Barroso
e Zavaski terão uma trajetória semelhante à de Fux? Ou irão demonstrar mais
apego aos princípios que defendem?
Por
Paulo Moreira Leite, 20/09/2013, www.istoé.com.br.
Ninguém quer enxergar uma verdade
simples sobre o Supremo Tribunal Federal. Como acontece naquela fábula em que
só um menino – em sua inocência – consegue avisar a população do reino que o
rei está nu, a votação de 6 a 5 a favor dos embargos infringentes demonstrou
uma verdade que poucas pessoas são capazes de enxergar: aqueles ministros que,
liderados por Joaquim Barbosa, assumiram o compromisso público de condenar os
réus do mensalão a penas altíssimas, à altura do “maior escândalo da história,
encontram-se em minoria".
Vamos pedir ajuda à matemática e
à política. Hoje a maioria liderada por Joaquim reúne cinco votos, os mesmos
que asseguraram as condenações no ano passado. Muitas daquelas penas foram
obtidas por 7 votos, mas essa vantagem desapareceu com duas aposentadorias e
novas indicações.
Comparando os times que votaram
nos embargos, é razoável prever uma troca compensatória de posições. Celso de
Mello, autor do voto tão sólido a favor do direito aos embargos, logo voltará
ao time anterior, pois está convencido da culpa dos acusados.
Carmen Lucia, que ficou contra
embargos infringentes, dando um voto sem informações completas, pois não levou
em conta uma decisão definitiva do Congresso a respeito, tem como caminho
natural assumir uma posição favorável aos acusados, na hora do debate sobre o
mérito de cada embargo. Em 2012, ela foi uma das responsáveis pelos quatro
votos que permitem a José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, e outros cinco
réus, contestar a condenação por “formação de quadrilha.” Carmen Lucia mudou de
votos em vários momentos do julgamento, mas a situação, agora, é um pouco
especial.
Qualquer movimento para mudar de
posição exigirá uma ginástica difícil, pois não estamos diante de um novo
julgamento, mas diante de embargos que pretendem tão somente reduzir penas e
mesmo inocentar determinados réus. Embora seja claro que todos podem mudar seus
votos de culpado para inocente, é duvidoso que se possa fazer o movimento
contrário. Já que não está em pauta um embargo para agravar penas e condenações.
Em função disso, ao debater o
crime de formação de quadrilha, que envolve diretamente 8 réus, a minoria entra
no jogo com quatro votos.
Restam dois votos, trazidos por
José Luiz Barroso e Teori Zavaski. Eles vão decidir à parada. Herdeiros dos votos
de Ayres Brito e Cesar Pelluso, que votaram contra os réus, eles são vistos, em
estado natural, como simpáticos aos réus.
E aí está a surpresa na roupa do
rei. Se os dois votos ficarem com a minoria, os réus serão beneficiados.
Caso os dois votos se dividam,
caminhando um para cada lado, o julgamento terá o mesmo resultado de 2012.
Tanto Barroso como Zavaski já
disseram claramente que têm críticas importantes às sentenças iniciais do
Supremo. Barroso admitiu que discordasse das penas e de muitas sentenças. Falou
em “ponto fora da curva” quando depôs no Senado, mas, na hora de votar nos
embargos declaratórios, desobedeceu a sua consciência com o argumento de que
não queria afrontar o trabalho dos novos colegas embora tivesse claro o erro de
sua condenação.
Zavaski deixou claro, inclusive,
que enxerga elementos para uma decisão ainda mais drástica do que os embargos.
Falou em “revisão criminal,” que representa, sim, um novo julgamento. Mas, no
voto sobre os declaratórios, também preferiu não chocar-se com os novos
colegas.
Nesta situação, a pergunta é
saber se, na hora de reduzir penas, condenar ou absolver, Barroso e Zavaski
serão capazes de manterem-se coerentes com as convicções jurídicas que
defenderam ao longo da carreira – e que manifestaram também quando pleiteavam,
legitimamente, por uma indicação ao STF – ou se irão corrigir-se. Há
antecedentes.
Indicado pela presidenta Dilma
Rousseff, como os dois, o novo relator, Luiz Fux, durante sua candidatura a
ministro, deixou em seus interlocutores a certeza de que seus princípios
jurídicos apontavam para uma postura favorável aos réus. Nomeado, surpreendeu
muitos de seus padrinhos com a posição contrária.
A pergunta, agora, é se Barroso e
Zavaski terão uma trajetória semelhante à de Fux. Ou se irão demonstrar mais
apego com os princípios que defenderam até aqui.
Esta é a questão que vai decidir
a ação penal 470. Não há nada que outros ministros possam fazer a respeito.
Mesmo Joaquim, com todos os seus poderes de presidente, não tem grande área de
ação, até porque colecionou poucos aliados e muitos inimigos na Corte.
Muito menos Fux. Cria-se, assim,
a possibilidade de uma decisão soberana por parte do Supremo. Este é o
incômodo. É insuportável para muitas pessoas e imensos interesses. Quem aguenta
a liberdade de consciência de um juiz quando ela pode desmanchar uma narrativa
(palavrinha chique, não?) longamente construída depois da entrevista de Roberto
Jefferson?
Quem assistiu ao massacre
enfrentado por Celso de Mello sabe muito bem o que se deve esperar. Talvez um
pouco mais de sangue. Celso de Mello, de qualquer forma, não debatia uma
decisão definitiva, mas o direito aos embargos. O conflito, agora, é saber quem
vai para a cadeia, quem terá regime aberto, quem fica no regime fechado.
E claro: qual a foto será exibida
na campanha eleitoral de 2014. Quem vai falar o que nos debates. Se houver uma
revisão das penas, será possível mostrar que as condenações iniciais possuíam
um componente de erro e arbítrio. Se tudo for confirmado, será possível alegar
que houve um julgamento justo e mesmo assim "esses mensaleiros" não
conseguiram ser inocentados.
Toda a verdade e especialmente,
toda mitologia em torno do mensalão, o “maior escândalo de corrupção da
história”, estará em jogo.
Em busca de um voto para mudar um
placar teoricamente desfavorável, os dois receberão tratamento impiedoso caso
queriam preservar sua “isenção, imparcialidade e independência,” como disse tão
bem Celso de Mello.
Clientes antigos de Barroso serão
examinados, os votos de Teori em instâncias inferiores, onde fez sua carreira,
serão revirados, num vale tudo que novamente irá colocar de forma transparente
o caráter subdesenvolvido e deprimente em que se debatem questões do judiciário
em nosso País.
Claro que se fará o possível para
criminalizar as indicações de ambos, associando a escolha de Dilma a um
interesse partidário. Como se grandes adversários dos réus petistas – como
Joaquim Barbosa e, antes dele, Ayres Britto não tivessem a mesma origem.
Cabe esclarecer um ponto de
partida. Não acho que o judiciário seja um aparelho político, que deve servir
de correia de transmissão de forças partidárias. Mas existem pontos de contato
entre as convicções jurídicas de determinados juízes e o universo político do
país em que residem. É assim no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, a pauta das
campanhas presidenciais inclui o judiciário e a nomeação de juízes
identificados com cada partido. É natural. Depois de eleito, um presidente irá
escolher juízes que em sua visão, se batem por princípios mais adequados para o
país. E é bom que este debate seja feito de forma clara e assumida.
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