Por Reinaldo Azevedo, 09/08/2015,
www.veja.com.br
Já li os jornais de domingo, sites
noticiosos, colunistas e coisa e tal… A gente fica com a impressão de que todos
os problemas da presidente Dilma Rousseff se resolverão amanhã caso Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, seja seqüestrado por ETs. A crise acaba,
o Brasil encontra o seu rumo, os petistas, inclusive os das redações, voltarão
a sorrir.
Acho que o próprio deputado, ao se
barbear toda manhã, precisa refazer o roteiro em sua cabeça, encarando-se,
reflexivo: “Por que é mesmo que eu tenho tanto poder?”. É evidente que alguns
ditos analistas políticos estão deixando que o ódio e o preconceito tomem o
lugar da razão.
Poucos se dão conta de que Cunha hoje,
como no poema “À Espera dos Bárbaros”, de Constantino Kafávis (já o citei
aqui), é, para Dilma, uma espécie de solução. Quando a presidente precisa
justificar a própria incompetência, aponta o dedo contra o seu inimigo de
estimação. Na Câmara, o líder do governo é José Guimarães (CE), e o do PT é
Sibá Machado (AC). E os petistas e seus acólitos se voltam contra o
peemedebista? Ora… Quem fez tais escolhas esperava qual resultado?
É evidente que a dupla patética não
pode responder pela rotina de desastres no Congresso, muito especialmente na
Câmara. Eles também já são sintomas da esclerose petista. Se ao Planalto e ao
partido pareceu que são esses os líderes do momento, a gente consegue ter noção
de como anda o resto.
Não é só isso. Vejam a coordenação
política de Dilma — não estou me referindo à do condomínio governamental, que
está a cargo de Michel Temer, que vai fazendo o possível. Falo dos ditos homens
fortes da presidente na interlocução política. Um é Aloizio Mercadante, da Casa
Civil. Ganha um bilhete pra Pasárgada quem conseguir dizer que diabos,
exatamente, ele faz e que área do governo está afeita à sua pasta. Quem são
seus interlocutores? Líderes do Parlamento? Os demais ministros? Representantes
da oposição? Qual é a agenda do homem? E é Cunha quem toma pancada?
Há ainda, o que é do balacobaco, Jaques
Wagner. Dilma tem 39 ministérios, mas o titular da Defesa se comporta como um
de seus porta-vozes. É bem verdade que os comandantes militares devem erguer as
mãos para o Céu. Melhor Wagner sem fazer nada, ciscando na área política, do
que tentando fazer alguma coisa nas Forças Armadas… E Cunha é que deve apanhar?
Fiquem calmos. Ainda existe o espantoso
Miguel Rossetto, cujas idéias costumam serem ainda mais confusas do que seu
cabelo e mais perturbadas do que seu olhar. Sua função principal, consta, é
fazer a interlocução com os movimentos sociais — só os de extrema esquerda, é
claro! As demais vozes da sociedade, especialmente aquelas críticas ao governo,
são cotidianamente hostilizadas por esse gênio político. E Cunha é que vai para
o paredão?
Ora, ainda que a tal pauta-bomba
nascesse da vontade imperial do presidente da Câmara — mentem os jornalistas e
colunistas que afirmam isso ao leitor; não se trata de matéria de opinião, mas
de matéria de fato —, o seu efeito desestabilizador, no presente, é nulo. Se
todas aquelas maluquices forem mesmo aprovadas, a explosão só virá bem mais
tarde. Sim, é preciso impedir as porra-louquices, mas não são elas que
paralisam o governo.
De resto, como ignorar que o PT —
sim, o PT!!! — votou em massa em favor de propostas que concedem reajustes
salariais pornográficos a categorias já privilegiadas de servidores? Os
petistas Paulo Paim (RS) e Lindbergh Farias (RJ) resolveram serem os
porta-vozes do movimento contra o ajuste fiscal no Senado. E os companheiros
resolvem hostilizar… Cunha?
Os colunistas que enveredam por aí
deveriam ter algum pudor — a boa e velha vergonha na cara — e expor a seus
leitores os instrumentos de que dispõe o presidente da Câmara, então, para
exercer essa força tão avassaladora, encabrestando 513 deputados e mandando
para as cordas a máquina pantagruélica do governo federal! Que tipo de
benefício Cunha poderia oferecer que o governo não pudesse bancar,
multiplicando por dez, por cem, por mil? Se falta honestidade intelectual a
essa gente, que não falte ao menos um pouco de senso de ridículo.
Mais ainda: Cunha foi colhido pelo lado
escuro da Operação Lava Jato — sim, ele existe — e hoje está na berlinda em
razão do depoimento de Julio Camargo, o delator que será premiado pela
“verdade” que disse e também pelo seu contrário. Afinal, ou antes, ou depois,
esse senhor mentiu. Antes e depois, homem acostumado a comprar pessoas por
somas fabulosas, ele deve ter tido milhões de motivos para fazê-lo. De toda
sorte, Cunha teve subtraída parte substancial de seu poder — ou, ao menos, da
perspectiva de poder que representava. E assim será enquanto estiver sob
investigação. Respondam-me: é um homem nessas condições que consegue paralisar
o governo?
Não! A verdade é bem mais simples, e a realidade,
muito mais complexa.
A verdade é que Dilma não tem agenda
nenhuma a negociar nem com governistas nem com oposicionistas. Ocupa-se hoje de
tentar minorar os efeitos dos desastres que ela própria e Lula produziram na
economia. E, por óbvio, não se trata de uma tarefa trivial. Os problemas
começaram a desabar sobre a sua cabeça já em meados de 2012, antes mesmo que
completasse metade do seu primeiro mandato. Para cada problema complexo e de
difícil solução, ela e Guido Mantega ofereceram uma resposta simples e errada.
As eleições chegaram quando a
economia já caminhava para o abismo, e aí foi preciso que a candidata Dilma
contasse mentiras espetaculares sobre o passado, o presente e o futuro e que
demonizasse as respostas que ela própria teria de dar — E ELA SABIA DISSO —
para conseguir aquela estreita margem de votos que lhe garantiu a vitória.
Somem-se a isso os descalabros
revelados pela Operação Lava Jato, e então se entende por que 71% acham o
governo ruim ou péssimo e por que 66% querem Dilma fora da cadeira
presidencial, segundo o Datafolha. Volto a perguntar: o que tem Cunha a ver com
isso? Note-se à margem: ele só não é um aliado do governo porque a governanta achou,
contra todas as evidências, que conseguiria eleger o presidente da Câmara…
Essa gritaria contra Cunha traduz sabem
o quê? Arrogância de gente acuada. Em vez de o governo tentar uma interlocução
com o Congresso, quer silenciá-lo no berro. Não! Eu não gosto dos absurdos que
andam votando por lá e tenho descido o porrete nas maluquices. Mas é uma
estupidez e uma mentira atribuir a um deputado a responsabilidade pelos
desatinos.
Quem está no desgoverno do país é
Dilma, não Eduardo Cunha. Ademais, se ELE renunciasse amanhã, o país ficaria na
mesma. Se ELA renunciasse, ao menos a esperança poderia sair do fundo da caixa…
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