Ao
chefiar a Casa Civil, presidente trabalhou contra plano de ajuste fiscal de
longo prazo que previa que o gasto público não poderia crescer mais que o PIB
Por Ana
Clara Costa, 27/09/2015,
www.veja.com.br
Na
época em que era ministra do governo Lula, Dilma foi contra ajuste fiscal de
longo prazo
Imersa numa crise política e
econômica que não se vê desde o início dos anos 1990, a presidente Dilma
Rousseff colhe os frutos que ela mesma semeou. E não apenas em seu primeiro
mandato, mas antes, como ministra do governo Lula. Quando titular da Casa
Civil, Dilma capitaneava a ala do Executivo fanática do Estado grande, que não
apoiava o ministro da Fazenda Antonio Palocci em sua política de manutenção dos
pilares macroeconômicos construídos a duras penas nos governos de Itamar Franco
e Fernando Henrique Cardoso.
Fato emblemático ocorreu em
novembro de 2005, quando Dilma bombardeou um plano de ajuste fiscal de longo prazo
apresentado pelo Ministério do Planejamento, que tinha como premissa que o
gasto público não poderia crescer mais que o Produto Interno Bruto (PIB) nos
dez anos seguintes. O objetivo era atacar e reverter à trajetória de alta da
dívida pública. À época, Paulo Bernardo era o titular do Planejamento, mas o
plano havia sido elaborado em parceria com a equipe de Palocci.
Dilma não poupou disparos.
"O que foi apresentado foi bastante rudimentar. Nós não consideramos que
essa discussão teve início e transitou no governo. O fato de eu e mais três
ministros tomarmos conhecimento não significa que exista discussão. Eu acho que
nem existe a colocação de um conceito de ajuste fiscal no Brasil. Não se pode
fazer uma projeção para dez anos pensando em planilha. Fazer um exercício
dentro do meu gabinete e achar que ele será compatível com o nosso país não é
consistente. Quando você fala em dez anos, você tem que 'combinar com os
russos', que são as 180 milhões de pessoas que vivem no Brasil. Por isso eu
digo que esse não é um exercício macroeconômico", disse a então ministra.
O plano de ajuste de longo
prazo foi pelo ralo, assim como Palocci, que havia perdido sustentação política
depois de denúncias de corrupção de sua gestão na prefeitura de Ribeirão Preto,
que mais tarde levaram à sua queda - e ao início da era Mantega. Se o plano que
Dilma ajudou a sepultar tivesse sido implementado, a trajetória da dívida
possivelmente não seria tão preocupante, beirando o nível de 70% do PIB.
Não que a regra de limitação
de gastos tivesse o potencial de inibir todos os passos em falso da presidente,
mas certamente cercearia sua liberdade de impor fardos que o Estado brasileiro
não está apto a suportar. Em tempos de vacas gordas, como em 2005, havia grande
preocupação da equipe econômica (composta por economistas como o próprio
ministro Joaquim Levy, Marcos Lisboa, Murilo Portugal e Bernard Appy) com a
trajetória da dívida. Desde 2004 havia um diagnóstico, segundo um ex-secretário
daquela gestão ouvido pelo site de VEJA, de que seria preciso impor um limite
aos gastos para que, devido ao avanço do déficit da Previdência, o país
conseguisse continuar cumprindo a meta de superávit primário na década
seguinte.
Contudo, a ala petista
composta por Dilma, José Graziano (hoje chefe da FAO), Humberto Costa, Ricardo
Berzoini e Miguel Rossetto se opunha frontalmente à limitação das despesas.
"Nos primeiros anos de governo Lula, Dilma não opinava em quase nada na
área econômica porque estava ocupada demais tentando resolver a equação do setor
elétrico, tarefa que só foi possível com a ajuda de Levy, que era secretário do
Tesouro. Mas, ao ingressar na Casa Civil, tudo mudou. Como se tratava de um
trabalho interministerial, tudo passava por ela. E muitas vezes ela respondia
em nome do presidente Lula sem sequer consultá-lo", lembra o
ex-secretário.
Assim como Dilma, Rossetto e
Berzoini, outros membros do governo atual, como Aloizio Mercadante, chefe da
Casa Civil, eram críticos ferozes da política econômica da turma de Palocci -
uma turma que contava com técnicos herdados do governo FHC. Outra fonte da
equipe econômica de Palocci relembra o clima de pé de guerra. "Nunca houve
paz. Havia crítica sem qualquer censura por parte de ministros, que ora usavam
os jornais para dar recados, ora falavam cara a cara mesmo", conta.
O ex-secretário descreve o
bombardeio da ala petista mais radical ao relatório Política Econômica e
Reformas Estruturais, feito por técnicos do Ministério da Fazenda em 2003, no
primeiro ano do governo Lula, e que ampliava o espectro das reformas feitas na
gestão anterior. O documento trazia o primeiro esboço do que viria a ser o
Bolsa Família: a unificação de programas já existentes na gestão FHC e o
estabelecimento de uma faixa populacional que deveria ser atendida pelo
auxílio. Rapidamente entrou em campo o triunvirato composto por Graziano,
Rossetto e Berzoini para se contrapor à proposta.
"É engraçado que hoje
eles abraçam o Bolsa Família como uma conquista do PT. Mas foram contra o
programa alegando que era coisa de 'tucano', idéia do Banco Mundial, política
social de direita", afirma o ex-secretário. Para Graziano, que então
comandava a extinta pasta da Segurança Alimentar, o auxílio deveria, sim, ser
pago aos mais carentes. Porém, sem a contrapartida de levar filhos à escola. A
economista Maria da Conceição Tavares, um dos quadros mais antigos e radicais
do PT, chegou a chamar os autores do relatório de "débeis mentais",
"analfabetos" e "neoliberais infiltrados", em entrevista ao
jornal Folha de S. Paulo, em 2003.
Se o embrião da crise atual
teve, de fato, origem nas vezes em que Dilma ministra e petistas históricos
jogaram contra as medidas criadas para reequilibrar a parte fiscal, a
responsabilidade pelo que está aí recai sobre toda uma geração de políticos
que, ora ocupando cargos ministeriais, ora assessorando poderosos, não cumpriu
seu papel de zelar pelo dinheiro público. A reforma ministerial se aproxima e
Dilma terá, aos 48 minutos do segundo tempo, uma chance, ainda que remota, de
buscar redenção e neutralizar culpados. Mas os erros que levaram ao desastre
estão registrados na história.
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