Eduardo Cunha vai perder o
mandato e iniciar uma segunda negociação, desta vez com a própria Lava-Jato
Por Augusto
Nunes, 10/07/2016,
www.veja.com.br
Texto de Fernando Gabeira publicado no Globo
Cunha renunciou. Ainda estou devendo a mim mesmo
uma explicacão de como foi possível a trajetória e a resiliência de Cunha na
democracia brasileira. É um pouco cedo para isso. Cunha oferece um anel para
não perder os dedos. Todos sabem em Brasília que ele renunciou à presidência na
esperança de manter o mandato e escapar de Curitiba.
O momento em que suas lágrimas me pareceram mais
convincentes foi quando mencionou mulher e filha. Também foram envolvidas e,
certamente, muito criticadas na imprensa e nas redes sociais. As lágrimas são
enigmáticas. Seu último esforço é, precisamente, escapar do destino delas: ser
julgado em Curitiba.
Como se as duas fossem jogadas ao mar, e ele se
amarrasse no mastro do foro privilegiado. Cunha ouviu cantos da sereia. E os
cantos, que ecoaram até no Palácio do Planalto, entoam promessa de manter o
mandato. Ulisses, o herói grego, era previdente. Cunha é apenas um cabeça dura.
Vai perder o mandato e iniciar uma segunda
negociação, desta vez com a própria Lava-Jato. De novo vai pedir muito e
oferecer pouco.
Acontece que, na cadeia, petições e recursos tão
abundantes na Câmara são mais um passatempo: um papel almaço e uma caneta bic,
você passa o dia escrevendo.
A tendência de Cunha é negociar sua delação também
no universo político. É um mecanismo muito complexo. A delação da Odebrecht,
por exemplo, ainda não saiu. E, segundo as notícias, demorou por causa de uma
tendência seletiva: salvar alguns, queimar outros.
Uma parte dos políticos, e talvez da própria
imprensa, admirava a inteligência de Cunha. Um exemplo dela era sua capacidade
de postergar, através de mil expedientes, o processo contra ele. Mas isso é uma
tática inteligente apenas num momento de miopia política. Cunha estava apenas
tornando sua situação mais grave, inclusive atrasando o próprio ritmo.
Quanto mais insistia na tecla, mais estreitava o
caminho. Ele é réu no Supremo Tribunal Federal. A Petrobras quer se associar à
acusação contra ele. O órgão supremo da Justiça e a maior empresa do Brasil na
mesma ação contra ele. E ele, com um pequeno grupo fisiológico na Câmara,
desafiando tudo, inclusive evidências: contas na Suíça, viagens milionárias, as
inúmeras delações que revelam uma tática agressiva e um apetite voraz no
submundo da propina.
Diante de tudo isso, chora ao microfone e diz estar
sendo vítima de uma perseguição. Ele quer que você acredite que está sendo
derrubado porque a Câmara derrubou a Dilma. Cunha teve um papel institucional
no impeachment, comandou o processo na Câmara. Ele acredita que isso possa
atenuar sua biografia. Mas teremos em conta que Cunha foi um grande
constrangimento para milhões de pessoas que apoiavam o impeachment. Elas só o
aceitavam por falta de alternativa.
Cunha na verdade ofereceu um imenso flanco para que
o processo fosse visto no exterior como algo realizado apenas por políticos
corruptos. O PT associou o impeachment a Cunha exatamente por saber de sua
rejeição. A própria sessão que derrubou Dilma acabou sendo desses programas de
TV que terminam como uma chamada do anúncio do próximo programa: Eduardo Cunha.
Não deu outra. No fundo, todos sabíamos que ele
cairia, mais cedo ou mais tarde. Minha questão é esta: por que tão tarde?
Diante de todas as evidências contra ele, a suposta inteligente estratégia de
Eduardo Cunha não teria sido apenas um surto, uma alucinação. Corrupção à
parte, a trajetória de Eduardo Cunha mostra como a democracia pode ser
vulnerável contra alguém que usa suas regras como um escudo. Qual o momento
certo de acabar com a farsa?
O Congresso ainda não o puniu, o Supremo apenas o
afastou do cargo. Na semana que vem, possivelmente, estará de novo chorando, se
a Câmara julgar seu caso.
Quando Cunha estiver fazendo suas petições com
caneta bic, já não haverá peripécias. E poderei amadurecer uma dúvida. Sua
trajetória, agora fracassada, demove aventureiros mafiosos ou os atrai para o
campo da política?
Isso tem a ver com as condições gerais da
degradação da política no Brasil e a fragilidade das leis contra a corrupção. O
governo retirou a urgência de três projetos contra a corrupção. Diante de tudo
que está se passando, Temer não consegue ver a urgência?
Trabalhando no interior ouvi uma notícia sobre a
operação da PF chamada Abismo. Perguntei: depois do abismo virá o quê? Veio a
Operação Pripyat, uma cidade ucraniana vizinha de Chernobyl, devastada pelo
desastre nuclear.
Já estamos no pós-desastre nuclear. O processo de
corrupção foi devastador e extenso. Para dizer a verdade, perdemos um grande
tempo com Eduardo Cunha. O ideal seria perder com ele uma certa ingenuidade
democrática, o alvo preferido dos mafiosos aventureiros de todos os matizes.
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