Por Augusto Nunes, 26/11/2015,
www.veja.com.br
Texto de Carlos Alberto Sardenberg
publicado no Globo
Dizem que as crises políticas e econômicas, num dado momento, geram os
líderes necessários para sua solução. Dizem também que é muito difícil
antecipar quando esse momento está se aproximando, mas que a gente percebe
quando chegou. Pois no Brasil de hoje, parece o contrário. O momento já está
passando. O senador Delcídio Amaral e o banqueiro André Esteves, dono do BTG
Pactual, foram presos, por determinação do Supremo Tribunal Federal, sob a
acusação de obstrução da Justiça. Mas as peças do processo mostram que essa denúncia,
embora muito grave, é até menor diante dos casos que são ali mencionados.
Vamos reparar: o BTG Pactual não é um banco qualquer. É o maior banco de
investimentos do país, tem projeção internacional e, nessa condição, está
conectado a grandes negócios — a começar pela exposição na área de petróleo e
gás — nos quais aparece associado a outros grandes bancos e grandes companhias
nacionais e estrangeiras. O envolvimento de seu controlador nos meandros do
petrolão oferece, sim, um risco sistêmico. E ameaça arrastar outras
instituições financeiras e não financeiras.
Ponto importante: se confirmado o modo de atuação de André Esteves nesse
episódio — a operação nos bastidores da polícia, da Justiça e do governo, cujos
indícios são avassaladores — a Lava Jato terá apanhado um caso extremo de
“capitalismo de amigos, dos negócios arranjados nas mesas políticas.
Sim, a Lava Jato já apanhou muitos casos assim. Empresários que fizeram
delação premiada, como Ricardo Pessoa, contaram que ou entravam no esquema de
corrupção da Petrobras/PT ou não tinham obras.
Mas o banqueiro André Esteves é muito mais que isso. Tem peso, talvez,
até maior que o de Marcelo Odebrecht. E, para falar francamente, não é de hoje
que os mercados olham com certa restrição para o modo de operação de Esteves.
Se ele foi efetivamente apanhado, vão muita gente e muito negócio atrás.
Que a política está toda comprometida, já se sabia. Piorou, é verdade. A
prisão do senador líder do governo, determinada pelo STF, jogou a crise um
degrau acima. Mais exatamente, jogou a crise para a praça ao lado, do prédio do
Congresso para o Palácio do Planalto — onde, aliás, já estava parcialmente,
conduzida pelos membros do PT apanhados na Lava Jato.
Ou seja, já havia aí um ambiente de perplexidade política. Como se
chegou a esse ponto? Repararam que todos os envolvidos na Lava Jato já foram
acusados, denunciados e… liberados em inúmeros outros casos? Como é possível
que um Congresso funcione com tantos dirigentes envolvidos em casos graves de
corrupção? E como foi possível que esses personagens estejam tanto tempo por
aí?
Pois o fato novo de ontem é que se pode levar essa perplexidade para o
mundo econômico, público e privado. Como foi possível que o país tenha
suportado por tanto tempo esse modo de negócios nos quais há um assalto do
setor privado sobre o público?
O pior de tudo é que, pensando bem, não há com o que se espantar. Há uma
cultura anticapitalista no país, difundida nos meios políticos, intelectuais e
acadêmicos, nas escolas, na verdade, na sociedade toda. Empresários e
banqueiros, estes principalmente, são todos uns ladrões — tal é a opinião rasa.
E parece que essa opinião é tão difundida que os próprios capitalistas
nacionais aderiram a ela. Ok vamos para a ressalva. Parte dos capitalistas
nacionais parece ter pensado: se é tudo roubalheira, por que não? Ou seja, a
cultura anticapitalista acaba produzindo um capitalismo de negócios escusos,
que, ao final, confirma aquela cultura.
Temos, portanto, uma perfeita crise de valores, que paralisa a política
e ameaça paralisar a macroeconomia. Só não paralisa os milhões e milhões de
brasileiros que continuam comparecendo ao trabalho, cumprindo suas tarefas e
tentando ganhar a vida honestamente. Para que estes não façam o papel de
trouxas, está mais do que na hora de uma mudança radical na política — um novo
governo, uma nova força, uma nova composição, o que seja — mas que seja capaz
de tocar o país.
E que seja capaz, entre outras coisas, de reformar o capitalismo
nacional.
Quanto ao
Judiciário, se havia alguma dúvida sobre sua conduta, parece que não há mais.
Viva a Lava Jato, que criou a oportunidade para que se lave tudo isso.
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