Folha de S.Paulo Editoriais: 05/12/2012.
Herança
maldita.
Nos seus aspectos constrangedores
e diminutos, o caso Rosemary Noronha comprova, para além de qualquer dúvida, o
tipo de legado que o ex-presidente Lula deixou à sua sucessora no Planalto.
Ainda que tenham sido
significativos os avanços econômicos e sociais ao longo de seu governo, Lula
fez com que verdadeira herança maldita se mantivesse incrustada no aparelho de
Estado brasileiro.
Nem mesmo se completam o desmantelamento e a punição da quadrilha
mensaleira, outro foco de irregularidades é desvendado.
No mensalão, o escândalo estacou na figura
todo-poderosa do ex-ministro José Dirceu, sem que surgissem provas do
envolvimento de Lula no esquema criminoso.
Restaram, é claro, as suspeitas
de conivência, reforçadas pela contínua atitude de apoio aos condenados que
tanto Lula como setores ainda expressivos do petismo não têm pejo em
manifestar.
Diferentemente do que ocorre em
outros países, não é da tradição brasileira investigar a vida pessoal de suas figuras
públicas. Pouco importaria o tipo de relacionamento que se verificou entre Lula
e Rosemary.
Entretanto impõem-se explicações
sobre o fato de ela ter sido nomeada chefe do escritório da Presidência em São
Paulo, exercendo a partir daí atuação diversificada no campo dos
favorecimentos, das indicações, dos pareceres duvidosos e das propinas de
ocasião.
Sem outras qualificações exceto a
proximidade com o presidente, Rosemary conseguiu nomear Paulo Rodrigues Vieira
para a diretoria da Agência Nacional de Águas e seu irmão, Rubens Carlos
Vieira, para cargo equivalente na Agência Nacional de Aviação Civil.
Surge, com a ajuda de Paulo
Vieira, a aprovação suspeita de um projeto portuário em Santos; surge um
parecer favorável ao ex-senador Gilberto Miranda, permitindo que ocupasse uma
ilha no litoral paulista; surgem laudos e diplomas falsos obtidos por Rosemary
em benefício de seu grupo.
Sem dúvida, a dimensão das
propinas e dos favorecimentos já descobertos autoriza a aplicação de um termo
em voga, "mequetrefe", para os atos da assessora lulista.
Mas não é mequetrefe, afinal, o
cargo de presidente da República. E não é inédito, muito ao contrário, o estilo
de aparelhamento imposto pelo lulismo ao governo federal, que este episódio
reafirma.
O
ex-presidente, mais uma vez, esconde-se atrás da barreira de fumaça criada
pelos correligionários.
Desmorona, aos poucos, o mito de
estadista de que se quis cercar um governante que pôs o Estado a serviço de
interesses partidários e que se esquiva, de modo contumaz, a assumir a
responsabilidade dos atos delituosos que se cometeram sob seu poder.
Nota:
O
presente texto foi tirado da Folha de S.Paulo de 05/12/2012.
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