A
inércia do legislativo faz com que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja jogado
a um "experimentalismo decisório",...
A inércia
do legislativo faz com que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja jogado a um
"experimentalismo decisório", em que os ministros precisam analisar
questões específicas pela ausência de leis, avalia o ex-ministro da Corte
Carlos Ayres Britto. "Nós estamos fazendo um experimentalismo decisório
necessário, inevitável. Diante da inércia do legislador nós temos que nos
apropriar conceitualmente de temas dificílimos, especialíssimos", comentou
Britto, que ilustra com o julgamento de questões de caráter tributário como a
análise de concessão de benefícios fiscais. Com a sua atuação, a Corte se expõe
a críticas "de que está protagonizando ações normativas, de que se tornou
um Supremo ativista, substitutivo do Congresso Nacional, e, portanto
usurpador", aponta o ex-ministro.
"Diante
de certas situações em que não há uma mediação clara entre a Constituição e
seus destinatários, o legislativo não ocupou o espaço que lhe cabia, o Supremo
se vê na contingência de extrair da própria constituição os conceitos, as normas,
de que precisa para resolver", disse Britto, em palestra na Associação
Comercial de São Paulo (ACSP).
As
críticas de que o STF legisla no lugar do próprio Congresso não vêm de hoje. Em
2008, o ministro Gilmar Mendes já defendeu a casa dizendo que o Supremo não
poderia se calar diante da inércia do legislativo. Para Britto, "a
instância política busca soluções de compromisso, busca um consenso".
"No Judiciário, a decisão que se impõe não é majoritária, é o preço que se
paga pela independência. O Judiciário é independente para assumir posições
antipáticas, assumir todos os riscos, inclusive essa acusação duríssima de que
está usurpando função legislativa", disse o ex-ministro, nesta manhã, em
palestra na capital paulista.
Ayres
Britto citou o combate ao nepotismo como exemplo de posicionamento do STF
frente a uma ausência de atuação do legislativo. "Se o Congresso Nacional
quisesse conceituar o nepotismo, poderia fazer, mas não fez. O que disse o
Supremo? Se a Constituição consagra os princípios da eficiência, igualdade,
moralidade, impessoalidade, a todas as luzes o nepotismo é uma colisão frontal
e mortal a esses quatro princípios", ilustrou. "O Supremo sabe que
muitas vezes está diante de um vespeiro. Não cabe ao Supremo por exemplo fazer
a reforma política, isso é papel do Congresso Nacional. Mas se o Congresso,
volto a dizer, não tem a obrigação de legislar, o Judiciário é obrigado a
julgar", disse o ex-ministro.
Há
algumas semanas, a relação entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso ficou
tensa por conta da liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes que sustou a
votação de projeto de lei que dificulta a criação de novos partidos. A atuação
foi vista como uma resposta para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara, que aprovou admissibilidade de emenda que limita os poderes da Corte.
Representantes dos dois poderes chegaram a se encontrar para colocar panos
quentes no imbróglio, mas houve críticas de ambos os lados. Para Britto, não há
excessos no comportamento do Supremo e a liminar de Mendes, como decisão
monocrática, é provisória, para uma situação emergencial. "Às vezes um
ministro é obrigado a decidir sozinho, porque não há tempo para esperar pela
decisão colegiada sob pena de se perpetrar um prejuízo praticamente irreparável.
Quando falo de não excessividade, estou falando no plano colegiado".
A
ausência de atuação do legislativo lembra o ex-ministro, é um impasse que deixa
o próprio Supremo em situação delicada. A Corte não tem poder de impor algo ao
Congresso e, quando pede que o Legislativo produza uma norma em um determinado
prazo, não pode cobrá-lo pelo não cumprimento. "Quando o Supremo impõe ao
Congresso Nacional que em um prazo produza uma norma, está elaborando uma
decisão fadada à ineficácia, porque o Congresso só acata se quiser. E não
existe decisão judicial que signifique um mero conselho, um aviso."
Matéria tributária
Questionado
sobre o alongamento das discussões constitucionais tributárias, o ex-ministro
reiterou que o legislador "poderia ajudar muito" o Supremo, com uma
atualização do Código Tributário Nacional, por exemplo. Atualmente, o STF já se
manifestou sobre a chamada guerra fiscal - concessão de incentivos e benefícios
pelos Estados -, mas a reforma do ICMS aguarda uma decisão do Congresso.
"O
tributo cumpriria o papel de reduzir desigualdades regionais, mas na prática as
respostas decisórias do Supremo têm sido lentas e isso tem gerado também
perturbação no funcionamento do sistema tributário", reconhece Britto, que
chamou de "caótico" o sistema tributário brasileiro.
"Nossos
governantes padecem de uma voracidade fiscal. É impressionante como o Estado
brasileiro confunde fisco com confisco", disse o ex-ministro do STF. Quem
é governador de Estado se encontra no impasse, de acordo com Britto, se
encontra no impasse: "ou cumprir rigorosamente a Constituição, até abrindo
mão de todos os incentivos, ou não se viabiliza, não se dá governabilidade a
seu Estado". Por BEATRIZ BULLA,
20/05/2013, estadao.com.br.
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