Por Augusto Nunes, 24/11/2015,
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Texto de J.R. Guzzo publicado na revista EXAME
É coisa sabida há muito tempo que o Brasil, depois de todos os tipos de
experiência, vive agora um novo modelo de organização política – a República
sem presidente. No Diário Oficial, o cargo é atribuído à cidadã Dilma Rousseff,
que vai às assembléias-gerais da ONU, por exemplo, ou a outros eventos sociais
em que é requerida a presença de algum tipo de presidente da República, mas no
mundo dos fatos concretos ela não preside nada há mais de um ano, pelo menos.
Deixou de exercer as funções de chefe do governo e da nação em algum
momento de sua inesquecível campanha eleitoral de 2014, quando reduziu a
Presidência a uma operação de marketing destinada unicamente à sua própria
reeleição — junto com isso, usou sem a menor cerimônia o Tesouro Nacional para
ganhar votos e terceirizou o governo para todos os diabos que lhe financiaram
os 300 milhões de reais gastos em sua campanha. Depois de empossada no segundo
mandato, e preocupada apenas em não ser deposta, nunca chegou de fato a
governar; até hoje ninguém sabe o que Dilma quer, nem ouviu dela nada que
pudesse ser chamado de “idéia”. De uns tempos para cá, enfim, deixou
caracterizado o abandono de cargo — hoje não é ela quem demite e nomeia sequer
os próprios ministros. “Fora Dilma”? Ela já foi. Ainda está lá de corpo
presente, mas não está. Quem está é o ex-presidente Lula.
Um dos primeiros resultados desta situação já é bem visível para o
público em geral: é nele, Lula, que vale a pena prestar atenção quando se pensa
em governo no presente momento. Não resolve tudo sozinho, claro, mesmo porque
ninguém resolve, e não pode resolver tudo como quer, mas não há nenhuma outra
força maior do que a sua neste infeliz segundo mandato de Dilma Rousseff; é
pura perda de tempo, no fundo, ficar procurando razões junto a uma presidente
cujo impeachment já foi virtualmente aplicado por seu criador. Tudo bem, mas
acompanhar os movimentos de Lula não parece estar sendo muito útil para se ver
a situação com mais clareza, a começar pela economia. O que o ex-presidente pretende
fazer? O mais provável é que nem ele saiba direito — ou melhor, até sabe o que
quer, mas em termos concretos ainda não sabe como chegar lá.
Lula (e mais um monte de gente) tem certeza de que não dá para ficar
olhando passivamente uma recessão de 3% ao ano, como está acontecendo em 2015 —
um desastre de tamanho inédito que não pode ser aceito para 2016, 2017 e
sabe-se lá quanto tempo mais. Não pode ser aceito, sobretudo, pelo próprio
Lula. Seria um veneno provavelmente fatal para o projeto mais importante,
talvez o único, que tem: voltar à Presidência da República nas eleições de
2018, pois está convencido de que nem ele, nem o PT conseguirão sobreviver
politicamente fora da máquina do governo. Seu retorno ao Palácio do Planalto
seria também o atalho mais eficaz, aparentemente, para ele se livrar de sua
atual coleção de problemas potenciais perante a Justiça Penal. Assim estamos,
portanto: a economia tem de se recuperar com urgência, pois com recessão não
existe Lula em 2018.
A complicação é de bom tamanho, pois as estratégias do ex-presidente
para reagir às calamidades fabricadas por sua criatura não inspiram maior
confiança, pelo menos até agora. Lula parece acreditar que, demitindo o
ministro Joaquim Levy e colocando algum outro em seu lugar (tem se falado muito
em seu velho parceiro Henrique Meirelles), o grosso do problema vai embora.
Imagina, também, que o governo pode liquidar a recessão assinando medidas
administrativas — menos juro, mais crédito, menos competição, mais favores a
empresas que prometem “empregos”, menos saneamento fiscal, mais gasto público,
mais dívida, mais imposto. Acha que resultados duvidosos do passado são
garantia de sucesso futuro — e continua convencido de que, no fundo, tudo se
resolve com “comunicação” e “imagem”.
Sai Dilma e entra
Lula, pelo que se vê — mas, na prática, o que isso pode resolver? Vai ser
preciso combinar com a realidade, e aí sempre fica difícil.