O inconveniente é que os cidadãos ficam sem a oportunidade de
informar-se com mais exatidão, clareza e realismo sobre o que está acontecendo
ao seu redor
Por Augusto
Nunes, 1401/2017,
www.veja.com.br
Texto de J.R. Guzzo publicado na edição impressa de VEJA
Pouca coisa vale tão pouco a pena no Brasil moderno
quanto escrever um texto para a imprensa sem sair chutando o governo na
primeira linha e, se possível, continuar na mesma partitura até o ponto final.
Nem se trata Deus nos livre, de falar algo de bom ─ basta não falar mal para a
pessoa que escreve ver-se exposta ao risco de fazer papel de boba, ou ser
acusada de delitos ainda bem piores. O cálculo não é complicado. É só ficar
atento à Lei da Malignidade Pública Permanente, que estabelece o seguinte:
“Podendo errar, um governo vai errar”. O resultado é que, em condições normais
de temperatura e pressão, o governo, qualquer governo, produzirá alguma
calamidade logo depois que o infeliz tiver escrito o tal artigo neutro, ou sem
hostilidades declaradas. O autor, se alguém lhe der três reais de importância,
se verá então acusado de leniência, para usar uma palavra da moda, ou de ser
parcial, mal informado e nocivo aos interesses da sociedade. Para que viver sob
essa ameaça? É melhor apostar no certo. Bata no governo ─ se você não sabe por
que, o governo haverá de saber.
Sim, estamos aí diante de uma manifestação maciça
de preconceito. Mas é justamente por isso que há tanto estímulo para atirar
primeiro na autoridade pública e perguntar depois ─ ou, melhor ainda, não
perguntar nada, nem antes nem depois. É muito mais cômodo. Preconceitos, no fim
das contas, são excelentes instrumentos para economizar tempo: permitem ao
indivíduo formar uma opinião sem ter o trabalho de verificar os fatos. Melhor
ainda, ao agirem desse jeito, as pessoas não precisam pensar, e isso parece
duplamente recomendável nos dias de hoje. Em primeiro lugar, como dizia Henry
Ford, pensar é a coisa mais difícil que existe ─ talvez seja por isso que tão
pouca gente tenta. Em segundo lugar, trata-se de uma conduta muito mal vista
no Brasil do momento. O indivíduo que pensa, ou sugere a aplicação de
raciocínios lógicos no debate sobre as questões públicas, pode provocar a
formação de um tipo de corrente contínua capaz de gerar idéias e outras doenças
transmissíveis. É muito mais conveniente entupir o público com afirmações não
combustíveis ─ aquelas imunes a faíscas e que, assim, não contêm o risco de
causar mudanças que possam incomodar sua visão do mundo e da vida.
O inconveniente disso tudo é que os cidadãos ficam
sem a oportunidade de informar-se com mais exatidão, clareza e realismo sobre o
que está acontecendo ao seu redor ─ e não é possível a ninguém estar mal
informado e, ao mesmo tempo, decidir bem. Os fatos não param de existir só
porque pouca gente está falando deles. Neste momento, foram apresentadas pelo
governo, para apreciação do público e adoção pelo Congresso, questões decisivas
para o bem-estar do país em seu futuro próximo. A lista é conhecida. Um dos
seus primeiros itens foi à fixação de limites para o aumento dos gastos do
governo. Há também a mudança nas regras das aposentadorias, para dar oxigênio a
um sistema em situação de pré-falência. Sugere-se uma reforma trabalhista, para
alterar leis que hoje funcionam como um veneno para a criação de empregos. Foi
proposto o estabelecimento de um novo ambiente para o aproveitamento das
reservas de petróleo ─ e assim por diante, numa série de movimentos que
pretendem estimular o dinamismo de uma economia paralítica. O que há de correto
nisso tudo? Antes de prever se alguma coisa vai dar certo, é preciso saber se
ela faz sentido. Mas não é assim que está funcionando: de cara, para a maioria
dos que se manifestam, já fica decidido que é ruim porque vem do governo. Ficar
a favor, ou simplesmente ver lógica em medidas como essas, é ser “governista”.
É ser “cúmplice da corrupção”, ou querer a eliminação de direitos adquiridos
da população brasileira.
Nenhum dos problemas que o país vive no momento foi
criado nos sete meses de atuação do governo que está aí; os direitos autorais
dessa desgraça toda pertencem unicamente aos seus antecessores. Mas o debate
político atual parece decidido a declarar guerra aos fatos. Não costuma dar
certo.
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