Empresas do setor automobilístico
pagaram R$ 36 milhões a lobistas para conseguir incentivos fiscais – há menção
a um acerto de R$ 4 milhões a 'pessoas do governo do PT'
Veja, 01/10/2015, www.veja.com.br
Investigadores suspeitam que uma medida provisória
(MP) editada em 2009 pelo governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) tenha sido "comprada" por meio de lobby e de corrupção para
favorecer montadoras de veículos. Empresas do setor negociaram pagamentos de
até 36 milhões de reais a lobistas, um deles alvo da Operação Zelotes, para
conseguir do Executivo um "ato normativo" que prorrogasse incentivos
fiscais de 1,3 bilhão de reais por ano. Mensagens trocadas entre os envolvidos
mencionam a oferta de propina a agentes públicos para viabilizar o texto, em
vigor até o fim deste ano.
Para ser publicada, a MP 471 passou pelo crivo da
presidente Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil. Anotações de um dos
envolvidos no esquema descrevem também uma reunião com o então ministro
Gilberto Carvalho para tratar da norma, quatro dias antes de o texto ser
editado. Um dos escritórios que atuaram para viabilizar a medida fez repasses
de 2,4 milhões de reais a um filho do ex-presidente Lula, o empresário Luís
Cláudio Lula da Silva, em 2011, ano em que a MP entrou em vigor.
O roteiro para influenciar as políticas de
desoneração do governo e emplacar a MP é descrito em contratos de lobby
pactuados antes da edição da norma. Conforme os documentos, a MMC Automotores,
subsidiária da Mitsubishi no Brasil, e o Grupo CAOA (fabricante de veículos
Hyundai e revendedora das marcas Ford, Hyundai e Subaru) pagariam honorários a
um "consórcio" formado pelos escritórios SGR Consultoria Empresarial,
do advogado José Ricardo da Silva, e Marcondes & Mautoni Empreendimentos,
do empresário Mauro Marcondes Machado, para obter a extensão das benesses
fiscais por ao menos cinco anos. Os incentivos expirariam em 31 de dezembro de
2010, caso não fossem prorrogados.
Os contratos datam de 11 e 19 de novembro de 2009.
No dia 20 daquele mês, o ex-presidente Lula assinou a MP 471, esticando de 2011
até 2015 a política de descontos no IPI de carros produzidos em três regiões do
país (Norte, Nordeste e Centro-Oeste). Na época, a Ford tinha uma fábrica na
Bahia e CAOA e Mitsubishi fábricas em Goiás. A norma corresponde ao que era
pleiteado nos documentos. Em março do ano seguinte, o Congresso aprovou o
texto, convertendo-o na Lei 12.218/2010. Suspeitas de corrupção para viabilizar
a medida provisória surgiram em e-mails trocados por envolvidos no caso.
Uma das mensagens, de 15 de outubro de 2010, diz
que houve "acordo para aprovação da MP 471" e que Mauro Marcondes
pactuou a entrega de 4 milhões de reais a "pessoas do governo, PT",
mas faltou com o compromisso. Além disso, o texto sugere a participação de
"deputados e senadores" nas negociações. Não há, no entanto, menção a
nomes dos agentes públicos supostamente envolvidos.
O e-mail diz que a negociação costurada por
representantes das empresas de lobby viabilizou a MP 471. O remetente - que se
identifica como "Raimundo Lima", mas cujo verdadeiro nome é mantido
sob sigilo - pede que o sócio-fundador da MMC no Brasil, Eduardo Sousa Ramos,
interceda junto à CAOA para que ela retome pagamentos.
Ao contrário da representante da Mitsubishi no
Brasil, a CAOA teria participado do acerto, mas recuado na hora de fazer
pagamentos. Um dos lobistas não teria repassado dinheiro a outros envolvidos.
"Este (Mauro Marcondes Machado) vem desviando recursos, os quais não vêm
chegando às pessoas devidas (...). Comunico ao senhor do acordo fechado para a
aprovação da MP 471, valor este do seu conhecimento. (...) o Sr. Mauro
Marcondes alega ter entregado a pessoas do atual governo, PT, a quantia de 4
milhões de reais, o qual (sic) não é verdade", alega.
A mensagem, intitulada "Eduardo Sousa Ramos
(confidencial)" foi enviada às 16h54 por "Raimundo" à secretária
do executivo da MMC, Lilian Pina, que a repassou há Marcondes meia hora depois.
O remetente escreve que, se o dinheiro não fluísse, poderia expor um dossiê e
gravações com detalhes das tratativas. "A forma de denúncia a ser
utilizada serão as gravações pelas vezes em que estive com Mauro Marcondes,
Carlos Alberto e Anuar", avisa, referindo-se a empresários da CAOA.
"Dou até o dia 21 para que me seja repassada a quantia de 1,5 milhões de
dólares", ameaça.
Os dois escritórios de consultoria confirmam ter
atuado para emplacar a MP 471, mas negam que o trabalho envolvesse lobby ou pagamento
de propina.
Ambos são investigados por atuar para as montadoras
no esquema de corrupção no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
A MMC e a CAOA informam ter contratado a Marcondes & Mautoni, mas negam que
o objetivo fosse a "compra" da Medida Provisória. Dono da SGR, José
Ricardo era parceiro de negócios do lobista Alexandre Paes dos Santos, ligado à
advogada Erenice Guerra, secretária executiva de Dilma na Casa Civil quando a
MP foi discutida. Marcondes é vice-presidente da Anfavea, na qual representa a
MMC e a CAOA.
(Com Estadão Conteúdo)
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