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terça-feira, 6 de outubro de 2015

As bobagens de um dos signatários da denúncia contra Collor, em 1992. Ou: É só opinião ou é uma encomenda?



Por Reinaldo Azevedo, 05/10/2015, www.veja.com.br

Ai, ai… A gente não é dono absoluto nem da própria história, não é? O tempo pode ser cruel mesmo com quem tem um feito notável ou outro. Ora por ideologia, ora por interesse, é grande, para usar uma expressão de Graciliano Ramos em “Memórias do Cárcere”, o risco de “acanalhamento” das biografias. Cecília Meireles até verteu isso em lirismo. Querem ler? No poema “Retrato de uma Criança com uma Flor na Mão”:

Quem lhe ensinara o sorriso
e a graça de assim ficar
com as luzes do paraíso
sustentadas no olhar?

Naquele instante divino,
com a tênue flor na mão.
recebeu seu destino
palma e galardão.

Não se repete na vida
a hora clara existida
livre de tempo e dor.

Era tão linda! E estou triste.
Deus, por que permitiste
sobrevivesse à flor?

Pois é… Capricho nas referências porque, com o tempo, de tanto falar do lixo da política brasileira, corremos o risco, nós também, de acanalharmos os marcos civilizatórios. Por que isso?
Marcelo Lavenère, um dos dois que assinaram a denúncia que resultou no afastamento de Fernando Collor, em 1992 — o outro foi Barbosa Lima Sobrinho, que morreu no dia 16 de julho de 2000, aos 103 anos —, concede uma entrevista à Folha nesta segunda.
É tal a quantidade de bobagens que diz sobre o eventual impeachment de Dilma que melhor teria sido ficar calado para não macular a própria história.
Diz ele, por exemplo:
“A aparência engana e eu mesmo encontro poucas semelhanças sobre o que havia em 1992 e hoje. O Collor foi eleito, e a eleição foi aceita como legítima, não se questionava. Diferente do que acontece atualmente, em que, mesmo antes de Dilma tomar posse, já se dizia que sofreria o impeachment.”
É verdade. É que Collor foi eleito, não reeleito. Dilma conquistou o segundo mandato quando já havia denúncia de que sua campanha tinha sido irrigada com dinheiro criminoso e quando já se conheciam as lambanças fiscais a que havia recorrido para maquiar as contas do governo.
Mais adiante, diz Lavenère:
“Diferente daquela época, as acusações que vemos primeiro não se dirigem à presidente, mas a pessoas do seu partido, ou da base do governo que estariam ou estão envolvidas em investigações feitas pela Justiça.”
O empresário Ricardo Pessoa, da UTC, acusa Edinho Silva, tesoureiro de Dilma, seu ministro e um de seus homens fortes de tê-lo achacado.
Para escândalo dos fatos, Lavenère continua:
“As acusações contra Collor foram de fatos ocorridos durante a gestão dele. Ninguém discutiu o que havia antes. Já no caso dela, ao que se sabe, as acusações são de que na campanha teria havido isso e que ela teria feito pedalada fiscal. É o que consta no pedido dos senhores Helio Bicudo e Miguel Reale.”
Chega a ser cínico! As pedaladas, por acaso, não foram dadas com o objetivo de maquiar as contas, garantir a continuidade dos programas sociais, convertidos, então, em moeda eleitoral? A Dilma que pedalava não era a mesma que se candidatava?
Como a bobagem parece não ter limites, ele avança:
“O Congresso fez uma CPMI para apurar se ele tinha envolvimento e, quando veio o relatório, concluiu-se pela necessidade de um processo de impeachment, o que foi apoiado por praticamente a totalidade das entidades da sociedade. Não era partidário, político. Quem organizou? Ninguém. A orquestra tocou afinada sem maestro. Não tinha alguém para reger as senhoras que iam apoiando a gente.”
Ora, doutor! Ninguém uma ova! Todos os partidos de esquerda, muito especialmente o PT, estavam engajados no impeachment. As manifestações de rua de agora são muito superiores às de 1992, em números absolutos e relativos.
O que há, vamos ser claros, de diferente é outra coisa. Daquela vez, as esquerdas apoiavam a queda da presidente; desta feita, elas são contrárias porque beneficiárias do governo; porque mamam nas tetas oficiais. Naquele caso, elas queriam assaltar o estado — e o impeachment é o pretexto. Desta feita, o estado já foi assaltado, e a acusação de golpe serve de pretexto para que continuem se locupletando do bem público.
Para arrematar a imensa coleção de tolices, diz Lavenère:
“Existe uma preocupação de desestabilizar um governo legalmente eleito. Preocupação de invalidar o resultado das eleições. Eu acho que, neste caso, sim, significa uma tentativa de golpe. Já se falava em impeachment antes das eleições. Trinta dias depois, um partido político encomendou um parecer de um grande jurista de São Paulo de mentalidade muito conservadora. Essa articulação dos partidos de oposição, movidos pela insatisfação e pelo chororô de quem perdeu eleição, a mim tem cheiro de golpe, sim.”
Bem, se a articulação da oposição tem cheiro de golpe, a entrevista do doutor Lavenère tem cheiro de parecer encomendado.
O fato de ele ter assinado o pedido de impeachment não lhe dá especial direito de falar bobagem. Ou, então, diga para quem está trabalhando.

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