Dirceu não se dá por vencido.
Como Lula, ele também quer se passar por perseguido político e pretende
caracterizar o atual momento como um estado de exceção
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Editorial do Estadão
Esquecido em uma cela de Curitiba, na qual paga
pena por corrupção da grossa, José Dirceu tem mandado cartas a conhecidos seus
na esperança de recuperar algo da mística do “guerreiro do povo brasileiro”,
perdida em alguma esquina entre o mensalão, o petrolão e o impeachment da
presidente Dilma Rousseff. Com o PT inteiramente devotado a salvar o pescoço do
chefão Lula da Silva, nenhum petista parece se incomodar mais com a prisão de
Dirceu. Mas o disciplinado ex-guerrilheiro não perde a pose de revolucionário
e, por meio dessas mensagens, pretende incitar a militância a “ir às ruas”,
pois “é hora de ação”.
Na mais recente missiva – escrita em uma folha de
caderno escolar onde se lê “O Despertar da Força”, referência a um episódio da
série Guerra nas Estrelas –, Dirceu diz que é preciso “exigir justiça para
todos, a renúncia de Temer etc., eleições gerais, Constituinte”, tudo isso
“antes que façam um acórdão, como já vem sendo pensado por Gilmar Mendes
(ministro do Supremo Tribunal Federal), a falada ‘operação contenção’ para
salvar o tucanato e o usurpador Temer”.
Nessa linguagem sôfrega e confusa, decerto pensada
para denotar a urgência do momento, Dirceu considera que essa missão, já que
ele próprio está preso, cabe aos notórios João Pedro Stédile, líder do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST); Guilherme Boulos, chefe do
Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST); e Vagner Freitas, presidente da
Central Única dos Trabalhadores (CUT), ou seja, a tigrada que já está bastante
empenhada em transformar a violência e a baderna em armas políticas.
Mesmo dizendo que “quem está preso não deve meter o
bedelho” na política, Dirceu quer se fazer passar por um líder capaz de ditar
os passos e os contornos da “luta”, atribuindo-se uma importância que raros
companheiros lhe dão. “É agora ou nunca”, escreveu, dizendo ser esta a “hora de
um programa de mudanças radicais, na política e na economia”.
Entende-se a aflição de José Dirceu. Afinal, já
está claro que ele, a exemplo de muitos outros companheiros de viagem de Lula,
foi abandonado à própria sorte para não atrapalhar o chefão petista. Desde que
o cerco ao ex-presidente começou a se fechar, nem ele nem o PT fazem qualquer
referência a Dirceu e aos demais petistas graúdos encrencados na Lava Jato,
como João Vaccari Neto e Antonio Palocci, seja para defendê-los, seja para
sequer lembrar da existência deles.
A mágoa do outrora “guerreiro do povo brasileiro” é
tanta que transparece em outra carta, esta enviada ao governo cubano por
ocasião da morte de seu amigo, o ditador Fidel Castro. Na mensagem, lembrou que
Fidel nunca deixou de lhe ser solidário durante os “anos de infâmia”, isto é,
“não quando eu estava no governo, e sim sempre quando eu mais necessitava – de
novo banido e caluniado nos anos do mensalão e também depois da minha
condenação e prisão em 2013”.
Mas Dirceu não se dá por vencido. A exemplo de
Lula, ele também quer se passar por perseguido político e pretende caracterizar
o atual momento como um estado de exceção, em que os direitos elementares de
“progressistas” como ele estariam suspensos por um conciliábulo de inimigos dos
pobres. Ainda que tenha sido condenado em todas as instâncias judiciais, nas
quais, mesmo dispondo de amplo direito de defesa, sua culpa no esquema de
corrupção que dominou os governos petistas ficou amplamente comprovada, Dirceu
se considera vítima de um complô que envolve até mesmo o Supremo Tribunal
Federal (STF). Na carta, ele diz que “o STF se acumpliciou com as ilegalidades
do (juiz Sérgio) Moro, com o golpe e, pior, com a impunidade, o corporativismo
judiciário”.
A caradura é tanta que Dirceu assina a carta como
“Daniel”, um dos codinomes que ele usou durante a ditadura militar. Ou seja,
para “Daniel”, estamos vivendo uma nova ditadura, que, segundo sua perspectiva,
deve durar quase tanto quanto a de 1964: “Temos ainda 20 longos anos de luta
pela frente”. No caso de Dirceu, condenado a 23 anos de prisão, a luta se
resume a não ser esquecido de vez.
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