Por Augusto
Nunes, 20/04/2013, www.veja.com.br
Texto de J. R. Guzzo
O governo brasileiro viciou-se em confundir estatísticas com realidades.
Está escrito em algum papel oficial? Então é verdade. Como fomos todos
informados pela presidente Dilma Rousseff, não há mais miseráveis no Brasil
desde o dia 31 de março, quando foi riscado do cadastro federal o nome do
último cidadão brasileiro com renda inferior a 70 reais por mês. A partir daí,
quem ganha 71 mensais deixou de ser miserável, pois para a ciência estatística
a miséria acaba naqueles 70 realzinhos - ou cerca de 1,25 dólares por dia, pela
média dos critérios internacionais. Daí para frente o sujeito é promovido à
pobre e deixa de incomodar tanto.
“O cadastro foi zerado”, anunciou Dilma. Conclusão: como não existem
mais nomes no cadastro, não existem mais miseráveis no Brasil. Ah, sim, ainda
há um probleminha com gente que ganha menos de 70 reais por mês e que não
estava inscrita na lista oficial; é mera questão de tempo até o governo
encontrar todo mundo, dar um dinheirinho a mais para eles e acabar não apenas
com a “miséria cadastrada”, como falam os técnicos do Palácio do Planalto, mas
com o problema inteiro.
Nada disso faz nexo no mundo do bom-senso, mas o governo tomou-se
dependente de outro vício - massagear números aqui e ali e fazer uso deles para
tratar como retardado mental todo brasileiro que foi à escola, prestou um pouco
de atenção às aulas e acabou aprendendo alguma coisa. O problema de meter-se
por essa trilha é que, com frequência, os especialistas em fazer mágicas
aritméticas têm de experimentar o próprio veneno. Acaba de acontecer, mais uma
vez, com as últimas cifras da ONU sobre o índice de Desenvolvimento Humano em
187 países — uma medida que informa o nível de bem-estar da população, e não da
“economia”. Em termos de vida saudável, acesso ao conhecimento e padrão de vida
decente, traduzido em dinheiro no bolso do povo.
O Brasil pegou o 85° lugar em 2013, dezesseis postos abaixo do
Cazaquistão e outras potências do mesmo quilate. Não é um desastre. É apenas
aquilo que realmente somos — a mediocridade em estado puro. Só na América
Latina, ficamos atrás de Argentina, Chile, Uruguai. Cuba, Panamá. México,
Venezuela e Peru, com a Colômbia prometendo passar à frente já no próximo
levantamento. Sobra o quê, aqui em volta? Só os casos de subdesenvolvimento que
já estão num leito de UTI.
A coisa não para aí. Já que o negócio é ficar refogando números, como a
presidente Dilma tanto gosta, por que não servir a salada inteira? Em 1980,
mais de vinte anos antes de o ex-presidente Lula decidir que o Brasil tinha
sido inventado por ele, o IDH brasileiro era de 522, numa escala que começa no
zero e chega ao máximo de 1000; subiu sem parar nesse tempo todo, chegando a
quase 700, ou perto de 35% a mais, no Ano I da Nova História do Brasil — 2003
—, quando Lula começou sua primeira Presidência.
Nestes dez anos de Lula, Dilma e PT, o índice foi para os 730 onde está
hoje. Mais: durante os dois anos do governo Dilma, o IDH brasileiro ficou perto
do nível de pressão zero por zero. Com crescimento praticamente nulo. O que
toda essa tabuada está dizendo, no mundo das coisas reais, é o contrário do que
diz o mundo da propaganda oficial: com a sexta ou sétima maior economia do
mundo em volume, o Brasil simplesmente não consegue repassar o bem-estar dessa
grandeza, nem de longe, para os brasileiros que a constroem.
O governo, assim que recebeu os últimos números, entrou no seu modo
habitual de indignação automática: a ONU está errada, as cifras são injustas
etc. Quer que a população acredite na demência segundo a qual um cidadão que
ganha 71 reais por mês não é mais miserável; ao mesmo tempo, não quer que
acredite nos números da ONU. Mais que tudo. Ignora o fato de que “a revolução
na renda” registrada nos governos petistas. E patenteada como invenção pessoal
e exclusiva de Lula, é uma mentira: o mundo inteiro, mesmo nos casos mais
desesperados da África, viveu uma rápida e inédita redução da pobreza durante
os dez anos de governo lulista.
De 2000 para cá, 70 milhões de pessoas saem da miséria a cada ano pelo
mundo afora. Em apenas seis anos, de 2005 a 2011, a pobreza mundial foi
reduzida em meio bilhão de seres humanos. Desde 2003, os países pobres vêm
aumentando em 5% ao ano, em média, a sua renda per capita. De onde Lula e Dilma
foram tirar a lenda segundo a qual fizeram o que ninguém jamais havia feito? Vá
com calma ao mexer em estatísticas, presidente. É um produto que pode ter
efeitos colaterais indesejáveis.
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