Por Augusto Nunes, 27/11/2015,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão:
Ninguém
melhor do que a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, para
expressar o sentimento de frustração que atinge em cheio os brasileiros: “Na
história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós
acreditou no mote segundo o qual a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos
deparamos com a Ação Penal 470 (o mensalão) e
descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora se constata que
o escárnio venceu o cinismo”. Nessa síntese está toda a trajetória dos embusteiros
petistas que, desde a primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, prometeram
fazer uma revolução ética e social no Brasil e agora, pilhados em escabrosos
casos de corrupção, caçoam da Justiça e da própria democracia.
O mais
recente episódio dessa saga indecente, ao qual Cármen Lúcia aludia, envolveu
ninguém menos que o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral. Em conluio
com o banqueiro André Esteves, o petista foi flagrado tentando comprar o
silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que ameaçava contar o que
sabia sobre a participação de ambos no petrolão.
As
palavras de Delcídio, capturadas em áudio gravado por um filho de Cerveró, são
prova indisputável da naturalidade com que políticos e empresários se
entregaram a atividades criminosas no ambiente de promiscuidade favorecido pelo
governo do PT. Como se tratasse de uma situação trivial – a conversa termina
com Delcídio mandando um “abraço na sua mãe” –, um senador da República oferece
dinheiro e uma rota de fuga para que o delator que pode comprometê-lo e o seu
financiador suma do país. Os detalhes são dignos de um arranjo da Máfia e desde
já integram a antologia do que de mais repugnante a política brasileira já
produziu.
Delcídio
garantiu a seus interlocutores que tinha condições de influenciar ministros do
Supremo Tribunal Federal e políticos em posições institucionais destacadas para
que os objetivos da quadrilha fossem alcançados. O senador traficou influência.
Mas o fato é que, hoje, as ramas corruptas que brotam do sistema implantado
pelo PT se insinuam por toda a árvore institucional – com raras e honrosas
exceções, entre elas o Supremo, que vem demonstrando notável independência.
Exemplo
do contágio é que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), estão sendo investigados pela
Lava Jato. A nenhum dos dois ocorreu renunciar a seus cargos para que não
sofressem a tentação de usar seu poder para interferir no processo, como já
ficou claro no caso de Cunha. Renan, desta vez, tentou manobrar para que fosse
secreta a votação do Senado que decidiria sobre a manutenção da prisão de
Delcídio, na presunção de que assim os pares do petista o livrariam, criando
uma blindagem para os demais senadores – a começar por ele próprio. Temerosos
da opinião pública, os senadores decidiram votar às claras e manter Delcídio
preso.
Enquanto
isso, o PT, com rapidez inaudita, procurou desvincular-se de Delcídio, dizendo
que o partido “não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade”, já que
o senador, segundo a direção petista, agiu apenas em favor de si próprio. Se
Delcídio tivesse cometido seus crimes para abastecer os cofres do PT, seria
mais um dos “guerreiros do povo brasileiro”, como os membros da cúpula do
partido que foram condenados no mensalão e no petrolão.
O PT e o
governo não enganam ninguém ao tentar jogar Delcídio aos leões. O senador era
um dos principais quadros do partido, era líder do governo no Senado e um dos
parlamentares mais próximos da presidente Dilma Rousseff e de Lula. Sua prisão
expõe a putrefação da política proporcionada pelo modo petista de governar.
Também ninguém melhor do que a
ministra Cármen Lúcia, que resumiu a frustração dos brasileiros de bem, para
traçar o limite de desfaçatez e advertir a canalha que se adonou da coisa
pública sobre as conseqüências de seus crimes: “O crime não vencerá a Justiça”
e os “navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniqüidades” não
passarão “a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e
corrupção”. É um chamamento para que os brasileiros honestos não aceitem mais
passivamente as imposturas dos ferrabrases que criaram as condições para que se
erigisse aqui uma desavergonhada república de bandidos.
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