Por Augusto Nunes, 31/07/2015, www.veja.com.br
Texto de J. R. Guzzo
De um ponto de vista puramente prático, como mostra
a experiência, a maioria das pessoas que participam da vida pública acha
preferível ser julgada pela história do que por uma vara da Justiça penal.
Todos estão sempre prontos a garantir que sua grande preocupação é deixar uma
biografia limpa para quando não estiverem mais em circulação física neste Vale
de Lágrimas — algo que exige trabalho duro, sacrifícios e outros aborrecimentos
durante o aqui e o agora. Mas em geral, quando têm de tratar com realidades,
preferem deixar para depois, no conforto de um futuro em que não há promotores,
juízes nem penas de prisão, o acerto de contas com os atos praticados hoje. É
chato, claro, legar para o registro histórico uma reputação manchada por
suspeitas ou por fatos. Mas muito pior é acabar residindo uma boa temporada no
presídio da Papuda, por exemplo, ou em algum outro endereço do nosso “sistema
prisional”, como dizem os técnicos em administração carcerária. Tirando isso, o
resto se arranja. O futuro fica para o futuro.
Nunca antes, na história deste país, tal filosofia
de vida prosperou tanto. O resultado é a criação de um ambiente em que o grau
de sucesso dos políticos é medido pela distância que os separa do xadrez. Estar
“blindado” — ou seja, não se sentir ameaçado por provas efetivas de má conduta
— tornou-se a prioridade das prioridades, e um sinal superior de competência.
Vitória, na política brasileira de hoje, é isso. É um problema, pois aí se abre
um amplo portal de entrada para o tráfego de posturas que normalmente matariam
de vergonha qualquer cidadão interessado em manter o seu bom nome — e que hoje
são tratadas como a coisa mais normal do mundo. A pergunta, na vida pública do
Brasil de 2015, deixou de ser: “Está certo fazer isso?”. Passou a ser outra:
“Fazer isso vai me causar problemas com o Código Penal?”. Se não vai, ou se for
difícil a Justiça provar que vai, tudo bem — vamos em frente.
É o caminho mais prático, como dito no início — ao
mesmo tempo, é o motivo pelo qual as biografias a ser deixadas pelos que mandam
hoje no governo parecem condenadas, cada vez mais, a ficar abaixo da linha da
pobreza. Há pouco tempo, numa reportagem publicada na Folha de S.Paulo,
a jornalista Estelita Carazzai produziu um desses trabalhos que não costumam
ganhar prêmios, nem mexem com o movimento de rotação da Terra, mas que
demonstram com impecável precisão a vida como ela realmente é nos lugares onde
as coisas realmente se decidem. A reportagem reproduz mensagens trocadas na
noite do segundo turno da eleição presidencial de 2014, e que são investigadas
pela Operação Lava-Jato.
“Dilminha ganhou!!!!!”, escreve ali para um colega
empreiteiro, com todos esses cinco pontos de exclamação, o executivo Léo
Pinheiro, então presidente da OAS e no momento em prisão domiciliar. Ele anexa
também a imagem de uma represa vazia, com um recado para a oposição: “Favor
chorar aqui”. Numa mensagem enviada antes, ele diz: “Aécio despencando! Boa
notícia”. As mensagens que recebe são do mesmo tom. “Desemprego em baixa. Muito
bom… Vai dar 10% na urna de diferença, no mínimo”, escreve para ele o
vice-presidente da OAS, Cesar Mata Pires Filho. Um outro companheiro lhe diz:
“Mais que nunca, Super Ministro da Infraestrutura, Leozinho”. Léo responde:
“Rsrsrsrs”.
Não há desculpa possível para uma coisa dessas — a
fotografia em altíssima definição dos verdadeiros sentimentos que as
empreiteiras têm em relação ao atual governo. A reação da máquina oficial é um
perfeito sinal dos tempos. “E daí?”, foi sua pergunta básica. “Dilma não tem
culpa se as construtoras de obras públicas gostam dela.” Ninguém é responsável,
claro, pelo que os outros escrevem. Mas fica a questão que realmente importa:
por que essa gente toda que está na cadeia ou usando tornozeleira, por ter
participado comprovadamente dos mais agressivos atos de corrupção da história
nacional, gosta tanto assim da presidente Dilma?
Gosta e paga: sua campanha de 2014 gastou 320
milhões de reais, na maior parte fornecidos pelos empreiteiros — e o fato de
que também doaram para a oposição só torna as coisas piores, ao deixar provado
que não pagam por acharem um lado melhor que o outro para os interesses do
país, mas apenas porque querem comprar os dois. A reportagem citada acima joga
luz sobre o lado mais escuro da política brasileira de hoje. Estará
reproduzida, palavra por palavra, em qualquer biografia séria a ser escrita
sobre Dilma Rousseff e seu governo.
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