Mais de um jovem morto por hora é
extermínio. É estado de calamidade, não só nos Estados falidos
Por Ruth de
Aquino, 01/07/2016,
www.época.com.br
Quem desiste de viajar para a Turquia porque o
terrorismo islâmico matou quatro dezenas no aeroporto internacional não pode
ignorar uma terrível constatação. No Brasil, vivemos um bangue-bangue sangrento
que mata inocentes, bandidos e policiais. Com muito mais vítimas do que as
produzidas por guerras convencionais e atentados. É o terror na versão
verde-amarela de “ordem e progresso”.
Agora, foi a vez de Jhonata Dalber Matos Alves, de
16 anos, ser morto com uma bala na cabeça e com um estojo escolar e um saco de
pipoca na mão. Aconteceu no Morro do Borel, na Tijuca, no Rio de Janeiro. “Meu
filho tinha ido à casa do tio, com dois amigos, para buscar pipoca para uma
festa junina”, disse a mãe, Janaína. “A minha vida acabou!” A versão oficial é
que a polícia atirou “na direção de bandidos que passavam e um tiro acertou o
menino”. Moradores negam confronto. Há uma UPP no Borel desde 2010. Mas a
“pacificação” acabou faz tempo, muito antes de ser concluída.
Vinte e nove crianças e adolescentes de menos de 19
anos são mortos por dia no Brasil, segundo um novo estudo oficial, que usa como
base o ano de 2013. Hoje, esse total deve ser maior. O gráfico é assustador.
São 10.520 homicídios por ano. É mais de um jovem morto por hora. É um
extermínio. Deveria ser decretado estado de calamidade pública no país e não só
nos Estados falidos. É o que mostram os últimos números.
No Estado do Rio de Janeiro, quase dobrou, de abril
para maio, o número de mortes em confrontos policiais, de 44 para 84 – vários,
sabemos, são forjados para que os PMs não sejam acusados de homicídio. Os
roubos seguidos de morte pularam de oito para 16. Somados, os roubos de rua
chegaram a quase 10 mil num mês – um assalto a cada quatro minutos. Uma
dermatologista de 34 anos morreu com um tiro na cabeça, atacada por bandidos na
Linha Vermelha. Ela acabara de inaugurar um Centro de Acolhimento ao Deficiente
e voltava para casa. Planejava blindar o carro em julho. O governador Francisco
Dornelles chamou sua morte de “um desastre”. Desastre?
Policiais também são assassinados como nunca: 54 no
Rio só neste ano – no ano inteiro de 2015, foram 16. O PM José Alves dos
Santos, de 31 anos, da UPP de Manguinhos, foi morto com cinco tiros na Zona
Norte do Rio. Duas inscrições no carro: CV, de Comando Vermelho, e “morre PM”.
Teria sido vítima de falsa blitz montada por traficantes.
A insatisfação e o medo levaram policiais civis a
parar e erguer faixa em inglês no aeroporto internacional do Rio. Traduzindo:
“Bem-vindo ao inferno. Policiais e bombeiros não são pagos. Qualquer pessoa que
vier ao Rio não estará segura”. O secretário de Segurança, José Mariano
Beltrame, disse que os ataques a policiais “são um verdadeiro ato de
terrorismo”. Não vi a Secretaria de Segurança chamar de “terrorismo” o que nós,
cidadãos, vivemos.
Ao terror, as forças de segurança do Rio e de São
Paulo respondem com mais terror. Agentes do Bope no Rio ignoraram a proibição
constitucional de buscas domiciliares à noite e levaram o pânico a quatro
favelas do Complexo da Maré. A operação, com blindados, se estendeu madrugada
adentro: 150 alunos de uma ONG ficaram encurralados durante três horas.
Sitiados. Tudo porque os policiais querem se vingar do resgate humilhante do
chefão Fat Family de um hospital público.
São Paulo não fica atrás. PMs e até guardas
municipais fuzilaram carros sem saber em quem estavam atirando. Num deles, um
tiro na nuca matou o menino de 11 anos Waldik Gabriel Chagas, que estaria num
carro com dois adolescentes que fugiram. “Matou meu filho, pagou fiança e foi
para casa”, disse o pai de Waldik, motorista de caminhão, separado da mãe.
No outro carro, atingido por 16 tiros em São Paulo,
estava um universitário de 24 anos, Julio Cesar Alves Espinoza. Voltava para
casa após trabalhar em um bufê. Não parou na blitz talvez por ter várias
multas, que tentava pagar com o trabalho noturno. PMs afirmam que o rapaz
atirou e eles reagiram. Uma testemunha diz que um policial entrou no carro e
disparou de dentro para fora, para simular confronto. Julio morreu com um tiro
na cabeça.
Na semana que vem, será morto outro garoto, outra
mulher, outro policial. Porque está tudo errado. Policiais são afastados,
depois voltam. Mães e avós, com bebês e crianças, fazem fila de madrugada,
lutando por vaga na creche ou escola. Os sem-teto e desempregados lotam
albergues para alimentar a família. Os traficantes dominam áreas carentes num
país em que se rouba de tudo, de merenda a remédio, verba de cultura e obras,
contracheque, Fundo de Garantia. Bilhões de reais precisam voltar aos cofres
públicos para dar paz e dignidade aos brasileiros. Esse é o verdadeiro golpe
que viola a Constituição e saqueia nossos sonhos.
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