Lewandowski pediu uma “forma cortês” de falar. Mas o que se viu foi uma
baixaria digna dos piores BBBs
Por Ruth de
Aquino, 26/08/2016,
Começou mal o julgamento do impeachment da
presidente Dilma Rousseff, acusada de crimes de responsabilidade fiscal que contribuíram
para jogar o Brasil no atual descalabro econômico. A baixaria explícita se
instalou na Casa mais alta de nossa República. Era de esperar. Suas Excelências
se acham acima do bem e do mal e transformam um julgamento histórico em briga
de rua.
Os xingamentos mútuos, puxados pela porta-bandeira
Gleisi Hoffmann, retrucados pelo mestre-sala do DEM Ronaldo Caiado e
incendiados pelo puxador do samba do PT Lindbergh Farias, foram contidos a
custo pelo ministro Ricardo Lewandowski, que parecia atônito diante da
desobediência e incivilidade dos excelentíssimos senadores, que se acusaram de
imorais, drogados, assaltantes e exploradores.
“Qual é a moral deste Senado para julgar a
presidente da República? Qual é a moral que têm os senadores aqui, para dizer que
ela é culpada, para cassar?”, gritou Gleisi ao microfone. “Não sou assaltante
de aposentado”, retrucou Caiado, referindo-se ao ex-ministro Paulo Bernardo,
marido de Gleisi, acusado de fraudar empréstimos consignados. “Você é
[assaltante] de trabalhador escravo”, afirmou Gleisi, abandonando o
tratamento de “senhor”. Lindbergh saiu em defesa de Gleisi chamando Caiado de
“canalha”, apoiado por bicheiros. Caiado mandou Lindbergh fazer exame
antidoping porque o Senado não era lugar para “ficar cheirando”.
Foi um espetáculo vergonhoso, que só não saiu
totalmente de controle devido à serenidade do ministro Lewandowski. Ficou claro
que jamais o senador Renan Calheiros ou qualquer outro político teria
autoridade para acalmar os ânimos. A baixaria digna dos piores BBBs aconteceu
apesar dos alertas. No início da sessão, Lewandowski orientou que os senadores
agissem como “verdadeiros juízes”. Pediu que adotassem uma “forma cortês” de
falar, “polida, respeitosa”, sem violar “a honra” ou “o decoro”. E quis também
o impossível: que os senadores-juízes abandonassem “opções ideológicas,
preferências políticas e inclinações pessoais”, para se ater a aspectos
técnicos.
Pode ser que, diante da repercussão negativa, os
pitbulls de um lado e de outro resolvam se comportar e engulam os gritos de
guerra. É irônico que o único personagem a ser rebaixado – de testemunha de
acusação a “informante” –, Júlio Marcelo, procurador do Ministério Público no
Tribunal de Contas da União (TCU), tenha sido o mais sereno, o mais articulado,
sem ceder em momento algum a qualquer provocação, especialmente do advogado e
ex-ministro José Eduardo Cardozo.
Júlio Marcelo foi rebaixado a pedido do PT, por não
ser isento, já que apoiara pelas redes sociais uma manifestação
pró-impeachment. Mas foram despidas de paixão suas respostas sobre as pedaladas
fiscais de Dilma, as mentiras na campanha de reeleição e o papel concreto da
presidente no (des) comando das estatais e da economia. Uma aula para quem
deseja realmente entender por que, hoje, o brasileiro é obrigado a cortar plano
de saúde e escola particular, por que já faltam alimentos e remédios na praça,
por que as pequenas empresas estão endividadas ou fechando e por que os mais pobres
sofrem uma taxa de desemprego de 20,6%.
Dilma foi um terremoto. Era para ser um poste
passageiro instalado por Lula, à revelia do próprio PT, era para ser uma
transição num país com as contas em dia. Era para Dilma ser mãe do PAC,
Programa de Aceleração do Crescimento, mas virou mãe do PAQ, Programa de
Aceleração da Queda, como escrevi aqui há três anos. Foi quando começou a cair
a máscara do assistencialismo sem futuro. O país foi às ruas contra os
políticos que arrombavam cofres, depredavam nossa auto-estima e vandalizavam
nossa economia. A presidente eleita, hoje ré, pede que tenham pena dela e se
compara a Getúlio Vargas.
É válido o argumento de que o então vice-presidente
Michel Temer não poderia se eximir de culpa. Nem ele nem muito menos o PMDB, o
maior aliado dos governos petistas. Mas alegar inocência de Dilma é coisa de
militante cego. Achar que Dilma não sabia nada do aparelhamento nas estatais,
da promiscuidade com empreiteiras, dos superfaturamentos milionários, das
escaramuças no Orçamento com fins eleitorais é uma ofensa até a ela, que sempre
fez questão de centralizar todas as decisões.
Aparentemente, o PT também já abandonou a
presidente afastada. Às vésperas do julgamento do impeachment, a executiva do
PT rejeitou em peso, por 14 votos a 2, a proposta de Dilma de um plebiscito
para antecipar as eleições presidenciais de 2018. O Partido dos Trabalhadores
quer mais tempo para que o desastre dilmês passe a entrar na conta do PMDB e
Lula tente voltar em 2018, prometendo o que não fez na era petista: saúde,
segurança e educação de qualidade para todos. Alguém voltará a prometer ética
na política?
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