castelis, o povo não vai se cansar de protestar. E se o professor Safatle está
correto ao dizer que a democracia é barulho e quem gosta de silêncio prefere
ditaduras, preparem-se, pois o barulho veio para ficar. Ainda bem.
Salah
H. Khaled Jr., Doutor e Professor da Furg.
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