Para cobrar ética de governos, não podemos patrocinar para os filhos
formaturas com álcool a rodo
Por Ruth de
Aquino, 22/12/2016,
www.época.com.br
O ano de 2016 não foi o de nossos sonhos. Cobramos
muito dos políticos, dos juízes e dos empreiteiros. Cobramos ética,
honestidade, austeridade, caráter, cidadania. O Brasil atravessa crise de
valores. Pode ser positiva no final. Se tivermos instrução e dinheiro – raro
privilégio no Brasil –, precisamos fazer nossa parte como pais e mães.
Não estamos fazendo.
Um exemplo são as festas nababescas e regadas a
coma alcoólico, organizadas no Rio de Janeiro pela empresa Forma Ideal Obah
para a formatura, no ensino médio, de jovens e adolescentes. Publiquei em
ÉPOCA, em 2014, “Uma elite perdida”, sobre a festa de R$ 800 mil do Santo Inácio. A
elite citada se descabelou, me xingou. Pais e rebentos do Santo Inácio se
reuniram, o reitor soltou uma nota.
Interessante é que, agora, houve uma cisão dos
alunos do Santo Inácio – uma ala consciente celebrou a formatura com festa bem
mais modesta. A Forma ignorou o ano da crise: 180 pais do Santo Inácio pagaram
R$ 2.700 para participar. E foram vendidos 2 mil convites avulsos de R$ 300. Ou
seja, R$ 1.086.000, por baixo, foram arrecadados pela Forma com os convites. A
Forma não tem nada de “Ideal”. Só de “Obah”.
A festa do PH, colégio cujo slogan é “Escreva seu
futuro com PH”, foi descrita pela jornalista Kika Gama Lobo em seu perfil no
Facebook. Eis trechos de seu depoimento de mãe de meninas com juízo. Mãe
trabalhadora e “quase solteira”, Kika nunca foi careta, mas se chocou com o
clima de Sodoma e Gomorra.
“Foi uma superprodução tipo Hollywood. Paguei
caríssimo, em 12 vezes. Linda decoração, comida a rodo, rodízio de japonês, som
de prima, vestidos de Oscar, rapazes de tuxedo, mas me pergunto: pra que tanta
bebida? Vi quatro ilhas de vodkas, cervejas, espumantes, drinks, energéticos –
tipo festa de Bacco. Há certa hora eram zumbis sacolejantes, com olhares
perdidos dando PT (na gíria deles, ‘perda total’, nada a ver com partido, se
bem que podia ser). Uma excitação forçada, uma alegria de gôndola, garotos e
garotas vulgarmente em transe... (...) Vi meninas dançando em cima de pufes,
vestidos curtíssimos, saltos altíssimos, decotes profundos – balinhas rolando,
maconha no ar, mistura de etílicos, o som de proibidões que bradavam a cultura
da bunda, do sexo, da droga, das armas, e as patricinhas se igualando a meninas
da periferia em gingado e atitudes. No banheiro, a imagem da decadência, com
vômitos e sujeira. (...) Eles já não tinham mais sapato, gravatas, enfeites do
cabelo, bolsas... eram apenas corpos entregues... Os meninos pareciam lobos,
caçando... As presas estavam ali. (...) Na volta, na fila do táxi, meninas
sozinhas ou em duplas – seminuas e alteradas pela bebida – entrando nos ubers
da vida... (...) Ainda acho que temos de educar melhor nossos filhos. Me incluo
nisso. Passei tempo demais fora de casa, trabalhando, me desculpando por
isso...” A festa do PH se intitulou “Reborn of the Sphinx”. Existe tema
mais cafona – e num inglês totalmente errado, porque o certo seria “Rebirth of
the Sphinx”? Vamos checar algumas regras da Forma para curtir saudavelmente
essas festas cheias de menores.
■ Não jurarás amor, mas jurarás pinga.
■ Valorizarás cada GOTA de bebida.
■ O juízo perderás.
■ Se manterás impuro.
■ Não se preocuparás com o que a sociedade pensará.
■ Sarrarás.
■ Rebolarás o bumbum.
■ Com a língua, matarás.
■ Jamais se intimidarás com grandes copos e grandes
doses, pois dessas demonstrações de coragem (sic) virão os grandes porres e a
noite mais épica da sua vida.
Depois de publicar “Uma elite perdida”, recebi
mensagem de um médico, Manuel Alexandre da Silva, que trabalhava no Hospital
Municipal da Mulher Fernando Magalhães, referência em atendimento a vítimas de
violência sexual:
“Atendemos no fim de 2013 uma adolescente de 15
anos, uma americana, filha de pai brasileiro que tinha vindo passar as festas
de fim de ano com os parentes no Rio. Levada por sua prima à festa de formatura
do colégio Santo Inácio, após embriagar-se, foi levada da festa por um desconhecido
que a estuprou no interior de um táxi. Desnecessário comentar as condições
psicológicas desta menor e de seus pais, diante de tamanha brutalidade.
Parabéns pelo artigo, que espero repercutir nas consciências dos pais que
patrocinam tal descalabro”.
Os pais que ousam criticar custos e formato das
festas da Forma Ideal são expulsos da organização. Mas pagam a festa.
Capitulam, por medo de desgostar os filhos e por achar a festa importante para
“o futuro profissional dos filhos”. Não, nós não estamos fazendo nosso papel –
e não adianta exigir da escola ou dos governos o que somos incapazes de fazer
em casa. Vamos mudar para poder protestar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário