Faltam
propostas na corrida pela disputa de Casa, pautada pelos mesmos interesses de
sempre
Por Roberto
Livianu, 12/01/2017,
www.veja.com.br*
Quatro deputados federais
disputam abertamente a presidência da Câmara, cuja eleição ocorrerá no início de fevereiro.
Noticiam-se viagens, articulações - houve até candidato que fez campanha de
bicicleta. O atual presidente neste momento trava batalha jurídica, pois muitos
entendem não ser possível sua recondução, até em nome do não enraizamento no
poder.
Na arquitetura da democracia representativa e
participativa pelo povo e para o povo se faz necessário que a sociedade saiba
que espécies de propostas e prioridades pensam em ter os parlamentares caso
sejam escolhido para presidir a Casa que postulam do Poder Legislativo Federal.
Afinal, são vitais as forças do presidente da
Câmara. Ele é chefe de poder e seu porta-voz. No ano passado, o Brasil assistiu
ao triste espetáculo do afastamento e depois prisão por corrupção do ex-presidente
da Câmara Eduardo Cunha, o que deveria impor zelo ainda maior por parte dos
postulantes à cadeira no que diz respeito à transparência de propostas e
intenções políticas à sociedade, a chamada accountability.
A opacidade pode sinalizar para a indesejável
direção de que possam pretender o poder pelo poder - o que em geral é muito
ruim e, especialmente no delicadíssimo momento político que vivemos hoje no
Brasil, é desastroso, pois nos joga para abismo ainda maior. O brocardo latino
é sábio: abyssus abyssum invocat (um abismo atrai outro abismo).
Não vieram a público tais propostas. Não se tem
conhecimento, por exemplo, de que algum dos quatro candidatos se tenha
comprometido a capitanear processo legislativo conducente à necessária
proibição absoluta do imoral voto simbólico ou secreto, que desrespeita o povo
e seu direito constitucional de acesso à informação bem como o princípio
constitucional da publicidade, bandeira defendida com afinco pelo Instituto Não
Aceito Corrupção.
Isso se mostra absolutamente essencial nesta quadra
de nossa história republicana, especialmente depois dos tristes episódios
vividos na noite de 22 de novembro do ano passado, em que se pretendeu aprovar
anistia a todos os atos ilícitos das mais diversas naturezas tendo por objeto
recursos não contabilizados em campanhas eleitorais (caixa dois), em votação
secreta, com oposição firme e intransigente apenas de quatro partidos políticos
que defenderam o voto aberto: PHS, PPS, PSOL e Rede.
Já nos ensinou Platão, há muitos e muitos séculos,
ser compreensível o medo do escuro de uma criança. Mas que a real tragédia da
vida acontece quando os homens têm medo da luz.
E não podemos esquecer que, na outra casa
legislativa, o presidente do Senado, em dezembro, tentou aprovar a toque de
caixa lei em causa própria, para autoblindagem e vingança, já que é investigado
em doze procedimentos criminal e réu no STF, acusado de peculato.
Freqüentemente noticiam-se fatos referentes a
gastos excessivos e desarrazoados por parte da Câmara. Quanto a isso, não se
tem conhecimento de proposta alguma dos quatro candidatos no sentido de
radicalizar a prestação de contas e transparência de tudo aquilo que se gasta,
de forma totalmente acessível aos cidadãos.
Aliás, recentemente, o Congresso aprovou o chamado
ajuste fiscal, com drásticas contenções de despesas a diversos setores do campo
público. Quais as propostas dos candidatos em relação a essas contenções no que
diz respeito à própria Câmara? Ao número de assessores parlamentares, por
exemplo?
Qual dos candidatos pretende se comprometer a
capitanear mudança constitucional para a limitação do número de mandatos na
Câmara a fim de que prevaleça o princípio republicano cuja essência é a
alternância no poder?
Diversos organismos de pesquisa e do campo
acadêmico, por outro lado, vêm detectando com nitidez sintomas de forte crise
de representatividade política externados pelo grau de participação nas
eleições, número de votos brancos e nulos e em outros indicadores.
A FGV tem pesquisado trimestralmente a
credibilidade das instituições, e o Congresso e os partidos políticos ocupam as
piores posições de forma lamentavelmente constante, a ponto de muitos hoje
questionarem a idéia da democracia pelos partidos, defendendo candidaturas
avulsas. Além disso, como se sabe, vários outsiders venceram as eleições para
prefeito em 2016 diante desse quadro de saturação.
A crise de representatividade com certeza está
relacionada a uma postura de descolamento dos parlamentares em relação aos
representados, sendo vital que essa interação se revitalize. O presidente da
Câmara deve liderar esse processo, tomando iniciativas que ampliem a voz e
presença da sociedade no Parlamento, como, por exemplo, envolvendo-a
efetivamente no processo de escolha dos representantes da Câmara dos Deputados junto
ao Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público.
Isso pode legitimar e qualificar mais a escolha
desses conselheiros, que desempenham papéis extremamente importantes no CNJ e
CNMP, para que sejam chancelados pela comunidade.
O novo presidente da Câmara dos Deputados precisa
trabalhar pelo início do resgate da essência democrática do Parlamento. Eis sua
grande oportunidade.
*Roberto
Livianu, 48, é promotor de Justiça em SP, doutor em direito pela USP e
presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. Atua na Procuradoria de Justiça
de Direitos Difusos e Coletivos.
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