Não, Lula não está sendo perseguido politicamente
Por Sérgio
Praça, 10/05/2017,
www.veja.com.br
Neste instante, o ex-presidente Luís Inácio
Lula da Silva (PT) está depondo para o juiz federal Sérgio Moro no processo que
trata do triplex que teria sido oferecido ao ex-presidente pela construtora OAS
em troca de favorecimento em contratos da Petrobras. Mais do que qualquer outro
aspecto, chama minha atenção a tentativa do ex-presidente de contaminar a
atuação da Justiça com o argumento de que Moro estaria enviesado e, portanto,
incapaz de julgá-lo de modo imparcial. É um raciocínio que traz à tona a idéia
de “julgamento político” – ou seja, a atuação da Justiça não para fazer cumprir
a lei, mas para fins políticos específicos, pré-determinados.
Mas esta definição ainda é muito vaga e não permite
comparação histórica. Afinal, se Lula está sob julgamento “político” agora,
precisamos olhar para o passado (remoto e recente) e verificar como isso se deu
em outros países e contextos históricos. O livro “Political Trials in Theory and History” (Cambridge University
Press, 2017), organizado por Jens Meierhenrich e Devin Pendas é útil para isso.
Em sua introdução à obra, Meierhenrich e Pendas definem uma tipologia de
julgamentos políticos a partir dos casos analisados no resto do livro. A importante
novidade do estudo é que esses julgamentos podem ser realizados obedecendo à
legislação vigente. Não são, portanto, “julgamentos de exceção”.
Três tipos de julgamentos podem ser considerados
políticos. O primeiro, chamado de “julgamento decisivo” (decisive
trial), serve para resolver uma questão de regulação política sobre a qual
há grande discordância entre grupos sociais e políticos. E esta discordância
não consegue ser sanada através de legislação ou eleições. O exemplo dos
autores é a decisão da Suprema Corte norte-americana, em 1954, proibindo
escolas separadas para diferentes raças no país. Políticos do sul dos Estados
Unidos queriam a permanência da segregação e outros grupos políticos e sociais
alegavam violação constitucional. A solução congressual não conseguiu ser dada
por conta do controle sulista sobre o Senado dos Estados Unidos (algo descrito
de modo magistral pelo historiador Robert Caro em “Master of the Senate”) e, por isso, os onze juízes da Suprema Corte
tomaram a decisão final.
O segundo tipo de julgamento político é
chamado de “julgamento didático” (didactic
trial). A intenção desse tipo de julgamento é comunicar uma mensagem
política. Pretende-se publicizar, para fins “educativos”, quão danoso é certo
tipo de comportamento, para que não seja mais repetido. Um exemplo foi o
julgamento na China, em 1981, de quatro membros do Partido Comunista (entre
eles a última esposa de Mao Zedong, o ditador assassino). 35 juízes foram
mobilizados para julgá-los sob o escrutínio de 880 cidadãos. A acusação,
genérica, era de corrupção. Três receberam sentenças de prisão perpétua. Ficou
a lição: se você participou de corrupção no governo anterior, você é culpado. A
rápida infraestrutura chinesa é testemunha da relativa tolerância do partido
com corrupção hoje.
Finalmente, o
terceiro tipo de julgamento político é o “julgamento destrutivo” (destructive trial), cujo objetivo é
aniquilar um inimigo político real ou imaginário. O julgamento de criminosos
nazistas em Nuremberg, analisado de modo brilhante por Hannah Arendt, é um
exemplo. Notem que não é necessário que, para ser destrutivo, o julgamento
utilize expedientes ilegais ou procedimentos ambíguos.
Lula tenta convencer o povo de que os juízes
brasileiros, especialmente Moro, consideram-no um inimigo político a ser
destruído. Mas seu julgamento não se encaixa em nenhum desses três tipos.
Portanto, não há nada de político nem persecutório no depoimento do ex-presidente.
Ao contrário: faz parte de sua defesa legalmente garantida.
Comentários
Wando Polop
Julgamento por crime por formação de quadrilha, furto
praticado em larga escala e diversos tipos de estelionato.
Antonio Renovável
CLARO QUE NÃO!!! Isso é crime comum, roubalheira, só estar
tendo esse entendimento porque é difícil colocar ladrão de colarinho branco na
cadeia. E sendo bom de lábia, mais difícil ainda.
Morvan Deon
Quisera fosse! Inteligentíssimo na política, mas é um ser
desprovido da famosa constante que são os atos corretos
Severino de Araújo
Ferreira
Julgamento por crimes comuns previstos em Lei. Formação de
quadrilha e lavagem de dinheiro.
Magno Valverde
Argumentos muitos claros e didáticos. Parabéns pela
contribuição e conteúdo útil de aprendizagem. Agora só mostre isso ao seu
Reinaldo de Azevedo.
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