Vocábulo designa organismo tomado por uma infecção, que pede,
necessariamente, um remédio pesado
Por Reinaldo
Azevedo, 01/07/2016,
www.veja.com.br
Por que o nome da nova fase da operação
Lava-Jato é “Sépsis”? É uma boa questão. Isso traduz menos uma especificidade
desta fase do que uma avaliação que é de caráter político. Explico. “Sépsis”
significa a presença de elementos patogênicos num organismo, especialmente
aqueles que provocam pus. Um bom sinônimo é infecção. Eis a origem da palavra
septicemia, que é a infecção generalizada. Na origem grega, o vocábulo designa
“putrefação”.
A fase “Sépsis”, como vocês poderão
constatar, é espalhada, infesta o organismo todo, tem vários focos. Num
possível eixo, há Fábio Cleto, um homem ligado a Eduardo Cunha, mas não só. A
febre vem também de outros lugares.
Um dos delatores, por exemplo, Nelson
Mello, afirmou ter doado, por meio de contratos fictícios, R$ 5 milhões em
caixa dois para a campanha do senador Eunício Oliveira ao governo do Ceará em
2014. O pagamento teria ocorrido a pedido do lobista Milton Lyra, que foi alvo
de buscas determinadas pelo Supremo Tribunal Federal nesta sexta. Ele é ligado
à cúpula do PMDB no Senado.
Em acordo de delação premiada, Mello
contou ainda que procurou a Lava-Jato de modo próprio, depois de perceber que
“ultrapassara os limites morais e éticos” ao efetuar pagamentos a Lyra. Segundo
o delator, ao tomar consciência dos erros, ele teria ficado incomodado e resolveu
procurar o Ministério Público. Data vênia acho história da carochinha. Mas não
me perco nisso agora.
A dita fase “Sépsis” expressa uma
convicção e uma leitura da realidade: todo o organismo político brasileiro está
contaminado, nada escapa. Notem que a Lava-Jato vai virando uma matrioska,
aquela boneca russa, mas com uma singularidade: de dentro de uma, sempre sai
outra, como a original, mas ela também gera rebentos novos.
A cada dia, o encaminhamento das
investigações e das delações — e os procuradores dizem que não se investigou
nem a metade — aponta para a inexistência de partidos e políticos ao mesmo
tempo viáveis e honestos. É a infecção. É o corpo doente. É a putrefação.
O Ministério Público Federal, ou parte
dele, julga ter o remédio adequado, o único antibiótico cabível, que são as
suas 10 Medidas Contra a Corrupção — ainda volto ao ponto. Algumas delas não
vigoram nem em ditaduras. Mas a mensagem está dada: se querem salvar o corpo
doente, tem de ser um remédio radical.
Essa matrioska apresenta ainda outra
particularidade. A de verdade tem uma última bonequinha. A Lava-Jato não! É
claro que a Sépsis vai levar a novos criminosos, que, por sua vez, podem fazer
delação, comprometendo outros tantos. Em breve, será preciso fazer o Manual das
Operações de Nomes Significativos da Força-Tarefa. Mais um pouco, o
Brasil vira a Casa Verde de Itaguaí, do conto “O Alienista”, de Machado de
Assim. Quase não sobra ninguém fora da cela.
“Ah, então vamos parar tudo?” Não! Que
se investiguem tudo. Mas talvez seja o caso de um pouco de método. É só uma
consideração. Pessoalmente, não me importo que vá até o último homem…
Só acho que é preciso tomar cuidado com
a ideia da “Sépsis”. Já escrevi aqui uma vez: eu nunca gosto quando questões
que dizem respeito à política e à sociedade são associadas a doenças,
especialmente as que costumam ser acompanhadas de amputações, né?
Melhor é a gente achar, e lutar por
isto, que as coisas têm remédio. E que, como dizia Padre Vieira, é sempre bom
ter o remédio que remedeia os remédios.
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